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1.3 Cidadania: conquista de direitos

2.2.1 Jornalismo e Acontecimento social

2.2.1.2 Critérios de noticiabilidade newsmaking

Aconteceu virou Manchete20. Ou não. Para que um evento figure entre os interesses do dia há uma gama de valores criteriosos, muitos de ordem subjetiva, que são observados. Do que ocorreu na rua ao publicado por veículos de comunicação existem variantes que são chamadas de critérios de noticiabilidade ou

news values, valores-notícia.

À pergunta “o que é notícia?” podemos responder que a resposta dos membros da tribo jornalística não é científica, aparece como instintiva, e permanece quase como uma lógica não explicitada. [...] Não há regras que indiquem que critérios têm prioridade sobre os

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O conceito de gatekeeper (selecionador, porteiro) foi elaborado por Kurt Lewin em 1947 Ele definiu que as zonas-filtro são controladas ou por sistemas objetivos de regras ou por gatekeepers: nesse caso um indivíduo ou um grupo ‘tem o poder de decidir se deixa passar ou interrompe a informação. (WOLF, 2009, p. 184)

18 Uma nova Ordem Informativa Mundial. Relatório MacBride – Unesco. Rio de Janeiro: FGV, 1983, p.

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19 O newsmaking se refere à produção da informação. Segundo Wolf, é o “estudo sobre os emissores

e sobre os processos de produção nas comunicações de massa” (Wolf, 2008: 181). Seu foco é toda a cadeia industrial informativa. Desde os dados, enquanto matéria-prima, até a notícia, enquanto matéria-trabalhada. A cadeia absorve, matura e vende a informação, ou seja, apresenta a reportagem num espaço próprio enunciativo, a partir de um estúdio que identifica a emissora.

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Durante muitos anos este foi o slogan de propaganda da extinta revista Manchete publicada semanalmente de 1952 a 2000 pela Bloch Editores.

outros; mas os critérios de noticiabilidade existem, e são duradouros ao longo dos séculos. (TRAQUINA, 2005, p. 96).

Esses critérios, que guiam os processos rotineiros de produção da notícia, são necessários para o trabalho do jornalista. Sem eles ficaria uma rotina abstrata, sem uma estrutura de ação. Motta (2002) explica: “são regras práticas que guiam os procedimentos profissionais nas redações, fácil e rapidamente aplicáveis, orientados para a eficiência produtiva” (MOTTA, 2002, p. 308).

A noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias. (WOLF, 2008, p. 196)

A partir de determinado juízo pré-estabelecido, o fato bruto será ou não ignorado, será ou não destacado como notícia. Esses critérios são incorporados ao ‘fazer jornalístico’ e são muitos.

De acordo com definições tradicionais do jornalismo, o acontecimento aparece referido às formas de classificação da notícia quanto ao tempo e modo de ocorrência: “(a) previstas –– aquelas que nos permitem um conhecimento antecipado, anunciado com antecedência; (b) imprevistas –– as de caráter inesperado, como crimes, incidentes, incêndios, as Jornadas de Junho etc; (c) mistas –– as que reúnem, numa só informação, o previsto e o imprevisto”, WOLF (2008); SODRÉ (2009); como, por exemplo, as enchentes que ocorrem todos os anos na cidade do Rio de Janeiro.

Os valores-notícia costumam ter cinco pressupostos implícitos (Wolf, 2008, p. 208). As características substantivas englobam a importância ou interesse da notícia (grau e nível hierárquico dos envolvidos, impacto sobre a nação) e os interesses nacionais, quantidade de pessoas envolvidas no acontecimento, relevância e significação dos acontecimentos em relação ao futuro. As características relativas ao produto consideram a disponibilidade do material, se este estará acessível ao jornalista, se o assunto é tratável é e se já está estruturado para a cobertura. As relativas ao meio levam em conta se as notícias são possíveis de serem veiculadas naquele veículo, por exemplo, um vídeo demanda mais tempo do noticiário, além de ser melhor aproveitado por um veículo que transmita imagem; o formato do produto também é avaliado pela necessidade de espaço e tempo. Existe ainda a relação

com o público alvo, a visão que os jornalistas têm acerca do público e dos limites dessa referência. Afinal o que importa é a notícia ser apreendida por esse público. E as caraterísticas relativas à concorrência, afinal as empresas estão inserias num mercado da informação. (WOLF, 2008, p. 208-228)

São pressupostos dos valores-notícias na medida em que há algum consenso sobre eles. Portanto, eles definem critérios de localização e descrição de fatos, em hierarquia de relevância, em função das exigências funcionais da cidade e da sociedade. E essas exigências dizem respeito tanto ao real-histórico quanto ao imaginário social, o mesmo que dinamiza as narrativas, conforme sistematiza Muniz Sodré (SODRÉ, 2009, p. 76).

Os cinco pressupostos se aplicam nos doze critérios de noticiabilidade:21 1. Atualidade (marca de novidade) – atualidade, frescor, originalidade,

descoberta;

2. Imprevisibilidade (marca de singularidade) – algo inesperado, algo que surpreende, inesperado, que foge da expectativa das pessoas;

3. Proximidade geográfica (marca de proximidade com o leitor) – Valor- notícia para orientar uma comunidade, a vida em sociedade, que desperta interesse pela proximidade do fato. O fato impacta mais as pessoas do seu ciclo social do que outra pessoa que esteja mais longe; 4. Peso social (marca de atenção coletiva) – Coletivo, rituais, aceitação de

todos, convencionado, serviços;

5. Hierarquia social (marca de importância dos personagens) – Convencionado, hereditariedade de pessoas influentes no coletivo, hierarquia (chefia), política;

6. Quantitativo de pessoas e lugares envolvidos (marca de grandiosidade, magnitude do fato) – O que envolve muitas pessoas ou muitos locais envolve uma ou várias sociedades, coletividade;

7. Interesse público (marca de relevância) – Mexe com interesses, valores, coletividade;

8. Perspectivas de evolução do acontecimento, significância (marca de historicidade - futuro) – marca tendências, tempo, mudança;

21 Valores notícias retirados do livro ‘A narração de um fato’ (SODRÉ, 2009, p. 76) e do livro ‘O jornal’

9. Disponibilidade (marca de possibilidade) – Fato que apresenta condições de ser acompanhado, o jornalista ele terá mais elementos para representá-lo;

10. Visualização (marca em forma de imagens) – Contato visual. Signos em forma de imagem;

11. Equilíbrio (marca de homogeneização dos assuntos apresentados no noticiário) – Atua no campo da percepção. E podem ser notórios nas paginações22 dos telejornais;

12. Reciprocidade (marca o acompanhamento do fato nos próximos dias) – Continuidade.

Já Traquina (1999) apresenta outros valores-notícia, alguns com as mesmas intenções dos citados acima, como sendo uma lente especial de acordo com a qual, os jornalistas veem o mundo. Traquina cita doze valores-notícias ‘criados’ por Galtung e Ruge (1965/1993)

1) a frequência, ou seja, duração do acontecimento; 2) a amplitude do evento; 3) a clareza ou falta de ambiguidade; 4) a significância; 5) a consonância, isto é, a facilidade de inserir o “novo” numa “velha” ideia que corresponda ao que se espera que aconteça; 6) o inesperado; 7) a continuidade, isto é, a continuação como notícia do que já ganhou noticiabilidade; 8 ) a composição, isto é, a necessidade de manter um equilíbrio nas notícias com uma diversidade de assuntos abordados; 9) a referência a nações de elite; 10) a referência a pessoas de elite, isto é, o valor-notícia da proeminência do ator do acontecimento; 11) a personalização, isto é, a referência às pessoas envolvidas; e 12) a negatividade, ou seja, segundo a máxima “bad news is good news”. (TRAQUINA, 1999, p.70)

Outras marcas influenciam subjetivamente essa ‘escolha’ jornalística: a marcação e a pontuação do ritmo.

No livro ‘A narração do fato’ (2009) Muniz Sodré explica os termos cunhados pelo linguista Roman Jakobson, a “distinção mais primitiva e mais importante na linguagem ocorre entre o não-marcado e o marcado” (SODRÉ, 2009, p.75). Por exemplo, quando “homem‟ pode significar ou “Homo Sapiens‟ ou “Homo Sapiens macho” e mulher só se refere a “Homo Sapiens fêmea‟, portanto, ‘mulher’ é o termo marcado. O termo marcado faz uma oposição com o geral, ele, de alguma forma, está contido no não-marcado, de alguma forma ‘a mulher’ é o outro, não o ‘nós’. Não

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é o termo que define o todo, o geral, por isso ele é o marcado, o singular. Digamos que o termo marcado é a singularidade extraída da generalidade, ou seja, do não- marcado. E é o preferido dos jornalistas.

Afinal, o trabalho jornalístico é justamente retirar o diferente do normal, do corriqueiro. Para Sodré (2009) o acontecimento jornalístico é “um fato marcado, portanto, mais determinado para o sistema da informação pública do que outros existentes, tidos como não-marcados” (SODRÉ, 2009, p. 75), por isso quanto mais singularidade os fatos apresentarem, mais marcados e aptos a alcançarem a alcunha de notícia ou acontecimento eles serão.

Existe outro argumento que justifica esse ‘atração’ do campo jornalístico com os fatos marcados. É a possibilidade da instauração de uma narrativa. Geralmente o singular “pode propiciar uma boa história” (SODRÉ, 2009, p. 77). E o jornalista, como contador de histórias, mesmo na narrativa jornalística, mescla elementos de ficção, de antecipação, ou seja, como diz Sodré (2009) elementos do imaginário com os das realidades sociais.

E esses elementos dão sinais, índices, pistas de sua relevância, lidas a partir dos critérios, já previamente estabelecidos pelas rotinas da produção, da notícia. Já os fatos não-marcados não são necessariamente sem importância, eles apenas não são relevantes para a “cultura jornalística”.

Outro marco que influencia na decisão de tornar-se um fato noticiável ou não é a pontuação rítmica do acontecimento, também preponderante na seleção dele para integrar a agenda-setting. A pontuação rítmica é uma apreensão da cotidianidade, por via da “construção progressiva da história do mundo” (SODRÉ, 2009, p.81). Portanto, a pontuação rítmica envolve noções de variação de tempo, ritmo e acontecimento.