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1.2 O povo nas ruas: por mais direitos

1.2.2 Jornadas de Copa a Copa

1.2.2.1 Características, Movimentos, Reivindicações

Nas manifestações no Brasil não havia uma pauta única, as pessoas recusavam a participação dos partidos políticos e das instituições tradicionais, inclusive da imprensa. A imprensa foi notoriamente tratada como eco e reflexo dos poderes institucionalizados. Empresas de comunicação tiveram links quebrados, jornalistas ameaçados, carros amassados. Portanto, o recado enviado foi de que a grande mídia atual não serve mais, também, aos novos entendimentos de cidadania que essas pessoas desejam.

A professora da Universidade de Minas Gerais, Vera França, (2012) destaca que “a mídia é o espaço privilegiado no qual a sociedade fala consigo mesma, a propósito de si mesma”. Ela adota o conceito de ‘neotevê’, onde não é o impacto do acontecimento que importa, mas a construção midiática em torno dele. O que ocorre, então, se a mídia construir um sentido diferente do acontecimento do percebido pela sociedade? Embora a transmissão ao vivo permita que os significados sejam construídos mais livremente pelo público, no caso das manifestações, não foram poucas as pessoas que se sentiram manipuladas. Talvez esse raciocínio justifique a

rejeição das pessoas à presença dos jornalistas na cobertura nas manifestações. Elas teriam percebido que

Os meios de comunicação deixaram de ser vistos como uma instância neutra a serviço da sociedade e passaram a ser tomados na sua natureza ideológica e de classe, instrumento de poder político e econômico, esfera de dominação. (FRANÇA, 2002, p. 485)

Vistos como esfera de dominação, os meios de comunicação não servem aos interesses dos atores do contra-poder. Ocorre que a imprensa também não era aceita pelos poderes de polícia, pois para eles a mídia também é associada ao poder de denúncia, de fiscalização da ação. São profissionais que chegam perto do fato, sempre buscam o melhor ângulo para registrar uma situação, uma briga, um quebra-quebra, uma violência. No caso dos cinegrafistas há uma desenvoltura, um destemor necessário que, por vezes, os coloca em situação real de perigo.

Foi o que ocorreu com o cinegrafista, da TV Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, de 49 anos, morreu no dia 10 de fevereiro de 2014, quatro dias após ser atingido na cabeça por um rojão, quando registrava imagens de uma manifestação no Rio de Janeiro.

Após esse ocorrido tanto a rede Globo quanto a Empresa Brasil de Comunicação passaram a disponibilizar kits de segurança, semelhantes aos usados nas coberturas de guerras. Máscara de ar, capacete fechados, para proteção do rosto inteiro e a cabeça, óculos e máscara compõe o kit. Porque não é raro que jornalistas saiam feridos de manifestações.

Apesar da profissão, muitas vezes ser de risco, a presença da imprensa dos grandes veículos, na cobertura de ações promovidas pelos movimentos sociais, é frequentemente mais confrontada por manifestantes do que por telespectadores. Por isso, repórteres da Rede Globo cobriram, em Brasília, a manifestação no terraço do Ministério da Saúde e de helicóptero. Jornalistas da EBC guardaram suas credenciais para que não fossem identificados na multidão.

Houve rejeição, também, aos partidos políticos. Militantes não podiam abrir as bandeiras nos eventos. Quando tentavam eram vaiados até que as guardassem. A intenção era não permitir que nenhuma afiliação partidária se apropriasse dos atos. Mas o propósito das manifestações, em si, era pacífico. E as Jornadas de Copa a Copa trouxeram outras novidades no cenário dos protestos.

O debate era coletivo, assim como as tomadas de decisão, feito por meio da internet ou em reuniões realizadas nos locais da manifestação. Com extensa pauta de reivindicações e grupos heterogêneos, sem liderança.

Sem liderança individualizada, alguns grupos organizados, não tradicionais e institucionalizados, acionavam a mobilização utilizando as redes sociais. Grupos como: Copa pra quem, Marcha do Vinagre, Movimento Grito dos Excluídos, Comitê Popular da Copa, Movimento Passe Livre, Movimento contra a corrupção etc. Juntaram-se a esses, algumas organizações representativas das minorias, como os da causa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), mulheres, índios, Movimento dos Sem Teto, dos Sem-terra. Grupos de Direitos Humanos e classes profissionais. E ainda grupos que se manifestavam contra os projetos de leis em apreciação no Congresso Nacional como o Projeto de Emenda Constitucional 37 (limitava o poder de investigação do Ministério Público) e como os projetos homofóbicos (sendo alvo do movimento os parlamentares da bancada evangélica, que eram autores de leis como a Cura Gay, outras contra a regulamentação do casamento homoafetivo e contra alguns direitos provenientes dessas formas de relação. Tendo como representantes dessas causas, os parlamentares e pastores Marco Feliciano, Silas Malafaia, Magno Malta).

Esses grupos buscavam exercer o contra-poder. É o que entende o pesquisador Castells (2013), para quem o poder é exercido pelas instituições, por ‘quem’ detém o monopólio da violência, e pode construir significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Uma vez que as sociedades são contraditórias e conflitivas, onde há poder há também contra-poder – que considero a capacidade de os atores sociais desafiarem o poder embutido nas instituições da sociedade com o objetivo de reivindicar a representação de seus próprios valores e interesses. (CASTELLS, 2013, p. 10)

Para Soares Carneiro (2013) este fenômeno foi propagado não só pela mídia tradicional da TV e rádio, mas por uma difusão nova, nas redes sociais da internet No Brasil a reforma política também fez parte da pauta dos manifestantes.

Mas o que explica, então, que as manifestações tenham surgido com tamanha força no Brasil, que vive uma época de baixo desemprego (no mês de maio de 2013 havia sido de 5,8% da população em idade ativa, de acordo com dados

oficiais divulgados na época)10 e de maneira geral a situação econômica estava boa?

Para João Brant, integrante do Coletivo Intervozes as questões econômicas, nesse contexto, vêm associadas às questões políticas. Ele cita como causas das manifestações: a crise de representatividade, as queixas sobre as decisões do espaço público, falta de moradia, preços altos de passagens nos transportes coletivos, corrupção, excesso nos gastos com a Copa do Mundo. E até por motivos regionalizados, as pessoas foram às ruas para protestar no Brasil.

Sem muita consciência desse poder, só sabendo que era contra, a população se dirigiu para os locais de concentração e mais por questões pontuais do que por reformas profundas e estruturais. Pelo menos foi o que se viu num primeiro momento. A primeira pauta era ir para as ruas, muitos cartazes convocavam quem ainda não estava lá. “Todos os brasileiros são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”; “Por uma vida sem catracas”; Contra PEC 37; Por melhor Saúde e Educação; “Verás que um filho teu não foge a luta”; “Abaixo a corrupção”; “Os jovens de 68 apoiam os jovens de 2013”; “O povo acordou, mudança Já”; “Não são só os 20 centavos”; “Desculpem os transtornos, estamos mudando o Brasil” etc. Vimos estes cartazes pela televisão e estão arquivados na memória dos brasileiros e na internet.