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6.2.1. Entrevistas semiestruturadas

O trabalho de campo de curta duração que foi realizado na Guiné-Bissau e em Ziguinchor, região de Casamansa, em dois períodos, nos meses de Maio/Julho de 2011 e de Janeiro/ Fevereiro de 2012, consistiu essencialmente na recolha de dados através de entrevistas semiestruturadas e a observação não participante foi igualmente uma das técnicas utilizadas.

A entrevista semiestruturada é aquela que se realiza por perguntas previamente elaboradas e iguais para todos os entrevistados e que permita intercalar com conversas (Moreiras, 2007: 2006). Centraliza-se em assunto sobre o qual é elaborado um roteiro com perguntas básicas, que possam ser complementadas por outras questões inerentes e momentâneas à entrevista, cujas informações não estão condicionadas a padronização de respostas alternativas, mas livres e abertas. A recolha de dados por entrevistas semiestruturadas justifica-se pela opção metodológica que permita flexibilidade e liberdade de respostas aos entrevistados. Neste sentido, Triviños fala de dois tipos de perguntas na entrevista semiestruturada: descritivas que se destinam a obter maior clareza dos factos ou acontecimentos sociais para a descoberta de significados de comportamentos de pessoas de determinados níveis culturais; e explicativas ou causais com o objetivo de determinar razões imediatas ou mediatas do fenómeno social (Trivinõs, 1987: 150 -151).

A recolha de dados foi realizada em duas etapas: primeira etapa foi destinada a recolha de informações; e a segunda destinada sobretudo a verificação, confirmação e validação dos dados recolhidos, através de esclarecimentos sobre algumas questões específicas, permitindo os entrevistados complementarem ou corrigirem alguns testemunhos orais que julgarem insuficientes ou mal explicados. Contudo não houve correções, senão algumas precisões desde que solicitadas, para confirmar a validade dos dados registados (Bell, 1993: 96).

A seleção das pessoas entrevistadas obedeceu determinados critérios: experiência, conhecimento da matéria objeto de investigação, participação direta ou indireta no processo de paz de Casamansa, capacidade de esclarecer os factos e fornecer informações fiáveis.

As entrevistas incidiram sobre um leque diferenciado de pessoas: deputados e ex- governantes guineenses que estiveram implicados no processo de paz, Embaixador do Senegal na Guiné-Bissau, líderes das Organizações não-governamentais guineenses e casamansenses que desenvolvem atividades no domínio da paz (ver anexo A). Foram baseadas num guião que permitiu elaborar tópicos e perguntas flexíveis durante a entrevista (Moreira, 2007: 204), pois o intuito não é condicionar as respostas, mas dar a liberdade aos entrevistados de prestarem seus testemunhos ou emitirem seus juízos de valores relativamente a problemática de participação da Guiné-Bissau na resolução do conflito de Casamansa (ver anexo B).

Pretendia-se recolher informações junto aos elementos do MFDC, mas a ausência de coesão no seio de seus dirigentes e o clima de desconfiança entre eles, e em relação às pessoas que a eles se dirigem para a recolha de dados a título de investigação sobre o processo de paz, foram algumas dificuldades encontradas. Pois muitas vezes, entendem que não se trata de uma investigação científica, mas uma espionagem com benefícios para a parte adversária; e nestas circunstâncias escusam de fornecer informações necessárias e

úteis. Salvo esta situação específica todas as pessoas selecionadas foram entrevistadas e avisadas que a recolha de dados destinava-se ao trabalho de pesquisa para a tese de Doutoramento em Estudos Africanos. As informações recolhidas foram registadas no momento das entrevistas, em bloco de notas, sem gravações, vídeos ou fotografias (Bell, 1997: 129). A entrevista foi de uma forma livre, diferente de uma conversa informal, mas uma mistura de conversa e perguntas. Fez-se o menor número de perguntas aos entrevistados da forma mais aberta possível (Quivy e Campenhoudt, 2008: 75), o que facilitou respostas livres e abertas e os dados recolhidos foram analisados e tratados com uma certa discrição (Lofland e Lofland, 1995).

Os entrevistados responderam com prontidão as questões colocadas demonstrando a familiaridade com o assunto e presume-se a autenticidade de seus testemunhos. No decurso do trabalho de campo surgiu a necessidade de realização de conversas informais, com outras pessoas que acompanharam o processo de paz e estas informações serviram de complemento aos dados recolhidos das principais fontes de informações por serem bastante esclarecedoras. As entrevistas levaram em conta os domínios linguísticos dos entrevistados e por isso foram em crioulo, português e francês.5

O problema da validez implica questões epistemológicas e filosóficas, na medida em que, algumas formas de recolha de dados produzem informações mais válidas que outras. Por isso a validez pressupõe a perceção assimétrica das formas de recolha de dados (Galtung, 1973: 145).

No concernente a tradição local relativa ao fornecimento de dados para investigação científica sobre o conflito de Casamansa, afigura-se oportuno realçar a abertura demonstrada pelos entrevistados guineenses e casamansenses. Um dos entrevistados que acompanhou e participou no processo de resolução do conflito afirmou que alguns investigadores estrangeiros (franceses) estiveram em Bissau, com intuito de recolher seu testemunho oral sobre o conflito de Casamansa, mas por desconhecimento pessoal do investigador e a consequente falta de confiança, omitiu deliberadamente algumas informações úteis, que fornece para esta pesquisa. Fez questão de chamar atenção sobre a delicadeza da temática de investigação porquanto, o conflito armado de Casamansa ainda é uma realidade.

Durante o trabalho de campo na região de Casamansa, em Ziguinchor, a autora constatou pela tradição local, a importância que a etnia Jola atribui à mulher na resolução de

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Alguns guineenses sentem-se mais à vontade falando o crioulo que dominam melhor que o português, por esta razão, não obstante os tópicos serem escritos em português e francês, para permitir alguns entrevistados responder com liberdade e precisão, a autora teve o cuidado de fazer as perguntas e conversar em crioulo, a língua mais falada na Guiné-Bissau. Os excertos das entrevistas citados neste trabalho foram tradução da autora.

um conflito, o que despertou interesse em recolher alguns testemunhos orais de mulheres líderes das ONGs e protagonistas das iniciativas de paz em Casamansa, através das entrevistas com base num guião com perguntas especificamente dirigidas à camada feminina. Os tópicos foram aproveitados do trabalho de campo realizado pela autora no quadro da investigação sobre “Le rôle de la femme dans la résolution du conflit de Casamance” (ver anexo B).

Existe algum ceticismo sobre os dados verbais ou seja, saber se a partir das expressões verbais pode-se entender a verdadeira posição da pessoa, sua conduta, ou o seu pensamento real. Na verdade é indispensável a coerência entre as palavras e os atos, sendo que estes devem servir de bases para validar as palavras, ou utilizar palavras para validar as ações (Galtung, 1973, 149).

Na realidade casamansense as iniciativas de paz protagonizadas pelas Organizações não-governamentais sobretudo femininas afastaram o ceticismo relativo aos testemunhos orais das lideranças sociais, na medida em que, parece haver coerência entre as ações e informações prestadas pelas pessoas.

6.2.2. Observação

Observação consiste na recolha de informações sobre os agentes sociais, captando seus comportamentos e seus propósitos no momento onde eles se manifestem (Guibert e Jumel, 1997: 92). A vantagem explícita nesta técnica é de ver os fenómenos, compreender e obter respostas que dependem da capacidade do investigador. A recolha de dados por esta técnica de observação depende das experiências: pessoal, social, cultural, profissional e política que condicionam as perceções e recetividades do observador. Desde o início da investigação descartou-se a possibilidade da utilização da técnica de observação participante, que normalmente requer um trabalho de campo de longa duração 12 a 24 meses, para que o investigador se insira no contexto social e cultural da comunidade que analisa (Denzin, 1970). Esta técnica é bastante utilizada na investigação em antropologia cultural, estudo etnográfico e das comunidades, mas a natureza desta investigação não se enquadra em nenhuma dessas categorias, porquanto relativa à temática da terceira parte interveniente na resolução do conflito. A delimitação do objeto de estudo incide essencialmente sobre atos do poder político (Presidente da República e Governo), afastando normalmente a possibilidade de participação direta dos governados. Por isso, a opção foi observação não participante, que consiste na análise de fora, sem a participação verdadeira na vida do grupo (Guibert e Jumel, 1997: 94). Por outro lado, dispensa o consentimento do observado, e por isso, difere da técnica de entrevista que carece da

aceitação do entrevistado. Pode-se observar a pessoa sem o seu consentimento, mas não se pode entrevistá-la sem a sua aceitação. Mesmo na análise das intervenções das Organizações da Sociedade Civil, autoridades tradicionais e religiosas senegalesas não houve necessidade de uma observação direta, por forma a envolver-se no seio destas organizações ou comunidades, porque estas não se dedicam em exclusivo ao processo de resolução do conflito e não são terceiras partes nomeadas pelos beligerantes, mas realizam atividades e colaboram na peacebuilding.

No decurso da investigação a autora valeu-se das experiências do passado, adquiridas no exercício de cargos públicos.6 Conhece todas as regiões do país e teve conhecimento de alguns incidentes entre as populações das zonas fronteiriças no norte da Guiné-Bissau e sul do Senegal, influenciados pelo conflito de Casamansa e as medidas que os governos dos dois países tomaram para diminuir as tensões, como organizações de atividades desportivas e culturais.

Em 2001, quando a autora exercia o cargo de Ministra dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional teve conhecimento oficioso que uma das alas do MFDC manifestou interesse, para que o Estado da Guiné-Bissau ajudasse as partes beligerantes a aproximarem-se para o diálogo. Mas os dois países priorizaram reforço da cooperação no domínio político-militar, na medida em que, as relações estiveram abaladas durante o conflito político-militar na Guiné-Bissau (1998-1999), em que o Senegal teve intervenção. O reforço da cooperação militar consistia mais na aproximação e trocas de experiências entre os oficiais das Forças Armadas guineenses e senegalesas para o restabelecimento das relações de confiança.

Estes conhecimentos empíricos sobre a temática contribuíram na análise de significados dos comportamentos das autoridades políticas guineenses relativas à resolução do conflito de Casamansa.

Na observação em Bissau, São Domingos e Casamansa a autora estabeleceu contacto direto com a realidade político-social atual e numa perspetiva indutiva tentou interpretar e compreender alguns factos selecionados, como sejam: comportamentos e discursos das partes em conflito, diligências e bons ofícios da terceira parte. Os dados de observação foram registados de forma objetiva, analisados e interpretados (Bell, 1997). Observa-se que existe uma discrepância entre os discursos de paz e as práticas das partes continuando impasse face o compromisso de paz; há fraco engajamento da Guiné-Bissau na resolução do conflito, por ausência de iniciativas e dos bons ofícios do Governo

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A autora além de ser uma figura política exerceu os cargos de Ministra da Justiça e Ministra dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional (2000- 2001).

guineense, contudo o conflito continua a desestabilizar o norte da Guiné-Bissau. Os elementos de observação permitem sempre modelos explicativos, porquanto a finalidade da observação é de fazer registos de análises possíveis e plausíveis, ter os factos inteligíveis e reconstruir a lógica dos comportamentos.

O ressurgimento dos confrontos armados entre o exército senegalês e os elementos do MFDC nos últimos tempos, mereceu atenção não só da parte da autora mas de outros observadores atentos, relativamente ao papel que a Guiné-Bissau e a Gâmbia podem desempenhar na resolução deste conflito, contudo não existem informações sobre diligências oficiais nesse sentido. Nos últimos momentos de seu mandato às vésperas das eleições Presidenciais, em Fevereiro de 2012, o Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade solicitou a intervenção do Presidente gambiano Yahya Jammeh no processo de paz, tendo este comprometido a envidar esforços na mediação do conflito. Porém, desconhece-se a partir desta data, os esforços envidados pelo Presidente gambiano.