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1.3 Cidadania: conquista de direitos

2.2.1 Jornalismo e Acontecimento social

2.2.1.4 Acontecimento: mega-acontecimento e acontecimento social

O valor jornalístico, observado nos critérios já citados, sofre pressão ainda do interesse público, popular, privado, transitório e volátil, de acordo com José Cleves (CLEVES, 2009, p. 172)

O interesse público influencia a qualidade de vida do cidadão. São temas de cunho econômico, político que exercem influência nas necessidades básicas. O popular vem de assuntos bizarros, curiosos ou relativos à crença. Já os privados são motivados pelas questões imateriais a cerca de um determinado fato privado, que não interessa a coletividade (vida íntima de celebridades, etc.). O transitório, como o nome diz, são acontecimentos que interessam naquela época, naquele momento especificamente, são eventos sazonais, relativos, por exemplo, as estações do ano. E o volátil desperta emoção, mexe com os sentimentos como as competições, jogos esportivos etc.

Essa sistematização sobre os aspectos que influenciam a tomada de decisão na rotina produtiva com relação ao que ‘interessa’ ou não ao público é quase que naturalizada nas redações. Quanto mais critérios como estes são observados mais o fato tem chance de ser noticiado. No meio jornalístico impera uma agenda setting, ou seja, aqueles assuntos que irão ocupar espaço em todos os veículos de notícia naquele dia. Em todos. Muito pela importância do acontecimento, mas muito também pela seleção feita pelos jornalistas:

Na agenda a mídia apresenta ao público uma lista de fatos a respeito dos quais se pode ter uma opinião e discutir [...]. A asserção fundamental da agenda-setting é que a compreensão das pessoas em relação a grande parte da realidade social é modificada pelos meios de comunicação em massa. (SHAW, 1979, apud WOLF, 2008, p.143)

Wolf (2008) conclui que a notícia é produzida de forma rotineira, burocrática e organizada. E dessa forma os acontecimentos serão dispostos nos espelhos dos telejornais criando segundos acontecimentos, reordenando os fatos do dia, configurando o que ficará daquele dia para a história e o que ficará daquele dia somente nas estórias dos que as viveram.

Os critérios de noticiabilidade servem para os dias comuns. Porque existem acontecimentos que são macro em tudo. São acontecimentos que ultrapassam as nuances dos valores-notícias, eles vão além, são únicos, notórios, próximos (culturalmente, mesmo que geograficamente distantes), visuais, garantem a continuidade da informação (o assunto não se esgota no dia), disponíveis, em suma, abrangem um largo espectro noticiável. São isolados em termos de importância, relevância, interesse, todos os news values os credenciam, disparadamente. Os

macro-acontecimentos se tornam a pauta do dia. Seja porque envolvem multidões, patrocínios, aparatos governamentais e mídia. Alguns podem ser programados, planejados exaustivamente, seja pela regularidade com que acontecem ou porque fazem parte dos planos de governo, como por exemplo, as Copas do Mundo, Olimpíadas, Jornadas da Juventude.

Inserem-se na pauta com tamanha força e presença que dominam o tempo dos noticiários, motivam entradas ao vivo de repórteres e programação extra na grade das emissoras.

Contudo, existem acontecimentos que abalam as estruturas das pautas da mídia e em alguns casos surpreendem a comunidade jornalística e rompem com a

agenda setting. Simplesmente eles acontecem bombasticamente e, assim, são

cobertos. São fatos imprevistos, mas que interferem no curso natural, do país ou do mundo. Como mortes de papas; catástrofes, como o Tsunami em 26 de dezembro de 2004 no Sudeste Asiático que matou mais de 220 mil pessoas; os atentados às torres do World Trade Center em Nova York em 11 de setembro de 2001; as enchentes etc. São acontecimentos que têm muitos valores-notícias embutidos e somados. Alguns exemplos brasileiros: o assassinato de crianças numa escola em Realengo, no Rio de Janeiro; as enchentes que destruíram cidades na região serrana do Rio; a morte do piloto Ayrton Senna; a queda do avião que iria para Paris, na qual morreram todos os passageiros e tripulação; entre outros.

Sodré (2009), por exemplo, se refere à morte do presidente norte-americano John Kennedy como macro-acontecimento. Fatos como esses mudam totalmente a rotina do dia. Como por exemplo, as recentes manifestações que se espalharam no mundo. Em alguns países tiveram mais em outros lugares menos divulgação, por meio da mídia tradicional, de acordo com natureza democrática do país.

Já o assassinato de um cidadão comum por terroristas ou um terremoto de pequenas proporções são “microacontecimentos”. (SODRÉ, 2009, p. 34) É com a unidade do acontecimento que o jornalismo trabalha. Segundo Mouillaud (2002), os micro-fatos também têm valor de notícia ao contrário dos grandes eventos que concentram a atenção dos historiadores. Porque conforme disse Motta (2005), o jornalista é um historiador do presente.

O acontecimento social e o acontecimento jornalístico, apesar de ocorrerem simultaneamente, não são fenômenos equivalentes, produzem significados diferentes, embora exista entre eles uma relação íntima. De acordo com Adriano

Rodrigues, o acontecimento social é “tudo aquilo que irrompe na superfície lisa da história entre uma multiplicidade aleatória de fatos virtuais” (RODRIGUES, 1999, p.27). Já o acontecimento jornalístico tenta interpretar o acontecimento social a partir de um quadro contextual de significações já estabelecidas culturalmente. Para Quéré (2012) a comunicação cataloga e contextualiza o acontecimento, porque ela anuncia, nomeia, classifica e readapta para satisfazer as “exigências de conversação, assim os acontecimentos são transformados em objetos, em coisas com significados”. (QUÉRÉ, 2012, p. 30)

Deste modo, “os acontecimentos jornalísticos podem ser considerados como a parte emergente de um processo de informação que começou bem antes no espaço e no tempo” (MOUILLAUD, 2002, p.65). É importante constatar que a notícia acaba, mas o acontecimento reverbera no tempo, produzindo significados que transformam a vida social de uma comunidade ou de um país, no dizer de Vera França (2012).

Ele cria um passado porque surge a questão de saber o que o provocou e condicionou e cria um futuro porque há interesse por suas potencialidades e suas consequências, ou seja, por seu significado, e porque se pretende, em maior ou menor grau, controlar sua reaparição (QUÉRÉ, 2012, p. 27)

Mesmo que vistos e compreendidos só no presente atual, os acontecimentos sociais, de qualquer forma, se prologam no tempo, não na duração do ocorrido, mas na duração da lembrança e das consequências sociais. “Desde que alguém seja novamente afetado por ele – em pensamentos, palavras ou obras -, o acontecimento pode voltar a 'ocorrer', associado a um passado ou a um futuro”. (QUÉRÉ, 2012, p. 27)

E por isso significam mudanças existenciais apreendidas pela e na sua ocorrência e experimentadas simultaneamente sob o prisma de suas qualidades imediatas e de seu condicionamento.

Os acontecimentos-objetos são substitutos ideacionais e discursivos de acontecimentos existenciais; eles não podem restituir a qualidade e o impacto existenciais desses últimos, tais como essas duas características poderiam ter ‘sido experimentadas’ QUÉRÉ, 2012, p. 38)

Os acontecimentos-objetos não representam os existenciais, de acordo com Quéré (2012), mas servem de modelo para análises e novas conjecturas.