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A metodologia da análise da narrativa: os planos de análise

Reunindo informações dispersas sobre um mesmo tema ou assunto (que podem estar separadas por intervalos de dias, semanas ou meses no noticiário), o analista junta as pontas, encontra os conectivos e encadeamentos narrativos, os antecedentes e consequentes, recompõe a serialidade, a sequência e a continuidade da intriga, como o leitor faz corriqueiramente. (MOTTA, 2013, p. 97)

A Análise Crítica da Narrativa, desenvolvida pelo professor Luiz Gonzaga Motta, será a metodologia adotada nesta dissertação, pois ela permite, segundo Motta (2013), desvendar a maneira como os relatos são organizados e fazem sentido no mundo.

A análise é concebida e interpretada a partir da dissecação criteriosa de uma matéria, de acordo com as interpretações oferecidas pelos três planos de significação, que Motta (2013) chama de instâncias do discurso narrativo. O plano de Expressão (da linguagem ou discurso), o plano da Estória (ou do conteúdo, intriga) e o plano da Metanarrativa (dos temas de fundo que revelam os sentidos mais profundos).

A partir da ‘leitura’ dos três planos os significados criados pelos telejornais virão à tona, revelando os sentidos da narrativa. Não existem uma relação hierárquica, elas ocorrem superpostas umas às outras, nas matérias do dia a dia.

Contudo “a análise da narrativa incide principalmente sobre o plano da estória” (MOTTA, 2013, p. 135) de onde podemos extrair a “sequência das ações, os

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encadeamentos, enredo, intriga, conflito, cenário, personagens, seus papéis e funções etc.” (MOTTA, 2013, p. 135)

Entretanto esse plano não se sustenta. Ele não permite uma leitura mais precisa, sem uma análise da linguagem e sem uma interpretação mais profunda da relação entre elas e a metanarrativa da estória.

No ‘plano de expressão’ acharemos sinais por meio das linguagens. O enunciado narrativo é construído pelo narrador por meio visual, sonoro, verbal, gestual, multimodal.

É a leitura de superfície do texto, geralmente informativa, referencial, mas às vezes com recursos que incitam “mudanças de estado de espírito nos seus interlocutores”, por intermédio, inclusive, de figuras de linguagem44

como ironia, hipérbole, metáfora, metonímia, mais apropriadas para a literatura.

A retórica escrita, visual ou sonora é fartamente utilizada como recurso estratégico para imprimir tonalidades, ênfases, destacar certos aspectos, imprimir efeitos dramáticos de sentido. (MOTTA, 2013, p. 136)

Neste plano a linguagem pode utilizar estratégias estilísticas para provocar medo, dor, espanto, riso e com isso o narrador revela sua intencionalidade e estratégias discursivas.

Já o ‘plano da estória’ permite identificar os narradores, o conflito, os personagens e o enredo. Estamos no plano de “conteúdo da estória propriamente dito, ou plano da diegese, da representação ou da significação

é o plano virtual da estória projetada em nossa mente pelos recursos

de linguagem utilizados pelo narrador (...) uma realidade referente é evocada pelo texto narrativo através de

sequências de ações cronológicas e causais desempenhadas por personagens, estruturando uma intriga (enredo ou trama) (...) caracterização das personagens, funcionalidade delas no transcurso da estória, os conflitos principais e secundários, protagonistas e antagonistas. (MOTTA, 2012)

É possível mapear as figuras de linguagem, as identidades sociais dos diferentes grupos presentes. Identificar os narradores e os locais de fala de cada

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Existem três tipos de figura de linguagem: figuras de construção ou de sintaxe (elipse, zeugma, polissíndeto, pleonasmo, iteração ou repetição, anáfora, anacoluto, hipérbato, aliteração, silepse ou concordância ideológica), figuras de pensamento (antítese, eufemismo, hipérbole, ironia, apóstrofe, gradação, prosopopeia) e figuras da palavra (metáfora, metonímia).

um. É a esfera onde se apura os conflitos, significados e os sentidos, nas micro e macroestruturas que configuram o ato de contar. Neste plano sobressai o sentido que o autor impregna ao texto.

A recorrente presença de personagens, conflitos e cenários de um assunto nas páginas e telas confere a eles certa unidade e continuidade, e nos, autoriza a unir as partes, recompor o acontecimento-intriga. (MOTTA, 2012, p. 98)

No Plano da Metanarrativa podemos encontrar a estrutura profunda, que evoca imaginários culturais. É o terceiro nível de significação de uma notícia. Ele compreende os conflitos propostos, é o plano da estrutura de fundo, que tanto pode aparecer logo no início do acontecimento como somente depois do epílogo (mas para efeitos de análise este plano deve ser o último a ser estudado, porque de acordo com Motta (2013) “presta-se menos aos passos iniciais”).

Esses conflitos são de ordem moral, ética ou filosófica, ainda que possam apresentar aspectos políticos ou ideológicos. “É o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as estórias que narram fábulas, as categorias mitológicas, matrizes de nossa historiografia, nossa literatura, nossa ciência e o nosso jornalismo” (MOTTA, 2005, p. 38). Próprio para desvendar situações de

fidelidade, fé, confiança no futuro, felicidade, revolução, conspiração, corrupção, exploração, traição, temor à morte, temos a deus, o crime não compensa, o herói, o duplo, erro e castigo, triunfo e recompensa e tantos outros temas, mitos ou motivos. (MOTTA, 2013, p. 138)

A metanarrativa é ativada porque o acontecimento jornalístico é sempre envolvente, apresenta dilemas que solicitam o nosso posicionamento como seres sociais e morais. É por meio da metanarrativa que o Jornalismo, enquanto prática cultural, estabelece relações com outras instituições sociais, e reelabora novos significados para as suas práticas. Motta (2005) lembra que recompor as significações mais profundas das narrativas jornalísticas como metanarrativas é fazer a estória do presente.

Uma chave para se entender a metanarrativa está no conceito de “inscrição”, uma expressão de Paul Ricoeur (1994). Para o autor, textos não são apenas palavras sobre o papel, mas são escritos como discurso, ou como ação de fixação de significados. O que foi dito permanece, e não o dizer. No caso do telejornalismo,

a inscrição se dá também por meio da mídia gravada, seja de uma reportagem, seja do próprio telejornal, transformando-se no arquivo do acontecimento. Assim, temos este processo de inscrição dos eventos ou acontecimentos, fixando sentidos que, para a cultura, são comportamentos, valores, atitudes.

Pelo efeito de recompor os significados profundos das narrativas jornalísticas – ligando os fios dos significados culturais que nos identificam enquanto comunidade histórica – a metanarrativa rearticula os sentidos da nossa vida cotidiana e pública, uma vez que o jornalismo, e em especial o telejornalismo, é este imenso espaço público de circulação dos acontecimentos e dos seus sentidos. Vale afirmar que o jornalismo e sua vertente televisiva, o telejornalismo, é, portanto, uma metanarrativa do nosso presente, cuja trama nos liga à nossa estória e ao nosso passado enquanto povo e nação.

A partir dos três planos ou instâncias narrativas vamos desvendar o que foi ou não inscrito e fixado sobre as Jornadas de Copa a Copa, na memória coletiva dos brasileiros, pelos telejornais.