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4.1 Os Acordos sobre Produtos Agrı́colas, o Acordo de Intercâmbio Cultural e o estabelecimento da Comissão Fulbright

Em 16 de novembro de 1955, foi celebrado o Acordo sobre Produtos Agrı́colas entre o Governo dos Estados Unidos do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América, com vistas na expansão do comércio bilateral. Ficara acordado que o Brasil receberia produtos agrı́colas excedentes norte-americanos, uma vez a compra contratada; venderia esses produtos internamente, no caso do trigo para os moinhos aqui existentes (Moura, 1960); e parte dos cruzeiros (moeda brasileira da época) provenientes dessas transações internas poderia ser usado como empréstimo pelo governo brasileiro obtido junto ao governo norte-americano, com prazo de pagamento de até 40 anos e com juros menores aos praticados em outras operações de empréstimos à época (Moura, 1960). Da mesma forma, icara acordado que Washington poderia usar esses recursos em solo brasileiro, conforme seu interesse e determinação dadas as proporções e inalidades de inidas. Os produtos incluı́dos no Acordo de 1955 e o teto em dólares para as negociações seguiriam o apresentado na Tabela 1:

Tabela 1 - Lista de produtos agrı́colas e serviços, com respectivos valores, do Acordo sobre Produtos Agrı́colas irmado entre o Brasil e os Estados Unidos em 1955 Produto Valor (em dólares norte-americanos) 136 Trigo 31.000.000 Farinha de Trigo 1.100.000 Cereais para forragem 137 3.100.000 Banha 1.790.000 Fumo capeiro 250.000 Estimativa do transporte marı́timo para 50% dos produtos em apreço 4.070.000 TOTAL 41.220.000 Fonte: Brasil (1955).

Ficara também ajustado que até 76% dos valores provenientes daquelas importações poderiam ser destinados a empréstimos para o Brasil, com vista ao fomento de seu desenvolvimento econômico; e até 24% poderiam ser destinados ao desenvolvimento de novos mercados para produtos agrı́colas estadunidenses, “em bases mutuamente bené icas”, para a compra de produtos por parte dos Estados Unidos, para o pagamento de outras despesas, e para o financiamento de atividades de intercâmbio educativo internacional no Brasil (Brasil, 1955, Art. II, A). O Brasil providenciaria os depósitos em cruzeiros, relativos ao correspondente em dólares norte-americanos, em uma “Conta Especial” no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) para utilização dos governos brasileiro ou norte-americano, conforme os ins acertados com este último e por ele autorizado, taxas de juros e periodicidade dos empréstimos e pagamentos - respeitadas as proporcionalidades.

136Com o objetivo de ilustrar a dimensão do acordado à época, a atualização dos valores acertados em 1955

para 2017 corresponderia a, aproximadamente: trigo, US$ 283 milhões; farinha de trigo, US$ 10 milhões; cereais para forragem, US$ 28,3 milhões, e o total a US$ 376,4 milhões. Para o cálculo, se utilizou a base do

US Inflation Calculator , disponível em http://www.usinflationcalculator.com/ , visto em 02/05/2017.

137 Alimentos utilizados para alimentar rebanhos, especialmente nos períodos de estiagens seco, o milho é o

mais comum, podendo ser utilizado também aveia, centeio e cevada, entre outros (CRUZ, PEREIRA FILHO e GONTIJO NETO, 2017).

Como Moura estatui, houve reações contrárias ao Acordo no Brasil devido ao preço com que os produtos foram contratados, especialmente o trigo, e dos possı́veis prejuı́zos que poderiam trazer à lavoura nacional. De outro lado, houve quem defendesse o Acordo, particularmente no Governo, dadas as condições de prazo excepcional e de juros à metade do praticado em outras linhas de inanciamento de importações. Entretanto, como o autor ressalta, uma das cláusulas mais fortes do Acordo em desfavor do Brasil, era a que determinava que o governo brasileiro não poderia vender aqueles produtos ou “produtos semelhantes” à paı́ses cujas relações não fossem consideradas amistosas com os Estados Unidos. Em outras palavras, caso um paı́s da América do Sul tivesse um desentendimento com os norte-americanos, o Brasil correria o risco de ter que suspender as vendas de certos produtos a esse paı́s. Outro ponto era a questão da abrangência ampla e sem maiores detalhamentos de “produtos semelhantes”: tome-se o caso do arroz que, se entendido como cereal, por exemplo, não poderia ser comercializado em um possı́vel caso de estranhamento nas relações do cliente brasileiro com os Estados Unidos (Moura, 1960: 245). Em outra ponta, questionava-se ainda se os valores pertencentes aos Estados Unidos no Brasil, ao serem usados por empresas norte-americanas, as bene iciaria com um potencial capital de giro local, o que facilitaria a sua a ascensão e o predomı́nio no mercado brasileiro.

Independentemente dessas reações iniciais, um novo acordo foi assinado entre as partes em 31 de dezembro 1956, com o objetivo de manter a expansão comercial bilateral, contribuir para o desenvolvimento brasileiro e atender o incremento de seu consumo. Dessa vez, o acordo mantinha as bases do anterior com algumas atualizações, e termos vigentes por quase três anos, até 30 de junho de 1959. Entre as revisões notáveis estavam a alteração dos percentuais para utilização dos valores, a alteração dos montantes referentes às mercadorias importadas pelo Brasil, e a determinação de que as vendas adicionais de trigo, acima do teto acordado, não seriam inanciadas. A Tabela 2 traz a lista de produtos estipulados no segundo acordo do trigo, que desta vez incluı́a óleos vegetais, limitando o Brasil a vender qualquer tipo de óleo a terceiros que não mantivessem relações amistosas com Washington.

Tabela 2 - Lista de produtos agrı́colas e serviços, com respectivos valores, do Acordo sobre Produtos Agrı́colas irmado entre o Brasil e os Estados Unidos em 1956

Produto Valor (em dólares norte-americanos) 138 Trigo (incluindo farinha de trigo) 111.000.000 Banha 5.000.000 Laticı́nios 2.200.000 Oleos vegetais 1.500.000 Estimativa do transporte marı́timo 19.000.000 TOTAL 138.700.000 Fonte: Brasil (1956).

O segundo acordo previa que até 85% do total negociado passariam a ser destinados a empréstimos para o fomento do desenvolvimento econômico brasileiro; 14,35% para o desenvolvimento de novos mercados, financiamento de atividades de intercâmbio educativo internacional , e inanciamento de traduções, publicação de livros e periódicos e outras despesas do Governo norte-americano; e 0,65% seriam destinados a escolas, bibliotecas e centro comunitários estabelecidos ou apoiados por cidadãos norte-americanos no Brasil.

Em leituras recentes, Ferreira e Fares trazem outros aspectos relacionados aos acordos do trigo, seu uso e o tipo de inanciamento que eles poderiam proporcionar. Ferreira (2012: 176) faz referência sobre a proposta norte-americana de um acordo de intercâmbio comercial de trigo por minerais atômicos brasileiros em meados da década de 1950. O fato gerou forte campanha nacionalista contrária. O Governo Kubitschek não aceitou a proposta, despertando ceticismo por parte de Washington sobre as reais intenções brasileiras e m avançar para um acordo nuclear bilateral. Fares (2014: 202) apresenta o “fundo do trigo”, o qual era abastecido pelos dólares

138Com o objetivo de ilustrar a dimensão do acordado à época, a atualização dos valores acertados em 1956

para 2017 corresponderia a, aproximadamente: trigo, US$ 998,7 milhões; banha, US$ 45 milhões; laticínios, US$ 19,8 milhões e o total a US$ 1,248 bilhão. Para o cálculo, foi usado a base do US Inflation Calculator , disponível em http://www.usinflationcalculator.com/ , visto em 02/05/2017.

norte-americanos ou pelos recursos acumulados provenientes dos acordos, e os indı́cios de possı́vel uso dele com ins corruptos e polı́ticos no intuito de apoiar candidatos anticomunistas e americanistas para o Congresso brasileiro nas eleições de 1962 - representando um pleno atentado à democracia por parte de um paı́s que pregava esse valor no meio internacional. Um dos desdobramentos foi a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as acusações levantadas à época.

No entanto, afora o ambiente das discussões e das descon ianças sobre os planos comerciais, inanceiros e polı́ticos acerca do uso dos recursos oriundos dos acordos do trigo, os quais não são foco neste trabalho, cabe salientar que o primeiro acordo agrı́cola abriu a possibilidade para a realização de um convênio voltado ao inanciamento de atividades de intercâmbio educacional, com o uso de saldos em moeda brasileira pertencentes aos Estados Unidos, ou à sua disposição, provenientes da venda dos excedentes norte-americanos. Desse modo, Brasil e Estados Unidos celebraram em 5 de novembro de 1957 o Acordo de Intercâmbio Cultural, que é o marco da chegada do Programa Fulbright ao Brasil. Este Acordo se destinava a favorecer o “entendimento entre os povos dos dois paı́ses”, por meio de um “intercâmbio mais amplo de conhecimento pro issional e de ordem geral, através de atividades educacionais” - dado o julgamento norte-americano, quali icado como “útil”, para o “desenvolvimento da compreensão entre os dois povos”, de onde infere-se, dado o interesse estadunidense (Brasil, 1957).

Com respeito ao extrato “intercâmbio mais amplo de conhecimento pro issional e de ordem geral, através de atividades educacionais”, presente no Acordo de Intercâmbio Cultural cabe uma observação acerca da vasta abrangência que isso indicava. Os anos iniciais da Guerra Fria foram marcantes para a polı́tica de propaganda dos Estados Unidos, que se focava decisivamente na disseminação da existência da ameaça soviética. Do mesmo modo, havia urgência em levar ao conhecimento da opinião pública estrangeira (e mesmo em in luenciá-la) aspectos de sua cultura, história e sociedade - mesmo quando não era clara a distinção entre o intercâmbio de pessoas com ins de mera propaganda e o intercâmbio de pessoas

com ins educacionais ou culturais, assim como seus possı́veis resultados. Ademais, o entendimento sobre educar, informar, manipular e in luenciar, já era de conhecimento de Washington e, de certo modo, da atuação das fundações ilantrópicas. Observa-se, assim, que a realização de um acordo com as linhas profissional , geral , e educacional era extremamente conveniente e interessante aos Estados Unidos naquele momento. Ao trabalhar com essas três orientações, o Programa Fulbright, que vinha se estabelecer no Brasil naquele contexto, poderia atender os interesses diretos da polı́tica externa norte-americana de promover intercâmbios de qualquer tipo, mesmo que meramente de cunho informacional, dentro da sua diplomacia cultural e dos ensaios para a diplomacia pública. Do mesmo modo, poderia atender às orientações estabelecidas pelo Board of Foreign Scholarships, ainda em seus anos iniciais, ao abranger propostas de desenvolvimento pro issional, treinamento especializado, estudos e pesquisa no exterior. Em outras palavras, o Programa Fulbright poderia atender às mais diversas demandas pro issionais ou educativas, dentro da conveniência estadunidense, dada a vasta amplitude do que fora acordado, sem a perda de sua maior meta o icial, que seria a promoção do mútuo entendimento.

O Acordo de Intercâmbio Cultural pode ser considerado um ponto alto na evolução das relações brasileiro-norte-americanas, em que pese o fato de raramente ser listado entre os ativos diplomáticos que vinham sendo construı́dos pelos dois governos ao longo dos anos anteriores. Ao viabilizar a chegada do Programa Fulbright ao Brasil, por meio do estabelecimento da “Comissão Educacional dos Estados Unidos da América no Brasil”, o Acordo criava condições para “facilitar a administração de um programa educacional, a ser inanciado por verbas distribuı́das à Comissão pelo Governo dos Estados Unidos da América, ou postas à disposição do mesmo paı́s para despesas com a aludida inalidade” (Brasil, 1957) . A partir de 139 1966, a Comissão passaria a ser denominada “Comissão para o Intercâmbio Educacional entre os Estados Unidos da América e o Brasil”, conhecida e denominada também como “Comissão Fulbright” ou “Fulbright” (Brasil, 2011).

139 O Art. X do referido Acordo, designava como representante do Governo dos Estados Unidos o seu

Secretário de Estado, ou qualquer outro funcionário ou servidor designado a agir em seu nome (Brasil, 1957).

Pelo Acordo de Intercâmbio Cultural (Brasil, 1957), também foi determinado o uso dos fundos e créditos provenientes do Acordo sobre Produtos Agrı́colas e de propriedade dos Estados Unidos no Brasil, para: 1) custear o inanciamento de estudos, pesquisas, instrução e outras atividades educacionais de cidadãos norte-americanos em escolas ou IES brasileiras e aqui localizadas; e de cidadãos brasileiros em escolas e IES estadunidenses, incluı́do o custeio das atividades escolares, localizadas nos Estados Unidos, Havaı́, Alasca, Porto Rico e Ilhas Virgens, incluindo custeio das atividades escolares; 2) custear o transporte de cidadãos brasileiros para frequentar escolas e IES norte-americanas, desde que não houvesse o comprometimento das vagas aos cidadãos norte-americanos, os quais teriam prioridade em eventuais matrı́culas.

Quanto à Comissão Fulbright, ela seria regida administrativamente por um Conselho Diretor composto de dez membros, sendo cinco norte-americanos 140 e cinco brasileiros nomeados pelo MRE, e presidida pelo mais alto chefe da Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil. Entre outras providências administrativas, caberia à Comissão: planejar, adotar e executar programas; recomendar ao Board of Foreign Scholarships os estudantes, professores de vários nı́veis e pesquisadores residentes no Brasil, bem como instituições brasileiras quali icadas, para participarem das atividades de intercâmbio; e recomendar a adoção dos critérios de seleção. Entre as disposições estavam igualmente que todos os compromissos, obrigações e despesas ocorreriam mediante a autorização e o orçamento anual aprovado pelo governo norte-americano; e a apresentação anual de relatório de atividades aos governos brasileiro e estadunidense, conforme os moldes de relatórios pré-estabelecidos pelo último.

Em 4 de maio de 1961, novo acordo agrı́cola foi assinado. Desta vez, houve a inclusão somente do trigo para aquele ano; e o entendimento de que novas vendas por parte dos Estados Unidos, nos termos que vinham sendo acordados de depósito

140

Dos membros norte-americanos, ao menos dois deveriam ser funcionários servindo na Missão

diplomática dos Estados Unidos no Brasil; e os membros brasileiros serão indicados pelo Ministério das Relações Exteriores (Brasil, 1957).

em “Conta Especial”, ocorreriam “Observadas as disponibilidades de produtos” segundo previsões de programas, autorizações de compras e aceitação dos Estados Unidos para inanciamentos. De todo modo, o valor total do acordo de 1961, incluı́dos os valores correspondentes ao trigo e a estimativa de transporte marı́timo alcançou US$ 70 milhões (Brasil, 1961). E, em Termo de Entendimento referente ao Acordo de 1961 icou estabelecido o uso de até US$ 500 mil para o inanciamento de programas de intercâmbio educacional, e de cooperação cultural e cientı́ ica.

No momento da celebração deste Acordo já existiam no governo norte-americano discussões acerca da necessidade de maior lexibilidade às provisões administrativas e inanceiras do Programa Fulbright - as quais vieram a culminar na aprovação do Mutual Educational and Cultural Exchange Act of 1961, em setembro do mesmo ano. Por essa forma, do ponto de visto do Programa Fulbright, o Fulbright-Hays Act de 1961 superou a importância dos acordos agrı́colas, por aumentar as possibilidades de custeamento, inanciamento e mesmo de outros tipos de acordos com os paı́ses estrangeiros. No caso da Comissão Fulbright no Brasil, àquela altura, ela já estava instalada e em pleno funcionamento; e os esforços para um acordo de co inanciamento somente teriam resultado em 1980.

4.2 - Os anos iniciais da Comissão Fulbright Brasil e a década de