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Acordo Franco-Português de delimitação da fronteira na Guiné Portuguesa

CAPÍTULO 2. CONFLITO DE CASAMANSA

2.1. Enquadramento geopolítico de Casamansa

2.1.1. Acordo Franco-Português de delimitação da fronteira na Guiné Portuguesa

Segundo as investigações históricas antes da colonização portuguesa, Casamansa não existia enquanto região e Senegal não era entidade política autónoma, porque uma parte do território pertencia o império Kaabú (Gabu), nos séculos XIII e XIX, juntos com outros povos que viviam em reinos pequenos (Niane, 1989).24

Em 1445, o português Dinis Dias descobriu Casamansa, que significa na linguagem local rei do rio dos Cassangas (Gonçalves, 2006: 42- 43).25 Os portugueses é que deram nome à região de Casamansa, que originariamente era reino de Kasa, mansa (rei) em mandinga e Kasa era a sub-região ao sul do rio Casamansa dominado pelo grupo étnico Bainunk (Tomàs, 2010: 129 – 166). O reino de Kasa-Mansa é bastante mencionado por fontes portuguesas, donde naturalmente deriva o nome Casamansa.

A presença portuguesa na Senegâmbia foi desde o século XIV até final do século XVII e em Cacheu data de 1588. Senegâmbia historicamente estendia-se do rio Senegal à Serra Leoa e do Atlântico até ao Bambouk e ao Fouta Djalon. Senegâmbia geograficamente compreende a Senegâmbia setentrional constituída pelo Vale do rio Senegal e as planícies ocidentais entre o rio Senegal e rio Gâmbia de uma parte; e, de outra parte, Senegâmbia meridional constituída pelos rios do sul e as terras altas do Fouta Djalon (Barry, 1988: 395).

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Mas os livros escolares senegaleses não confirmam esta versão histórica.

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Há outras versões históricas que dão conta que Casamansa foi descoberta em 1446, quando por ordem do Infante Dom Henrique, António de Nolle e Luís Cadamosto viajaram pela Costa do rio Casamansa.

No sul de Casamansa em Ziguinchor, a implantação portuguesa fora de quase dois séculos e meio, isto é; desde os anos de 1645, cuja atividade principal era o comércio (Boulègue, 1989: 16-17).26 O reino Kasa, dos Cassanga desempenhou um papel importante como intermediário com o Kaabú. Apesar desta implantação económica os portugueses tinham pouca ou quase nenhuma influência política nas regiões do interior de Casamansa (Barry, 1988).

Kaabú é designação que se aplica a toda à região conquistada por Tiramakhan Traoré, no século XIII e as regiões posteriormente anexadas à região principal (Girard, 1992: 193). Esta região era inicialmente composta pelos territórios que compreendem os rios Gâmbia e Geba, o Kantor a norte e o Sankorla a sul, mas depois estendeu sua influência política e cultural do rio Gâmbia ao rio Corubal e do Bambouk e das terras altas ocidentais do Fouta Djalon até quase ao Oceano Atlântico próximo da parte ocidental da região de Oio, na Guiné-Bissau (Mota, 1954: 155).

Kaabú estava entre os importantes rios (Gâmbia, Casamansa, Geba e Corubal), era um espaço de entrada para a região da África Ocidental e de circulação de pessoas e mercadorias, que se estendia do Atlântico à Fouta Djalon abrangendo os territórios que atualmente fazem parte do Senegal, da Gâmbia, da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri e do Mali (Dias, 1996: 62).

O sociólogo guineense Carlos Lopes, explica que Kaabú era estrutura política mandinga (malinké), da Alta Costa da Guiné, que juntou os povos de “Rios de Guiné”, durante os séculos XIII ao XIX. Para este autor, “kaabú foi um Estado unificador de todas as etnias da região, e as suas diversas áreas de influência expandiram-se e abrangeram a cultura de toda a região do Sudão ocidental” (Lopes, 1999: 12). São considerados “Kaabunké ” todos os povos que habitavam o núcleo central do Kaabú: os Malinkés os Peuls da região, os Banhuns, os Balantas, os Beafadas, os Jolas e outros (Lopes, 1999: 125). Segundo as investigações de uma maneira geral, a grande entidade política do século XVI ao século XIX era o reino de Gabu dos Malinkés.

As possessões portuguesas na Costa da Guiné não foram livres de pressão francesa. Já em 1821 o Governador do Senegal referia-se a ocupação portuguesa em Casamansa, projetando a expansão comercial que viria a concretizar-se entre (1836 -1838).

A presença francesa em Casamansa, conforme refere o historiador Christian Roche, iniciou-se no século XVI, quando os navios franceses exploraram o litoral da Baixa Casamansa, e no século seguinte continuaram a exploração comercial percorrendo as

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As atividades comerciais compreendiam escravos, marfim, couro, álcool, tecidos e trocas de armas de fogo.

costas do Senegal, mas foi no século XVIII, que as possibilidades de expansão à Casamansa foram seriamente encaradas (Roche, 1985: 72). Os franceses estabeleceram postos comerciais em Carabane27 à entrada de Casamansa e em Sédhiou, ligados ao comando de Goré, sob autoridade do comandante dos estabelecimentos de Casamansa residente em Sédhiou (Charpy, 1994: 475- 500) e pagavam uma renda anual ao chefe tradicional local, decorrente do tratado assinado a 22 de Janeiro de 1836 (Roche, 1985).

Os portugueses reagiram à expansão francesa em Casamansa, alegando a existência de tratados assinados com os chefes tradicionais, posto que já estavam instalados em Ziguinchor desde 1645 e estenderam a área territorial da Guiné Portuguesa. Mas os franceses disseram que todas as ocupações portuguesas de Casamansa, com exceção de Ziguinchor tinham sido anuladas (Roche, 1985).

Em 1836 a Guiné Portuguesa era dirigida por um governador dependente do Governador-geral das ilhas de Cabo-Verde. Honório Pereira Barreto de origem guineense foi nomeado Provedor da região de Cacheu (1834) e Governador da Guiné Portuguesa (1837).28 Como Provedor do Concelho de Cacheu, Honório Barreto avisou o Governador- geral que os franceses tentavam usurpar os direitos em Casamansa e para obstar comprou o “ilhéu de Gonu” em 1836, porque pensou que queriam instalar-se ali, mas doou a região à Coroa Portuguesa (Barreto, 1843: 25).

Honório Barreto no seu relatório intitulado “Usurpação de Casamansa” feito ao pedido do então Governador-geral António Maria Barreiros Arrobas, já argumentava que os franceses tentavam não só “anular a ocupação portuguesa por medidas de cerco, mas também contestar os direitos portugueses auferidos pela descoberta.” Assim sendo a “Guiné de Cabo- Verde,” que ia do Senegal à Serra Leoa encurtava-se cada vez mais” (Roche, 1985).

Em 1854, a colónia francesa Senegal foi dividida em duas partes: uma ligada à Saint Louis sob a ordem de um governador e outra ligada à Goré sob a ordem de um comandante. Em 1859 todos os estabelecimentos franceses em Casamansa passaram a estar ligados ao Senegal (Charpy, 1994). A região de Casamansa foi disputada por Portugal e França, e na impossibilidade de domínio comum, ou mesmo na internacionalização de Casamansa, os dois países decidiram pela negociação (Matos, 1965).

Apesar dos franceses tentarem acordos com os líderes autóctones enfrentaram muitas resistências em Casamansa das comunidades étnicas não centralizadas sobretudo Jola,

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Carabane já era uma ilha habitada e explorada parcialmente por um residente local que vendia produtos agrícolas em Ziguinchor e para os ingleses da Gâmbia. Consultar Christian Roche (1985).

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Consta dos factos históricos que em 1836, Honório P. Barreto havia comprado a região de Gomitena (Casamansa) oferecendo-a posteriormente à Coroa Portuguesa para impedir os franceses de se estabelecerem no rio. Consultar B0 nº 39/ 1887, p. 22.

Banhun, Balanta, Manjaco e Mancanha, antes e durante a ocupação definitiva de Casamansa. Na Alta Casamansa, em 1883, Moussa Molo chefiou os Peul do Firdou que organizaram muitas resistências contra os franceses; Fodé Silá da etnia Mandinga entre 1879 e 1894 e Aline Sitoé Diatta na Baixa-Casamansa, em 1942 (Roche, 1985).

Em 1886 com o acordo de delimitação de fronteiras entre Portugal e França, Casamansa passou para o domínio colonial francês conforme Mota (1946), Esteves (1988: 15) e Gautron (1982: 239-272). A cedência portuguesa de Casamansa ao domínio da França teve como contrapartida a fixação da fronteira da Guiné compreendendo o rio Cacine ao sul e o apoio ao mapa cor-de-rosa29.

O Tratado de 12 de Maio de 1886 assinado entre Portugal e França em Paris é de limites, em relação às possessões dos dois países da Senegâmbia, anteriormente fixados por negociações diplomáticas (D’Eça, 1903).

O artigo 1º do Tratado estabelece que na Guiné: “a fronteira que há-de separar as possessões portuguesas das possessões francesas, seguirá conforme o traçado na carta I anexa” (ver figura 2. 1).

O Traçado fronteiriço é um processo que compreende delimitação que é a forma jurídica e política de fixação do espaço territorial dos Estados; demarcação que é uma operação técnica que se realiza no terreno e a caracterização que é o estabelecimento no terreno delimitado, de linhas, marcas ou estacas (Dinh et al, 1999: 432).

Os traçados fronteiriços em África subordinaram-se à lógica das possessões coloniais e o desenvolvimento dos tráficos comerciais, e na África Ocidental em particular, não levaram em consideração as questões geográficas e históricas, ou de espaços tribais ou modos de produção (Igue, 1995: 47- 48).

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As ratificações do Acordo de Delimitação de fronteiras luso-francesas realizaram-se a 31 de Agosto de 1887.

Figura 2.1: Carte de la délimitation Franco-Portugaise en Guinée

Fonte: Desbuissons (1886), Biblioteca Nacional de Portugal.

Por força desta Convenção aprovada por Carta de Lei de 25 de Agosto de 1887, toda a região de Casamansa inclusive Ziguinchor passou à pertença da França.30 Em contrapartida a Guiné Portuguesa ficou com o rio Cacine e o direito de pescas na Terra Nova.31 A identidade casamansense, segundo Dominique foi construída com a divisão da região em duas partes: Alta e Baixa Casamansa, em 1890 (Darbon, 1988).

Passando para o domínio colonial francês Casamansa passou a ter um estatuto administrativo especial, na medida em que, encontrava-se diretamente subordinada à administração do Governador da África Ocidental francesa, em Saint-Louis, no Senegal.32

Com a independência do Senegal em 1960, a região de Casamansa foi incorporada como distrito (Beck e Foucher, 2009: 100).