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1.3 Cidadania: conquista de direitos

2.2.1 Jornalismo e Acontecimento social

2.2.1.1 Notícia e critérios

Fala-se muito do fato como a ‘origem de tudo que é notícia’, que um fato é a matéria-prima do acontecimento, que é o que aconteceu no real, conforme escreveu Sodré (2009): são “os dados reais da experiência (...), as coisas que realmente existem” (SODRÉ, 2009, p. 30).

Contudo, um único fato pode alimentar vários acontecimentos. Porque o fato em si é somente a matriz das notícias, da informação. Vera França (2002) diz que o que demarca um fato jornalístico é a existência de um “fato principal (que se mantém constante)” (FRANÇA, 2002, p. 495). Esse é o fato que ocorre no campo do real.

Para contar este fato o jornalista dá voz a testemunhos que vão acrescentando pequenos fatos, depoimentos, desenvolvimentos. Assim, o fato vai se transformando numa outra coisa, numa colagem simbólica de diversos ângulos. O fato montado é alçado ao status de fato jornalístico, porque ele é baseado em relatos e apreensões do fato principal.

E ‘esses acréscimos’ renovam o fato. De acordo com França (2002) o fato jornalístico

é construído pelo processo de repetição e de renovação (onde a repetição se sobressai claramente). Às vezes, um acontecimento jornalístico ganha densidade com o passar do tempo, por meio de sua crescente repercussão (quando – em sua atualidade – ele junta passado, presente e futuro) (FRANÇA, 2002, p. 495).

Trata-se da possibilidade de historicidade, de fazer inferências e referências ao que já foi e prospectá-las no futuro que virá. O fato jornalístico pode, mas o real não. Esse não sai da realidade. E o fato jornalístico se transforma em notícia.

A notícia pode ser entendida como a narração dos acontecimentos, uma descrição, um relato “de algo que foi ou que será inscrito na trama das relações cotidianas de um real-histórico determinado.” (SODRÉ, 2009, p. 24) Mas seu entorno é maior do que isso, a notícia é um dado significativo da existência, fragmentário, mas auto-explicativo.

Algo como um grito para vender o jornal, a notícia é uma estratégia de comunicação. Ou seja, uma notícia representa um fato “por meio do acontecimento jornalístico” (SODRÉ, 2009. p. 27).

Mas isso não significa que as notícias saltem naturalmente do mundo real; elas ocorrem na interação dos acontecimentos e dos textos. Com signos em todo esse processo.

Contudo, a notícia não está voltada somente para o passado, ela também pode projetar e prospectar o desenrolar de uma história. Seu relato usa e abusa do universo simbólico, articulando o enredo da narrativa e construindo assim a meta- notícia a partir de uma livre interpretação do narrador. O que passa a existir é o enunciado do fato tal como narrado, não o fato real (MOTTA, 2002, p. 315). Nas palavras do autor, “enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento”. E ambos criam sentidos próprios.

As notícias podem ser entendidas conforme seu conteúdo. As hard news são ainda mais duras, porque são mais próximas do ethos do jornalismo. Com linguagem descritiva, direta, objetiva, escrita em terceira pessoa, informativa, ligada ao referente empírico, usa artigos definidos e demonstrativos, advérbios de tempo e local. Redigidas em pirâmide invertida (do mais para o menos importante), emprega o lead: o quê, onde, quem, quando, como, por quê. Tudo para que o leitor tome a notícia como verdade. Geralmente são notícias de economia e política internacional. Já as notícias conhecidas como soft news são mais próximas da narrativa. Procuram contar histórias, têm maior dramaticidade, são notícias de interesse humano (fait divers), de cultura, esporte, entretenimento. A narrativa da notícia é aberta, está sempre sendo neonarrada e seu sentido não está no texto, está na recepção, é no leitor que o sentido da narrativa se completa, de acordo com Paul Ricoeur (1995).

Alguns autores usam o termo meta-acontecimento, porque a notícia existe apenas no discurso jornalístico. Os acontecimentos tornam-se apenas registros- pretextos, formas e referenciais que definem os meta-acontecimentos. Eles

acontecem de novo pelo fato de serem enunciados. Realizam aquilo que anunciam pelo fato de o enunciarem.

Muniz Sodré (2009) alarga o entendimento acerca da notícia ao citar o jornalista e sociólogo norte-americano Robert Ezra Park, que “divisava dois tipos de conhecimento da notícia”: acquaintance with (“familiaridade com‟) e knowledge

about (“saber sobre‟).

Notícias curtas e esparsas, geralmente, são de “familiaridade com‟. Elas vêm de um conhecimento não-sistemático, fragmentário e comunitariamente partilhado em maior extensão.

Já o “saber sobre‟ é “mais sistemático ou analítico”. São notícias que contextualizam, que trazem uma realidade histórica constante por trás de toda essa fragmentação informativa. Elas funcionam como um “pano de fundo conjuntural” (SODRÉ, 2009, p. 51). São informações densas, entendidas “como uma adequação do conteúdo informativo às expectativas de alguma formação cultural” (SODRÉ, 2009, p. 50). O “saber sobre” incorpora os diversos episódios sobre um determinado acontecimento e cria uma contextualização que vai construindo significados sobre o fato cultural.

Esse detalhamento é muito importante para avaliarmos se, ao assistir um telejornal, ele nos dará mais informação contextualizada, de compromisso com a qualidade e abrangência das matérias e uma formação cultural ou nos apresentará uma colcha de retalhos de notícias factuais. Porque esses são pressupostos da comunicação pública, que, em termos, não deve ter compromisso com o tempo destinado a cada notícia.

A notícia, mesmo transpassada por “fatores espaciais, temporais, institucionais e políticos”, sendo contextualizada ou fragmentada, traz sempre o germe de “uma narrativa (aquilo que, noutro contexto semiótico, poderia ser um conto, um romance ou um filme)” (SODRÉ 2009, p. 26). Mouillaud (2002) associa a notícia com uma prática cultural antiquíssima, a narrativa e o contar estórias, que é universal.

Contar histórias é a real prática jornalística, uma narrativa que se desenvolve tal como nosso pensamento, segundo Motta (2002). Então, pode-se dizer que o jornalista para contar bem uma história tem que saber como as pessoas pensam, como elas reagem às notícias. E isso é fundamental até para saber o que vira notícia. Um fato vira notícia. Mas não qualquer fato. Ele tem que ser raro,

inesperado, se for atual melhor, e deve passar pelas peneiras dos critérios de noticiabilidade, balanceadas pela intenção do gatekeeper17.

O conceito de notícia está sujeito a novos entendimentos. A Unesco18 recomenda aos “ países em desenvolvimento que considerem necessário ampliar o conceito de notícia, objetivando englobar não só os ‘acontecimentos’, mas também os processos inteiros” (Sodré, 2009, p. 54). Nas palavras do documento citado por Muniz Sodré (2009):

Uma concepção não estritamente comercial do produto informativo, capaz de eliminar desigualdades nos fluxos internacionais da informação, de suprimir os efeitos negativos dos monopólios e concentrações excessivas, entre outros efeitos, daria margem à produção de uma ‘imagem mais completa e mais equitativa do mundo’ política e culturalmente benéfica aos países em desenvolvimento (SODRÉ, 2009, p. 54)

Motivações à parte as notícias seguem determinados critérios para que cheguem aos ouvintes, leitores, telespectadores, no Brasil ou no mundo.