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4. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

4.8 Desfechos primário e secundário

5.2.1 Entrevista em profundidade com idosos do Dendê

5.2.1.1 Categoria 1 Cheguei lá, não fui atendido

A Atenção Básica é o primeiro contato do paciente com o sistema de saúde. Portanto, diante de um problema de saúde, é frequente as pessoas procurarem um posto ou centro de saúde, principalmente quando possuem condição social desfavorável, não tendo outra opção. Esta descrição retrata um pouco da situação de muitos longevos do Dendê. Por outro lado, esse é o caminho a ser seguido pelos idosos usuários do SUS, segundo o que rege a PNSPI: a atenção à saúde da pessoa idosa terá como porta de entrada a Atenção Básica. No discurso dos longevos entrevistados, há dificuldade no acesso do idoso ao serviço de saúde da Atenção Básica.

O acesso é a forma como a pessoa experimenta o serviço de saúde, que, segundo Starfield (2004), permite ao usuário o uso oportuno dos serviços para alcançar os melhores resultados possíveis. Embora o acesso ao cuidado com a saúde para uma parcela considerável da população brasileira tenha aumentado desde a criação do Sistema Único de Saúde e da implantação do Programa de Saúde da Família, ainda assim, há muitos desafios perante as desigualdades sociais brasileiras.

A desigualdade se encontra tanto nas condições de saúde, como no acesso e utilização de serviços de saúde. No primeiro, há oportunidades diferenciadas em função da posição social da pessoa, já que grupos socialmente menos privilegiados denotam maior risco de adoecer e morrer, caracterizando situações de injustiça social. No segundo, a desigualdade

está no acesso e utilização de serviços de saúde, que recebe intensiva influência das características do sistema de saúde atual (TRAVASSO; CASTRO, 2012).

[...] Tô tão assim sem corage, com câimbra nas pernas por causa dessas veia, já fui marcar minha consulta, marquei hoje, [...] daqui a quatorze dias, mas é o jeito, a demanda tá... a demanda é muito grande a comunidade tá crescendo mas, se é grave? (ADÉLIA, 72 anos, mulher). [...] Se eu marco uma consulta, tá entendendo? E não fui, não fui atendido, que dizer, se fosse um problema mais sério, já tinha me lascado, nera? (CARLOS, 65 anos,

homem). [...] Meu Deus do céu, quantas vezes fui e vortei... sem conseguir

nada. Eu quero saber se é pela cara. Porque tem gente que disse que consegue. Devo ser muito feia mesmo, né! (MARTHA, 70 anos, mulher).

Exemplo dessa iniquidade no acesso é o atendimento dos brasileiros pelas equipes do PSF. Para Madeiro (2013), seis em cada dez moradores das 27 capitais brasileiras não são atendidos. Com a baixa cobertura de PSF nas capitais, como assegurar a atenção à saúde da pessoa idosa? Essa grita da população relativa à utilização dos serviços de saúde, diuturnamente, anda estampada nos jornais e revistas. Dessa forma, não nos surpreende essa situação refletida na fala dos idosos entrevistados, quando referem: Cheguei lá, não fui atendido!

Há períodos na vida de maior vulnerabilidade biológica, um dos quais decorre do envelhecimento. Esse período pode estar associado ao risco de ocorrências adversas, como declínio funcional, quedas, hospitalização, institucionalização e morte. A fragilidade nos

longevos decorre de uma síndrome multidimensional que envolve a interação complexa dos fatores biopsicossociais no curso de suas vidas. Como os idosos têm maior chance de adoecer, também têm mais necessidade de cuidados de saúde. E é essa necessidade o fator central na utilização dos serviços de saúde. Por isso, é nos extremos do ciclo de vida que a utilização dos serviços de saúde é mais intensa, como observado nas PNADs (2003, 2008), consoante é

Travasso e Castro (2012). Para esses autores, as pessoas que mais necessitam da utilização desses serviços, e que se concentram nos grupos sociais menos privilegiados, têm menor probabilidade de utilizar esses serviços. O acesso da pessoa idosa, desfavorecida socialmente, pelo PSF, é uma tentativa de assegurar o principio da equidade, tratando as diferenças na busca da igualdade. O que se observa, no entanto, na fala desses longevos é o descaso para com os agentes – os quais escreveram a história do País.

[...] Vou pro posto, vai doente hoje, vamos supor vou marcar pra mês que entra ainda, ta errado, não? É pra ser atendido naquela hora. Comé que você tá doente, vai pro médico hoje e vai marcar daqui um mês, marca lá? Marca? Daqui tal dia você vem, se você tá lascado mesmo, morre! Tinha que ser na hora. (MÁRIO, 69 anos, homem) [...] Mas o problema não é esse, o problema é social e clínico, clínico e social, quer dizer, quando eu não sou atendido pelo médico, aquele problema social me irrita, e ainda fico mais pior ainda, porra, vim pro médico, precisa fazer uma coisa, num é chato? Você se deslocar daqui, naquele horário certinho quando chego lá, não a doutora não veio. (CARLOS, 65 anos, homem) [...] Demora, uns quinze dias, às vezes um mês, ai é por vaga né, assim me disseram, assim eu fui e é assim mesmo. É muito tempo? É, mais, é meu patrão, mas é o seguinte eu sou um cara sincero, eu sou um cara analfabeto, sou um cara sincero, em todo canto é assim, você tem que entender que é isso mesmo.

(OLAVO, 75 anos, homem).

Nos discursos, os entrevistados tratam de barreiras de acesso aos serviços de saúde, dentre as quais as de teor organizacional. Estas barreiras expressam as características da organização dos serviços, da qualidade dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis que facilitam ou limitam sua utilização (TRAVASSO, CASTRO, 2012). A discussão desse tema é importante já que, segundo Starfield e Shi (2002), há evidências de que programas bem estruturados de atenção primária afetam positivamente o acesso, melhorando as condições de saúde das populações cobertas e conseguem reduzir desigualdades sociais em saúde.

O acesso e a utilização de serviços de saúde pelo grupo dos longevos mantêm semelhanças com o descrito para a população geral, conservando o padrão de desigualdades. De acordo com Lima Costa et al (2003), os idosos de baixa renda denotam piores condições de saúde e de estado funcional, procuram menos serviços de saúde e realizam menos consultas médicas. Por vezes, encontramos idosos conformados com os problemas organizacionais, sentindo-se satisfeitos apenas com a possibilidade de serem atendidos: eu sou um cara analfabeto, sou um cara sincero, em todo canto é assim, você tem que entender que é isso mesmo. Na verdade, esses idosos desconhecem seus direitos. A seguir, na Categoria 2, continuaremos tratando a dificuldade de acesso ao serviço de saúde, porém, com foco na atenção médica.