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CAPÍTULO 2. CONFLITO DE CASAMANSA

2.4. Os atores e as suas motivações

2.4.1. Os atores

Os principais atores dividem-se em interno que são as partes protagonistas do conflito, quais sejam, o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC) e o Governo senegalês e os atores externos que são países vizinhos do Senegal que têm ligações étnicas com Casamansa (Gâmbia e Guiné-Bissau) e a França antiga potência colonizadora e aliada do Senegal nesta causa.

Os separatistas do MFDC consideram que os países vizinhos que fazem fronteiras ao norte e ao sul com o Senegal, nomeadamente Gâmbia e Guiné-Bissau, pertenciam a mesma entidade do reino de Gabu, que fora dividido em fronteiras coloniais. Por esta razão nestes três países encontram-se as mesmas etnias: Jola e assimilados, Mandinga, Peul, Balanta, Mancanha com as mesmas línguas, partilhando os mesmos sobrenomes, das grandes famílias como: Sané e Mané. Sagna no Senegal ou em Casamansa é o mesmo que se escreve Sanhá na Guiné-Bissau e Sanhya na Gâmbia; Diallo no Senegal ou Casamansa é o mesmo Djaló na Guiné-Bissau e Jallow na Gâmbia; Diémé no Senegal ou Casamansa é o mesmo Diemé na Guiné-Bissau e o mesmo que se escreve Jammeh na Gâmbia. 67 Estes países não sendo partes do conflito, mas em colaboração com o Governo senegalês tiveram intervenção em alguns incidentes que ponham em causa a segurança de suas fronteiras, como foi o caso da Guiné-Bissau aquando do desaparecimento dos turistas franceses na Baixa Casamansa.

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Estes apelidos são os mesmos apenas se diferenciam pelas grafias de acordo com as línguas oficiais dos respetivos países (francês, português e inglês).

Em Abril de 1995, quatro turistas franceses (dois casais) desapareceram misteriosamente em Casamansa entre Ziguinchor e Oussouye.68 Mas de acordo com a versão oficial senegalesa, os turistas foram raptados pelos rebeldes do MFDC, no Parque da Baixa Casamansa e conduzidos à Cap Skirring junto à fronteira da Guiné-Bissau. Os dirigentes do MFDC não assumiram o rapto, acusando o Governo senegalês de ser o responsável por esse misterioso desaparecimento de turistas. O jornalista guineense Allen Yero Embaló esclareceu que sob a pressão da França, o então Presidente do Senegal Abdou Diouf solicitou às autoridades guineenses diligências com o objetivo de encontrar os turistas desaparecidos. A França disponibilizou meios financeiros às autoridades guineenses para operações de busca69 e o Senegal ordenou os militares franceses em Dakar a fazerem a cartografia da zona fronteiriça entre o norte da Guiné-Bissau e o sul do Senegal, com o objetivo de identificar as bases dos rebeldes do MFDC, conseguiram localizar todas as bases da Frente-Sul, desencadeando ofensiva para o desmantelamento. Precedida de manobras militares franco-senegalesas a ofensiva do exército senegalês nas zonas florestais, ao longo da fronteira da Guiné-Bissau, durou três meses mas sem sucesso, pois nem os turistas nem os seus restos mortais foram encontrados.70 Paralelamente a esta ação militar, elementos do Estado-Maior-General das Forças Armadas e da Segurança do Estado da Guiné-Bissau, coordenados pelo então Ministro do Interior e o diretor dos Serviços de Informação do Estado foram controlar no terreno as operações de busca.71

Na época o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas era o Brigadeiro Ansumane Mané, que segundo o jornalista Allen Yero Embaló, já mantinha ligações com alguns elementos do MFDC inclusive com Salif Sadio. Os elementos do MFDC prometeram colaborar com as autoridades guineenses nas buscas e informações dos turistas desaparecidos, mas após terem recebido os meios materiais exigidos não forneceram informações credíveis; informaram sobre a existência de um suposto “túmulo” dos turistas franceses desaparecidos nas zonas florestais próximos à fronteira da Guiné-Bissau. Mas as autoridades guineenses e senegalesas descobriram que se tratava de sepultura dos habitantes locais.

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Inicialmente as autoridades de Dakar haviam dito que os 4 turistas desapareceram no território guineense e não no senegalês. Mas após a posição oficial da Guiné-Bissau recusando essa afirmação, houve um recuo. A França prometeu e apoiou financeiramente o Senegal e a Guiné- Bissau, nas buscas mas nem os turistas, nem os seus cadáveres foram encontrados.

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Entrevista com o jornalista guineense correspondente da RFI, Allen Yero Embaló, durante o trabalho de campo em Bissau, a 20/06/2011.

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Esta operação beneficiou de assistência técnica francesa.

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Conforme declarações do Jornalista Allen Yero Embaló o Ministro do Interior era Luís Oliveira Sanca e o diretor dos Serviços de Informação do Estado era o coronel João Monteiro.

O Parque da Baixa Casamansa até à floresta de Bissine foi vedado à circulação e acesso das populações que por consequência foram obrigadas a refugiar na Guiné-Bissau e na Gâmbia (Marut, 1996: 87). O número de refugiados casamansenses estaria na média total de 35.000 sobretudo em Niaguis, Ziguinchor e Oussouye; 28.000 na Guiné-Bissau, maioritariamente nos setores de São Domingos e Ingoré; e 15.000 na Gâmbia.72 A questão de refugiados casamansenses no norte da Guiné-Bissau tem colocado problemas humanitários e de segurança, apesar da solidariedade da população local no acolhimento, as capacidades de assistência são bastante limitadas. Mas a ação das ONGs nacional e internacional e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem sido fundamental para o apoio humanitário e social.73 Relativamente à questão de segurança existia a desconfiança do Governo senegalês, que muitos dos refugiados são rebeldes do MFDC e por isso deveriam ser identificados e combatidos.

Neste sentido, o patrulhamento conjunto das fronteiras foi um mecanismo utilizado pelos dois Estados para controlar e garantir a segurança de suas fronteiras e das populações. Este patrulhamento pode ser visto como cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau, para controlar a instabilidade das fronteiras; mas conforme o geógrafo e investigador francês, Jean-Claude Marut, permitiu as Forças Armadas senegalesas perseguirem os rebeldes casamansenses até 7Km além da fronteira entre os dois países 74 (Marut, 1996: 87). Para este autor, trata-se de estender o conflito para o território da Guiné- Bissau, com consequências nefastas, na medida em que, o exército senegalês não hesitou em bombardear aldeias guineenses suspeitas de albergarem rebeldes e isso resultou em mortos, sequestros e destruição material (Marut, 1996). O Governo guineense pretendia com o patrulhamento conjunto demonstrar as autoridades senegalesas que não apoiava a rebelião de Casamansa para acabar com o clima de desconfiança, mas não previa essas consequências desastrosas que motivaram sua descontinuidade.

Pelo respeito aos princípios do direito internacional da intangibilidade das fronteiras e da não ingerência de um Estado nos assuntos internos do outro, o direito de perseguição aos rebeldes do MFDC pelo Governo senegalês, ainda que seja no quadro do patrulhamento conjunto derivado do acordo, não deveria implicar a fronteira da Guiné- Bissau. Ao abrigo dos mesmos princípios o Governo guineense não deve colaborar com o MFDC, ou prestar qualquer tipo de apoio à rebelião, nomeadamente o treino de suas forças,

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Dados fornecidos pelo representante do Alto-Comissário para os refugiados em Bissau.

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As Nações Unidas apoiaram a construção de escolas em São Domingos para os filhos dos refugiados casamansenses.

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o fornecimento de armas ou a cedência de seu território para confrontos (Faye, 1994: 189 - 212)

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A Guiné-Bissau e o Senegal assinaram Acordo de Cooperação em Matéria de Segurança e Defesa, em 1986,75 quando os dois chefes de Estado, Abdou Diouf do Senegal e João Bernardo Vieira da Guiné-Bissau, a pedido do Governo senegalês acordaram orientar os Ministros das Forças Armadas dos dois países a realizarem operações militares conjuntas. O patrulhamento conjunto consta do Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação em Matéria de Segurança e Defesa assinado entre a República do Senegal e a República da Guiné-Bissau, a 27 de Julho de 1990. Os dois Estados podem apoiar-se mutuamente ou efetuar operações conjuntas para impedir que o seu território seja utilizado para preparar ou executar ações subversivas contra ou prejudiciais à Segurança ou Defesa de um dos Estados (Artigos Primeiro e Terceiro) do referido protocolo.

Foram realizadas várias operações conjuntas para detetar e desmantelar as bases dos rebeldes de Casamansa, sendo que a primeira operação conjunta denominada “Operação Ahinga,” teria início a 30 de Novembro de 1986 e seria chefiada da parte senegalesa, pelo Coronel N’Doy Oussoumane e da parte guineense, pelo Major Saco Soares Cassamá, mas foi realizada em Dezembro do mesmo ano, sob comando de outras pessoas. Nesta operação foram detetadas no território senegalês concretamente em Bagame, a presença dos rebeldes com alguns equipamentos e utensílios domésticos e 4 indivíduos de nacionalidade senegalesa foram presos (ver anexo C), mas no território guineense não foram detetadas bases dos rebeldes.76

Numa conversa informal com um alto oficial do Exército guineense este esclareceu que a primeira operação militar conjunta entre o Exército guineense e o Exército senegalês ao longo das fronteiras dos dois países foi realizada em 1986, a partir de M’Pack, isto é, linha da fronteira que divide a Guiné-Bissau do Senegal, fica entre Ziguinchor e São Domingos (ver anexo D). O objetivo era desmantelar eventuais bases militares dos guerrilheiros do MFDC, do lado da fronteira da Guiné-Bissau, mas conforme esclarece este oficial não foram encontradas senão meia dúzia de sinais de vestígios de bases militares. Em 1987 e em 1989 foram realizadas outras operações conjuntas ao longo das duas fronteiras com os mesmos objetivos da operação anterior, sendo esta última denominada Operação Conjunta “Amizade III.” 77

A experiência de patrulhamento conjunto das fronteiras entre Guiné-Bissau e Senegal também foi partilhada entre Senegal e Gâmbia, com assinatura do acordo de patrulhamento

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Operações Conjuntas (1986).

76 Informação constante do documento intitulado “ Operações Conjuntas” (1986). 77

conjunto em 2011, que permitiu o patrulhamento das fronteiras entre Senegal e Gâmbia, pelas Forças Armadas com o objetivo de desmentir as informações sobre o apoio da Gâmbia ao MFDC, concretamente à ala liderada por Salif Sadio.

A Guiné-Bissau e a Gâmbia são atores sub-regionais naturais porque são afetados pelo conflito no contexto da Senegâmbia e devem cooperar com o Senegal na sua resolução.

A França é considerada um ator externo e aliado do Senegal, sua antiga colónia, com interesses económicos e políticos na África Ocidental. Embora oficialmente não interfere no conflito interno entre o MFDC e o Governo senegalês, condena a violência e fala de uma solução política, mas escolheu o seu campo. O interesse da França para a África Ocidental é histórico, desde o século XV, com a expansão europeia em África, através de políticas de ocupação territorial, domínio político e exploração económica até metade do século XIX. Com a partilha da África na Conferência de Berlim (1885), a França colonizou nove países da África Ocidental, dentre os quais o Senegal.78 O Senegal após a sua independência em 1960, passou a ser um dos pilares da presença francesa em África Ocidental e porta de entrada para os países da África subsaariana, onde operam companhias aéreas africanas, europeias e americanas. Embora não disponha de muitos recursos, mas assegura oportunidades de negócios, sendo visível os investimentos franceses em diferentes domínios: económico, político, militar, linguístico, institucional, cultural e migratório. Existem muitas empresas francesas no Senegal que controlam setores chaves de desenvolvimento: Banco, segurança, transporte marítimo, água, telefone, turismo e infraestruturas contribuindo com 15% a 25% do PIB. Senegal é um dos cinco países africanos que mais Ajuda Pública ao Desenvolvimento recebe da França, correspondente a 40% do total da Ajuda estrangeira (Marut, 2010: 213).79 Naturalmente uma parte da ajuda financeira da França tem sido utilizada nas crises de Casamansa.

Considerando a localização geográfica do Senegal e sua integração na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) esta entidade é um ator sub-regional natural, embora até à data presente não teve nenhuma intervenção relevante na resolução do conflito de Casamansa, como foram nos conflitos da Libéria, Serra Leoa e Guiné-Bissau, através da mediação e da Economic Community of West African States Monitoring Group (ECOMOG) composta por militares dos Estados-membros. Esta ausência da CEDEAO na resolução do conflito de Casamansa, por um lado, possa estar ligada à posição adotada

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Além do Senegal, os países que foram colonizados pela França na África Ocidental são: Benim, Burquina Faso, Costa do Marfim, Guiné – Conacri, Mali, Mauritânia, Níger e Togo.

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Os outros quatro países mais ajudados pela França são: Camarões, Costa do Marfim, Congo e Gabão.

pelo Estado senegalês, em não permitir intervenção de organizações sub-regional ou continental na negociação e mediação para não legitimar o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa e por outro lado, por ser considerado um conflito interno de baixa intensidade e sem perturbações ao nível internacional.

O espaço da CEDEAO é de influência de países francófonos com grande influência económico-financeira e política da França, através de suas antigas colónias sobretudo o Senegal e a Costa do Marfim. A influência financeira da França destaca-se pelo mecanismo de integração monetária criado no seio dos países da CEDEAO, designado União Monetária do Oeste Africano (UMOA), com sede em Abidjan, na Costa do Marfim.

A França controla a política financeira de suas antigas colónias na África Ocidental e na África Central através da Comunidade Financeira da África (CFA), celebra os acordos de cooperação priorizando o acesso aos recursos minerais. O Burquina Faso, a Costa do Marfim, o Senegal e o Togo têm acordos com a França nos domínios da Defesa e assistência militar (Adebajo, 2002: 26).