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Fora do ambiente do Programa Fulbright, mas a ele relacionado, porque inseridos no contexto da cooperação educacional empreendida pelos Estados Unidos no Brasil durante a década de 1960, estavam os acordos entre o Ministério da Educação e a USAID, conhecidos como convênios MEC-USAID, cujos trabalhos

ajudaram a elaborar a Reforma Universitária de 1968 154 (Franzon, 2015). Dentro das perspectivas da Aliança para o Progresso e nas ambições e prioridades da diplomacia cultural norte-americana na América do Sul, e da leitura de afastar uma possı́vel ameaça comunista, 1965 fora eleito o Ano da Cooperação Internacional pelo Governo Johnson. Nesse contexto, o primeiro convênio MEC-USAID foi assinado em 23 de junho de 1965, visando a assistência dos Estados Unidos para o planejamento do ensino superior brasileiro e a formação de “um sistema ideal de ensino superior para o Brasil”, observadas a direção de mudanças, as necessidades para o desenvolvimento do Paı́s, assim como sugestões para currı́culos, métodos didáticos, programas de pesquisa, e estruturas organizacionais para as IES (Cunha, 1988: 175-176).

Um ponto de destaque é que esses convênios tiveram como origem a análise do ensino superior brasileiro feita em 1963 por quatro consultores norte-americanos contratados pela USAID, os quais ponderariam sobre a conveniência de um programa especı́ ico com o Brasil, dado que o ensino superior era entendido como “elemento da formação de recursos humanos e estes como meios para a produção industrial e para a produção agrı́cola”. O resultado foi a observação de um ensino superior “inadequado em termos qualitativos e quantitativos”, com exceção do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e da recém-criada Universidade de Brası́lia (Cunha, 1988: 168-169).

A agência norte-americana proporcionou 3.800 bolsas de estudos a brasileiros de 1965 a 1970. Além disso, a sua assistência técnica e inanceira apoiou cursos de pós-graduação e IES, como a Fundação Getúlio Vargas, ITA, Pontifı́cia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade do Pará e a Universidade de São Paulo, em diversas áreas, como Administração, Direito, Economia e as Engenharias Aeronáutica, Civil, Elétrica e Mecânica. Em outras iniciativas, a USAID também apoiou a formação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) em 1966, dando assistência posterior a ele. Neste

154 Reforma aquela que ao privilegiar o ensino superior público, associando ensino e pesquisa, abriu espaço

para o surgimento de um ensino privado destinado à “mera transmissão de conhecimentos de cunho marcadamente profissionalizante e distanciados da atividade de pesquisa”, e que era visto com limites para fomentar a formação intelectual e crítica dos indivíduos, especialmente naquele momento de mudanças políticas e sociais no Brasil, em clara referência ao período militar (Fernandes, 1975 apud Martins, 2009).

mesmo ano MEC e USAID assinavam novo convênio com vistas à “modernização da administração universitária” (Cunha, 1988: 221).

Nesse sentido, o ensino superior era visto pela USAID como o ponto focal para

o Brasil permanecer uma “sociedade livre” e “amigo próximo” dos Estados Unidos, pois o pensamento das futuras gerações dependeria dos professores universitários, os quais formariam os dirigentes da nação e os próprios mestres (Cunha, 1988: 170). A ênfase da assistência era dada especialmente para o nı́vel brasileiro de pós-graduação.

A interpretação de Cunha remete a duas conclusões. A primeira, apreciada largamente no estı́mulo norte-americano ao intercâmbio internacional e inclusive no Programa Fulbright, trata da observação de uma polı́tica de Estado 155 na condução da diplomacia cultural, a qual abrangia ações do Departamento de Estado, USIA e USAID. Polı́tica e diplomacia operavam os programas de intercâmbio (e continuam a operar no cenário da diplomacia pública), por meio da interação de vários setores do governo norte-americano e de grupos privados, com o meio acadêmico-cientı́ ico e a sociedade, como citado pelo presidente Lyndon Johnson:

The exchange programs begun two decades ago “have become an established part of our commitment to international understanding. That commitment is expressed through Congressional action, through the voluntary efforts of thousand of individual citizens, through our universities and colleges, and through national and local community organizations all across the country (President Lyndon B. Johnson, apud Board of Foreign Scholarships, 1965)

A segunda conclusão é que a observação de Cunha sobre o foco no ensino superior brasileiro também pode ser igualmente conduzida às diplomacias cultural e pública, assim como ao Programa Fulbright, e a atuação das próprias fundações

155 Pode-se extrair de Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004) que, em sentido amplo, as políticas de Estado

seriam aquelas que visam a concórdia, a paz, a ordem pública interna, a prosperidade, a potência (obtenção de recursos de poder) e a defesa da integridade externa nas relações com outros países - independente do governo ou partido que esteja no poder, dando uma ideia de continuidade e aperfeiçoamento àquilo que seja do interesse do próprio Estado nas suas estruturas organizacional, material e social. Esse tipo de política se difere das políticas de governo, as quais são baseadas em arranjos governamentais, propensos a oscilações conforme posições políticas, composições partidárias, demandas sociais ou de grupos de interesses, ou outros fatores que possam vir a intervir nessas relações (Oliveira, 2011). Em outras outras palavras, as políticas de governo são aquelas sujeitas a alterações ou abandono conforme as decisões da administração ou partido político que esteja no poder.

norte-americanas. Dado que dentro das orientações para a pavimentação da comunicação estratégica, cada qual a seu modo, os elementos-chave, entendidos por Nye como intérpretes e receptores da possı́vel in luência, passam em larga medida pelo ensino superior - a exceção poderia ser os artistas. Com a participação desses elementos (docentes, discentes e pesquisadores) é que se trabalha a disseminação de valores norte-americanos, a formação de lı́deres sensı́veis aos ideais daquela sociedade, a abertura de canais de entendimento e a composição de redes de conhecimento, como aquelas patrocinadas pelas fundações norte-americanas.

Vale ressaltar a questão do estı́mulo ao ensino do inglês no Programa Fulbright e nos convênios MEC-USAID, inclusive no campo natural de in luência de professores sobre alunos. Como visto, uma das orientações do Programa Fulbright, com o frequente apoio das fundações, era o treinamento de professores e a atenção para as técnicas de ensino do idioma. No convênio MEC-USAID de 1967 icou estabelecido uma reforma em todos os nı́veis de ensino brasileiros, a qual tinha como uma das orientações dadas pelo lado estadunidense “a obrigatoriedade do ensino da lı́ngua inglesa desde o primeiro ano escolar” (Franzon, 2015: 40622).

De todo modo, ao inal da década de 1960, no plano da diplomacia cultural norte-americana, cabe observar que a despeito das queixas brasileiras sobre os acordos agrı́colas e o uso dos empréstimos concedidos ao Brasil como “arma polı́tica” dos Estados Unidos, ao governo brasileiro naquele momento interessou as condições especiais oferecidas pelos norte-americanos para o inanciamento do desenvolvimento econômico. Do mesmo modo, o estabelecimento do Acordo de Intercâmbio Cultural, impulsionado pelo primeiro Acordo do Trigo (que viabilizou a chegada do Programa Fulbright ao Brasil), devia-se mostrar atraente por atender o interesse do governo brasileiro em criar condições para o estabelecimento de um programa educacional voltado à formação de uma elite técnico-universitária,

inanciado com fundos estadunidenses.

O governo brasileiro também fez reivindicações no âmbito do Programa Fulbright, especialmente para a concessão de apoios a áreas que dessem sustentação ao desenvolvimento industrial daquele perı́odo, a exemplo das Engenharias. Todavia, as condições para a instalação da Comissão Fulbright no Brasil não previam qualquer

apoio ao atendimento de necessidades particulares do Paı́s. O resultado foi que ao tempo em que a Comissão atendia as “outras áreas”, se dava mesmo prioridade às Humanidades em geral e às Ciências Sociais em particular, seguindo estritamente as orientações do Board of Foreign Scholarships.

Os convênios MEC-USAID, como seria de se esperar, foram alvo de intensas crı́ticas. Com efeito, os convênios concretizavam recomendações feitas em estudos produzidos por especialistas norte-americanos, durante o governo de João Goulart (1961-1964), mas que foram assinados no perı́odo militar. Assim, foram naturalmente vistos como a concretização da in luência imperial norte-americana sobre a universidade brasileira (Cunha, 1988).

O ponto relevante desta observação inal sobre a década de 1960 é que,

independentemente das interpretações dos diferentes governos ou das reivindicações brasileiras, em Washington se punha de modo consistente uma polı́tica de Estado direcionada à diplomacia cultural que se consolidava na prática na América Latina, concedendo uma nova dimensão às relações exteriores do Paı́s, especialmente no incentivo aos intercâmbios cultural e educacional. Nesse contexto, o Programa Fulbright era uma ferramenta de importância fulcral, por proporcionar o direcionamento de um projeto internacional de educação cooperativa a alcançar o mundo por meio do intercâmbio de estudantes, professores e pesquisadores (Board of Foreign Scholarships, 1965) - além de atender aos interesses estratégicos da polı́tica externa dos Estados Unidos. Igualmente, a diplomacia cultural, amplamente costurada em nı́vel governamental desde o inal da Segunda Guerra Mundial, e a diplomacia pública que vinha sendo construı́da mantinham seu curso ascendente na esteira do “mútuo entendimento” .

4.4 - A década de 1970 e assinatura do primeiro acordo de