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4. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

4.8 Desfechos primário e secundário

5.2.2 Grupo focal com agentes comunitários de saúde do Dendê

5.2.2.2 O ACS é tudo e é nada!

Na APS, o agente comunitário de saúde é um elemento fundamental no envolvimento da população para o enfrentamento dos problemas de saúde. É um profissional que conhece mais do que ninguém a comunidade onde atua, pois é da comunidade e a representa dentro do serviço de saúde. Suas atividades passaram a ser regidas pela Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006, a qual retrata que as atividades do ACS são: a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, o registro de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde; o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde; a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor da saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida (BRASIL, 2006).

No entendimento de Pinto e Fracolli (2010), o agente de saúde é a ponte entre o saber técnico das equipes de saúde ao saber popular nos diversos grupos sociais. Seu trabalho expressa três dimensões: de ordem técnica (atende pessoas e famílias com ações de monitoramento de grupos/doenças prevalentes e de risco, em visitas domiciliares e informação em saúde com base no saber epidemiológico e clínico); a de teor político (reorienta o modelo de atenção à saúde na discussão dos problemas e organização da comunidade, auxiliando no fortalecimento da cidadania, em visitas domiciliares e Educação em Saúde, com base nos saberes da saúde coletiva) e a dimensão da assistência social (há uma tentativa de se resolver questões, entre as quais a de acesso aos serviços).

A consolidação do SUS depende de uma série de fatores técnicos, políticos, sociais e econômicos. Dentre os agentes envolvidos nesse processo, o agente de saúde, sem dúvida, tem papel fundamental; no entanto, sob o ponto de vista institucional se observa a desvalorização do trabalho do ACS. Segundo o relato dos agentes de saúde, na prática, seu trabalho é solitário e contínuo, sofrendo pressão da comunidade que, reconhecendo nele um aliado, um porta-voz de suas necessidades, abordando-os em qualquer local,

independentemente do horário de trabalho, final de semana ou feriado, sendo fontes de informação permanente do processo de organização dos serviços de saúde. Como um personagem mediador de institucionalidade em relação à comunidade, sente-se angustiado por não conseguir atender às demandas da população, ensejando frustração e desestímulo no trabalho. Vejamos seus relatos:

[...] Não vou mentir, hoje eu não tenho esse estimulo todo. Só, eu não vou poder resolver a situação dos pacientes, do idoso, seja lá de quem for. Tem que ser a equipe, e a gente não tem isso (ZILDA, mulher). [...] eu vejo que vocês nos enxergam de outra forma, uma base, aquela coisa toda, mas a base na verdade também tem que ser estruturada. A própria categoria do agente de saúde vive em crise. Eu acho difícil alguém aqui ter aquela motivação para trabalhar, de fazer aquele serviço bom mesmo, entendeu

(ANA, mulher). [...] O ACS é tudo e é nada. O trabalho é bem complicado!

A gente já pediu muitas vezes, gritos de socorro, mas os gritos de socorro só ecoa aqui (CSF). Pronto, vamos tentar resolver! Na teoria é tudo maravilhoso, prática que é bom, não funciona... já estive estimulada para ir trabalhar no início (BHERTA, mulher). [...] existe a questão das áreas descobertas. Se a gente tem dificuldade com a nossas áreas, imagina com essas outras. Nós temos atribuições, colocam mais atribuições... na verdade, o que pratica muito aqui é desvio de serviço. (DULCE, mulher) [...] Na questão salarial, estamos recebendo esmola... se for depender de incentivarão financeira, já tinha quebrado que apartou, é uma imoralidade o que estamos ganhando (CARLOS, homem). [...] como agente de saúde, estou me dedicando para estudar para nunca mais depender disso, porque é uma vergonha, é uma falta de respeito com a gente, é a só pressão, pressão, pressão. A gente tenta ajudar a comunidade, se a gente quer fazer uma coisa, quando chega aqui é barrado (EMÍLIO, homem).

O ACS, como um integrante da comunidade, vive situações semelhantes às da população e se identifica com as suas condições de vida e saúde. Por isso, compreende as condições e os valores socioculturais da comunidade, bem como as suas necessidades.

Ultrapassando as dificuldades relacionadas às pressões que recebem na cotidianidade, provenientes do seu envolvimento com a população, os agentes vivenciam situações de risco, que os adoecem e os desmotivam ao trabalho. As falas dos agentes de saúde revelam a complexidade das relações laborais vivenciadas no Dendê, desvelando as situações de violência no cotidiano de trabalho:

[...] quer que eu diga uma coisa que deixa a gente muito constrangido: o nosso bairro foi e não foi, tem uma questão de briga, da violência, ai tem a questão de bala vai e bala vem. Os profissionais falam que não vão poder ir para área, porque a área está perigosa... mas a gente tem que ir (ANA,

mulher). [...] Mas a bala que pode pegar no médico, no enfermeiro, não

pode pegar no agente de saúde? Porque que a gente pode estar lá e eles não podem? Isso ai deixa a gente muito triste, é ou não é uma falta de estimulo?

(BHERTA, mulher). [...] A gente fica mal mesmo. A gente fica invisível para

o que esta acontecendo da violência lá fora. Ah, é porque a gente conhece as pessoas? Assim, um traficante não vai fazer nada com a gente? Isso é mentira. Eu mesmo fui assaltada por uma pessoa que mora na minha área, e aí? (ZILDA, mulher). [...] Por um lado, eles falam que a gente é um pilar, a gente é que faz a diferença, mas, por outro, a gente não é nada (CARLOS,

homem). [...] A maioria dos agentes de saúde que tentam fazer um trabalho

esta entrando em extinção. Tá falido a questão do agente de saúde

(CARLOS, homem). [...] fico só, não tem a questão de tá com eles fazendo o

trabalho. Eu tenho essa dificuldade e muito em relação a isso. Quando dá, a gente que tem que trazer as informações... não tem trabalho de equipe, não funciona. Se a gente que faz parte da equipe tem essa dificuldade, o que dirá eles lá fora... (DULCE, homem).

Dentre as diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), uma se refere à realização de atividades de prevenção e promoção de saúde do idoso. Nesse acompanhamento da pessoa idosa, é fundamentas que o ACS esteja capacitado para exercer plenamente suas funções.

De acordo com o estudo de Ferreira e Ruiz (2012), apesar de os ACS se reportarem bastante ao contato com os idosos, menos da metade referiu capacitação no tema envelhecimento. Relataram avaliações positivas quanto às atitudes perante a velhice em aspectos relacionados à sabedoria e à generosidade dos idosos, porém foram marcantes as atitudes negativas para "lentidão e rigidez". Além disso, foram observados estereótipos em relação ao idoso, na medida em que muitos agentes os consideravam insatisfeitos e dependentes.

Portanto, uma questão fundamental para o desenvolvimento do trabalho do ACS refere-se ao processo de capacitação. A transformação destes em sujeitos proativos deveria ser objetivo central dos programas de capacitação. Os ACS deveriam ser capacitados sobre os distintos aspectos da saúde-doença, inclusive naqueles relacionados à saúde da pessoa idosa. A seguir, vêm os relatos dos agentes de saúde do Dendê sobre capacitação em saúde do idoso:

[...] não tivemos treinamento, nem pra questão do idoso. Quer dizer, lá atrás, tivemos uma coisa bem superficial, nada detalhadamente, só uma palestra simples, que não tem esses resultados tão esperados. O treinamento foi com uns alunos da Unifor, não foi pela prefeitura (EMÍLIO, homem). [...] é como ele falou, o que eu me lembro, tivemos assim palestra, uma tarde toda, foi pela Unifor mesmo. Ouvi até dizer que tivemos treinamento para a caderneta do idoso. Não houve treinamento. Quando repassaram já estava com a data vencida pra botar as coisas sobre o paciente (ANA,

mulher). [...] nós não tivemos nada do idoso, ia ter capacitação, mas nunca,

nunca veio... alguém falou que a gente já tava capacitado, isso não é verdade, a gente não teve nenhuma capacitação (DULCE, mulher). [...] a caderneta do idoso, por sinal, no meu ponto de vista, eu já vejo ela como extinta. Porque particularmente, ninguém a utiliza (ZILDA, mulher). [...] independentemente pra mim não vai fazer tanta falta esse curso superficial, tipo palestra. É perda de tempo. (CARLOS, homem). [...] a capacitação devia incluir tudo, o idoso que é maltratado pela família para a gente ter como chegar a esses órgãos pra fazer alguma coisa. A capacitação da gente, eu acho muito importante. Toda capacitação é bem vinda. (BHERTA,

mulher).