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CAPÍTULO 2. CONFLITO DE CASAMANSA

2.2. O mosaico étnico da Senegâmbia

2.2.3. O mosaico étnico da Guiné-Bissau

A paisagem étnica da Guiné-Bissau é bastante diversificada como a de Casamansa, tem mais de duas dezenas de etnias num pequeno país com uma superfície de 36, 125 Km2 e uma população de 1.520.830 habitantes, correspondente a uma densidade populacional de 42, 46 habitantes por Km2, de acordo com os seguintes dados do último recenseamento da população - RGPH/2009.

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Quadro 2.4: Recenseamento Geral da População e Habitação da Guiné-Bissau (2009)

Regiões População

Percentagem%

Setor Autónomo de Bissau 387.909 26 Oio 224.644 15 Gabu 215.530 14 Bafatá 210.007 14 Cacheu 192.508 13 Biombo 97.120 6 Tombali 94.939 6 Quínara 63.610 4 Bolama/Bijagós 34.563 2 Total 1. 520 830 100

Fonte: Instituto Nacional de Estatística – INE, 2009.

Um dado novo de registar relativamente ao Recenseamento de 2009 é o decréscimo numérico e percentual da população de Bafatá, que deixou de ocupar a posição de segunda maior região do país, que passa a ser a região de Oio, antes, a quarta mais populosa; já a região de Gabu mantém a posição da terceira mais populosa. Esta mutação provavelmente está ligada ao êxodo rural e migração bastante acentuada das populações do leste do país (Bafatá e Gabu). No último decénio muitos jovens abandonaram o campo para viver em Bissau e outros emigraram para os países vizinhos ou europeus nomeadamente: Portugal, Espanha, França e Reino Unido.

Relativamente à distribuição das etnias ao nível nacional, os Balantas são considerados maioritários, mas os dados do último recenseamento de 2009, indicaram aumento numérico do grupo étnico Fula correspondente a 28,5%, superando a etnia Balanta correspondente a 26% do total dos grupos étnicos (INE/2009). O aumento numérico nacional da etnia Fula explica-se pelo fluxo migratório nos últimos anos, deste grupo étnico dos países da sub-região da África Ocidental como a Guiné-Conacri, Senegal, Gâmbia e Mali em direção à Guiné-Bissau.

Na Guiné-Bissau os Jolas são denominados Felupes, fazem parte das etnias minoritárias, habitando na região de Cacheu, Setor de São Domingos, cujo número de pessoas não ascende a 2% do total da população e dividem-se em Baiote e Ajamat. Esta reduzida expressão numérica justifica-se por dois motivos: histórico - ligado às sublevações (1912- 1913) e (1934-1935) e pela emigração à Casamansa.

No interior de seus territórios autónomos dedicam-se sobretudo a cultura do arroz e extração do vinho de palma. O termo ajamat significa um bom orador, ou pessoa com grande capacidade de expressão (Silva, 1983; Julliard, 1994).

Bertrand-Bocandé explica que Jola e Felupe são a mesma etnia, normalmente os Wolof preferem a utilização do primeiro termo e a junção dos dois termos resulta em “Jola- Felupe.”

Bocandé reagrupa-os em clãs: Karone, Janat, Kabil que habitam na Alta Casamansa; Felupe – Jiguxe que se encontram à volta do rio Jululu; Felupe-Aiamat e Joat que habitam entre as regiões de Casamansa, Cacheu e a zona do rio Arame; Felupe-Banja perto de Djemberém e Cabo mel; Felupe-Fulo de Ziguinchor; Felupe- Baiote que habitavam em Avane, Elia, Jobel, Ñambala, formam um subgrupo específico da etnia Jola, com diferenças linguísticas influenciadas pelo português em Ziguinchor; Felupe de Ziguinchor e Felupe- Papel que viviam perto de Cacheu e se misturaram com os Brâme e os Felupe de vacas ou de Foi, que habitam neste último lugar (Lopes, 1987: 57-58). Na região da Senegâmbia e “Rios de Guiné” encontravam-se vários povos muito homogéneos – dos “Serers aos Timenés” possuindo traços comuns, que no conceito clássico de etnia poderiam ser considerados uma etnia (Mota, 1959: 659), mas constituíam vários grupos étnicos.

A predominância de uma determinada etnia na região levou os etnógrafos na época colonial a atribuírem territórios às etnias: Chão de Balanta, Chão de Fula, Chão de Papel, e outros. Como explica o historiador português AvelinoTeixeira da Mota: “As várias tribos tinham um “chão”, um território geralmente bem definido, cuja entrada defendiam ciosamente de outros povos, sobretudo, entre as populações animistas do litoral” (Mota, 1954: 162). Neste sentido, Carlos Lopes esclarece que os primeiros exploradores e etnógrafos cometeram erro ao associar ou atribuir um território a cada etnia, considerando-a “uma entidade estática” quando na verdade num território habitam diferentes etnias (Lopes, 1999:49). A ideia de chão étnico no passado não só servia de defesa contra a presença estrangeira ou de estranhos, como representava o predomínio de uma determinada etnia numa região, mas após a independência o uso do termo tchon no sentido étnico tornou-se cada vez menos frequente, e atualmente está em desuso.

A região de Cacheu é de predominância da etnia Manjaca, salvo o setor de São Domingos que era considerado Tchon dos Felupes.50 Os Felupes continuam conservando um perfil étnico coeso e introvertido, virado aos seus próprios costumes e tradições, contrariando tendência à “manjaquização “ prevista por Carreira (1962b: 95).

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Tchon em português chão significa território étnico ou de um determinado grupo.

No setor de São Domingos conforme salienta Carreira havia dois grupos de populações distintos: os autóctones reais fixados há muito tempo, que são os Felupes, os Baiotes, os Banhuns, os Cassangas, um pequeno grupo de Mancanhas e os Balantas de Candja ou Becandja, e, outros grupos que lá fixaram posteriormente como os Manjacos, os Papeis, os Mandingas, os Balantas do Ingoré e os Fulas (Carreira, 1962c: 408).

Os Cassangas e os Banhuns são em pequeno número e quase inexistentes atualmente, devido ao cruzamento com outros grupos étnicos. Os Baiotes representam menos de 1% da população nacional, são etnicamente idênticos aos Felupes mas diferentes destes em termos linguísticos, conforme Fernando Rogado, aproximam-se mais dos Manjacos (Quintino, 1969).

Os Felupes e os Baiotes são considerados grupos intolerantes aos estranhos nos seus territórios étnicos e em razão disso muitas outras etnias como Fula e Mandinga receavam fixar residência sobretudo em Susana e Varela (Carreira, 1962c).

Atualmente os Felupes são 24. 892 pessoas o que corresponde a 1,7% do total de 1.442.227 da população étnica, de acordo com os dados da repartição da população guineense por grupos étnicos (INE/2009). Relativamente ao recenseamento étnico de 1991, houve aumento numérico desta etnia que tinha 13. 971 pessoas, correspondente a 1,43% do total da população. Este facto explica-se a partir dos anos de 1990 pela intensidade do conflito de Casamansa, muitos Jolas foram refugiar-se na região de Cacheu, alguns acabaram por ficar na Guiné-Bissau, adquirindo a nacionalidade e passaram a ser Felupes guineenses onde 67,1% vive nessa região. Embora sirvam de referência para estudo, esses dados de recenseamentos não são totalmente fiáveis pelas dificuldades inerentes às condições de suas realizações no terreno. “Pois os recenseamentos têm sido realizados com grandes dificuldades e lacunas e bastante irregularidade, o que torna os seus resultados pouco fiáveis. E as estatísticas do registo civil estão ainda longe de cobrir a totalidade da população” (Barata, 1994: 28-29).

Os Felupes à semelhança dos Jolas de Casamansa não têm autoridade centralizada, mas organizam-se por mecanismos informais não institucionalizados. Relativamente à religião são maioritariamente animistas, os cultos tradicionais são muito importantes para os Felupes, que por razões de rituais religiosos priorizam as relações de trocas de bens ao invés do dinheiro.51 Associam-se aos Balanta, Manjaco, Papel, Mancanha, Mansoanca que também são maioritariamente animistas.52

51

Por exemplo trocam o vinho de palma e folha de tabaco pelo peixe.

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Os Felupes adoram um só Deus “Atemit” poderoso e invisível, realizam muitas cerimónias religiosas e animistas como: reza, sacrifícios, ofertas e invocação dos ancestrais obedecendo às suas orientações. Uma das cerimónias importantes é a iniciação feita em separado aos homens e as mulheres em diferentes fases da vida, como uma forma de emancipação e cada um dos grupos tem bois sacré.53 Em Casamansa existem Jolas casamansenses ou guineenses com raízes nas etnias Balanta, Banhun, Manjaco e Mancanha (Evans, 2004: 3) e são na sua maioria animistas. O animismo é uma tradição religiosa que tem como essência o culto aos mortos, adoração e consulta aos espíritos para tomadas de decisões acatando às suas orientações. Os cristãos têm uma adoração direta à Deus como ser invisível e criador do Universo, acreditando na sua vontade como lei divina.

A abordagem etnográfica é importante para a compreensão do comportamento dos casamansenses e da solidariedade entre essas comunidades locais e as do norte da Guiné- Bissau. Os critérios étnicos, culturais e religiosos na análise desta interligação destacando as composições étnicas e crenças religiosas: animista, cristã e islâmica, parecem os que melhor explicam a aproximação das duas populações separadas pela divisão de fronteiras. As duas áreas culturais Casamansa e Guiné-Bissau antes de serem distintas apresentam características semelhantes, sendo muito difícil um casamansense em São Domingos, sentir-se fora de seu ambiente cultural ou um guineense em Ziguinchor sentir-se fora de seu ambiente cultural.54

Os Jolas representam 5,5% do total da população concentrada sobretudo em Casamansa (Ziguinchor e Kolda).

No contexto da Senegâmbia os “Jola-Felupe” fazem parte dos principais grupos étnicos, são quase um milhão de indivíduos tomando em consideração o número das populações recenseadas no Senegal (2013), na Gâmbia (2013) e na Guiné-Bissau (2009)55 e as respetivas percentagens da etnia Jola, conforme o quadro seguinte:

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Bois sacré (bosque sagrado) é o lugar tradicional da crença e adoração dos espíritos.

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Quando estive em Ziguinchor para o trabalho de campo, além da semelhança paisagista desta região com a de Cacheu, tive contactos com pessoas de várias etnias de origem guineense e com familiares diretos em várias regiões da Guiné-Bissau e no Setor Autônomo de Bissau.

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Levando em conta os dados da repartição étnica da Guiné-Bissau de 2009, os Jolas são 24. 892, correspondente a 1,7%. E na Senegâmbia seriam um total de 921. 185 pessoas. Há outras fontes que dizem que os Jolas representam 9% da população senegalesa que seria 1.158.624 pessoas, porém não existem dados atualizados da repartição étnica para confirmar ou não esta percentagem.

Quadro 2.5: Composição numérica da etnia “Jola-Felupe” na Senegâmbia Países da Senegâmbia População Jola-Felupe Percentagem Senegal 12 .873. 601 708 048 5,5

Gâmbia 1.882.450 188 245 10 Guiné-Bissau 1.520.830 25. 854 1,7 Total 922 147 17,2

Fonte: Dados de recenseamentos gerais e étnicos das populações.

Este número expressivo da etnia “Jola-Felupe” representa uma grande “fronteira étnica” na Senegâmbia, sendo o quarto maior grupo étnico do Senegal e da Gâmbia, já na Guiné-Bissau faz parte dos grupos étnicos minoritários. Esta pertença comum pode traduzir- se numa solidariedade étnica transfronteiriça natural (ver figura 2. 6).

Figura 2. 6: Etnia “Jola-Felupe” na Senegâmbia

Fonte: adaptado do site: www.joshuaproject.net/people_groups/11568/FR

Embora existam semelhanças étnicas e culturais entre estes três países, a Guiné- Bissau conserva ainda os aspetos de sua cultura tradicional marcadamente animista e da religião cristã, que a distingue tanto do Senegal como da Gâmbia, onde predominam o Islão. Genericamente na Guiné-Bissau os animistas representam (50%), seguido dos islamizados (40%); o Senegal tem (92% de islamizados); a Gâmbia (90%) e a Guiné-Conacri (85%). Mas o aumento numérico nos últimos anos, da população islamizada derivado dos processos de

conversões de animistas e cristãos em islamizados e do fluxo de imigrações dos países vizinhos para a Guiné-Bissau, tende a transformar este panorama religioso e cultural. A Guiné-Bissau é formalmente um Estado laico, mas isso não impede a comunidade islâmica de solicitar e obter apoios financeiros do Governo ou do Presidente da República para as “peregrinações à cidade Santa de Meca.” Num sistema democrático os apoios de políticos à uma determinada religião podem funcionar como meios de influências políticas para fins eleitorais.