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Uma breve análise da história da ilantropia estadunidense desde o inal da Guerra Civil até o inı́cio do séc. XXI, permite observar que ela tornou as doações um costume da sociedade norte-americana. A ilantropia praticada por grandes corporações se tornou um instrumento de poder e de participação nessa sociedade, especialmente após 1913, quando foi rati icada pelo Congresso americano uma

53 Criada em 1950 pelo Congresso norte-americano, "to promote the progress of science; to advance the

national health, prosperity, and welfare; to secure the national defense". National Science Foundation. About NSF, disponivel em https://www.nsf.gov/about/ 6.

categoria no código tributário criada pelo Departamento de Tesouro, que passou a isentar as ilantropias originadas em grandes fortunas, ou por demandas e iniciativas populares (Zunz). Essa polı́tica de isenção iscal deu inı́cio a uma série de práticas categorizadas como ilantrópicas na sociedade, como também ao uso de fundos privados para o bem público, e ao que se seguiu em termos de cooperação entre ilantropos e autoridades governamentais. A evolução dessa combinação privado e público deu origem a um setor sem ins lucrativos - cujos integrantes são grupos com interesses e privilégios assegurados pela própria legislação (Arnove, 1980; Parmar, 2012; Zunz, 2012). Esses grupos são in luentes na economia e polı́tica norte-americana, e são capazes de cooperar com autoridades governamentais nos esforços de interesse público, particularmente quando trabalham em conjunto assuntos da esfera internacional. Igualmente são capazes de provocar alterações na polı́tica externa e atuar como complemento da diplomacia americana (Zunz, 2012: 6); e tem feito intervenções em debates fundamentais sobre direitos e questões sociais.

Logo, a ilantropia privada iniciada ao im do século XIX e institucionalizada pelas fundações a partir do séc XX, ultrapassou o entendimento da caridade, doação e benevolência individuais em prol de um alı́vio ou conforto sobre uma situação de penúria, passando a ser entendida como um investimento social - ao vincular administração de mercados e retorno em progresso social (Zunz, 2012: 295). Pela lei, houve a distinção entre o simples “dar” e o “compartilhar lucros”, e houve ainda a soma da isenção de impostos e dos benefı́cios à sociedade, que resultaram no apoio à ilantropia e à condição de benevolente aos próprios ilantropos - culturalizando no Paı́s, o costume da doação privada em prol do bem-comum.

Friedman (2003) observa que essa ilantropia privada vai além da doação, caridade e ilantropia praticada por Estados ou igrejas, os quais são motivados pela bondade ou ajuda a terceiros. Na ilantropia privada, como a praticada pelas " big three " , está presente a intenção de i mpor suas perspectivas para a construção de uma “boa sociedade” - promovendo o bem-estar, a cultura e o conhecimento - por meio de iniciativas que geram resultados coletivos ou públicos. Todavia, a caridade e a ilantropia podem, por vezes, terem signi icados múltiplos e mutáveis. Isso signi ica que por trás da benevolência podem existir interesses com signi icados variáveis

com o decorrer do tempo, assim como podem existir outras razões por parte dos ilantropos, além de visar somente o bem para o outro.

Roelofs (2007: 481) faz leitura semelhante, ao considerar que a criação das fundações por milionários respondia à intenção deles em doar a benevolência de modo ordenado; mas também ao interesse em in luenciar a opinião pública da época - que se apresentava hostil aos grandes capitalistas e aos trustes econômicos que se tornaram - para uma leitura a favor do progresso social. Arnove (1980) e Parmar (2015) vão de encontro a Roelofs, e observam que nessa ilantropia privada, controlada por grupos de poder e in luência, além da benevolência, há a intenção de controlar, in luenciar, e moldar a opinião pública e as polı́ticas públicas.

No entanto, esses expoentes da literatura convergem para a interpretação de que as fundações Rockefeller e Carnegie, e posteriormente a Ford, desempenharam um papel relevante na consolidação do moderno ensino superior dos norte-americanos nas primeiras décadas daquele século. Ao modernizarem a caridade para a ilantropia cientı́ ica (Parmar, 2012: 45), e las reestruturaram campos inteiros da educação, por meio de investimentos em educação e ciências; proporcionaram a ampliação das instituições acadêmicas, além de ajudarem na criação de um ambiente acadêmico universal e aberto à ciência e ao conhecimento (Zunz, 2012: 23-24).

Em 1915, já havia 27 fundações nos Estados Unidos. Em 1920, a ilantropia encontrava-se associada à concessão de dinheiro para especializações em ensino e pesquisa, e de possı́veis formuladores de polı́ticas; e as fundações norte-americanas continuavam a se expandir em números e em atividades - uma vez que os fundos europeus, por seu turno, tinham sofrido severos cortes com a Primeira Guerra Mundial ( Schmidt, 2003: 117-118) . Em 1938, aquele número era de 188 fundações no Paı́s (Zunz, 2012: 26, 169). Nesse cenário, as fundações se apresentavam como fontes legı́timas de uso da riqueza privada para ins públicos, e a caridade tinha irmado de que não era preciso a atuação de um forte governo central, assim como um estado de bem-estar social.

Entretanto, a partir de 1929, a Grande Depressão relativizou esse discurso de autorregulação da sociedade liberal, e gerou o endurecimento da administração

federal ao contornar a ação das fundações de modo mais colaborativo com as ações do próprio Estado norte-americano (Schmidt, 2003: 118), pois se via que, quanto mais ambiciosos eram os projetos das fundações, maior era o estreitamento delas com os assuntos nacionais (Zunz, 2012: 4). Essa ação mais colaborativa entre as fundações e o Estado foi igualmente ampliada para o contexto da polı́tica externa, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. As vésperas do inı́cio do con lito, as fundações Rockefeller e Carnegie investiram na rede atlântica, sobretudo na França e na Alemanha; na formação de novos centros de estudos; assim como no intercâmbio de alunos, professores e de quadros pro issionais (Schmidt, 2003: 120). Após a Segunda Guerra e no ambiente da Guerra Fria, as fundações exerceram um papel primordial nas diplomacias cultural e pública dos Estados Unidos, e foram instrumentos importantes para a polı́tica externa - particularmente, no momento em que Washington procurava conter a expansão do comunismo sem coerção, o Paı́s experimentava seu aumento de poder, e se veri icava o declı́nio polı́tico, econômico e cultural europeu (Parmar, 2010).

No campo do endurecimento com as fundações, houve também discussões correntes no meio polı́tico e no Congresso norte-americano nas décadas de 1950 e 196 0. Os debates envolviam a questão do interesse público na provisão de bens de caridade por parte de entidades privadas, a questão de como limitar a utilização desses bens na condução e na in luênc ia de polı́ticas públicas, e igualmente de como evitar que as fundações provocassem algum dano à ordem polı́tica do Paı́s. Uma das conclusões alcançadas na década de 1950, foi a de que a isenção de impostos ocorria para que as fundações se dedicassem a quem as criava e mantinha, ou seja, a sociedade. Consequentemente, elas tinham que ser cada vez mais responsáveis em seus atos perante o público (Arnove e Pinede, 2007; Parmar, 2012).

De todo modo, como Zunz (2012: 297-298) estatui, os governos de modo geral sentiam-se confortáveis com a ilantropia voltada à “caridade” especialmente em áreas sociais, de educação e saúde. Entretanto, o desconforto ocorria quando a ilantropia entrava no campo da formulação de polı́ticas, o que poderia acarretar em desa ios diretos a polı́ticas e governos.

Por im, a ilantropia está extremamente enraizada na vida americana: no

compromisso entre o lucro e a justiça social, e no elo entre liberdade individual e forte senso de comunidade. Nesse contexto, as fundações, como caracterizadas acima, constituem um fenômeno tipicamente norte-americano, e representam uma forma na qual os mais abastados têm de adaptar a ilantropia às necessidades de uma sociedade, e de contribuir para as polı́ticas públicas (Zunz, 2012: 22), ao tempo em que podem in luenciá-las.