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Categoria 2 – Boniteza não compra beleza, o que precisa é médico

4. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

4.8 Desfechos primário e secundário

5.2.1 Entrevista em profundidade com idosos do Dendê

5.2.1.2 Categoria 2 – Boniteza não compra beleza, o que precisa é médico

O acesso aos serviços de saúde é, muitas vezes, visto pelos idosos como uma dificuldade em conseguir a consulta com o profissional médico. Isso se explica, em parte, pelo caráter de fundamentalidade da profissão médica, evidenciado na importância que a Medicina assume nas sociedades ocidentais modernas. Isso, entretanto, foi um processo sócio-histórico e cultural paulatino, no qual, pouco a pouco, a profissão médica foi se destacando. Autores como Foucault, Lacqueur e Rodhen relacionam esse fato às mudanças ocorridas na Medicina, área na qual o conhecimento científico se sobrepõe ao conhecimento mítico. Após o nascimento da Medicina científica no século XVIII e sua evolução no século XIX, pouco a pouco os médicos ganham destaque e poder na sociedade, enveredando também no âmbito legislativo. Nesse processo, um passo fundamental foi assumir a importância do processo saúde-doença. Para Tancredi, Barrios e Ferreira (1998, p.29), saúde-doença é um processo social caracterizado pelas relações do homem com a natureza (meio ambiente, espaço, território) e com outros homens (pelo trabalho, relações sociais, culturais e políticas) num determinado espaço geográfico e em certo tempo histórico. Ao assumir esse discurso, a Medicina aufere destaque também no campo social.

[...] O posto lá muito bonito pra fazer atendimento adequado. Só que hoje eu fui, a boniteza tá, mas a boniteza não compra beleza, nóis como idoso você sabe que a doença não manda avisar nem a morte, tá uma coisa assim, não tá controlada, que nos era pra ser, pra ter preferença, e não tem. Não tá controlada, não consegui ver o médico, é um impurra pra cá, impurra pra lá, e cadê o médico? (ADÉLIA, 72 anos, mulher) [...] eu cheguei aqui gripada, com febre e pedi pra butar pra ser atendida. Não! Porque o doutô não vem hoje. Pode butar pra qualquer doutô. Não pode! Voltei pra trás

(RAQUEL, 80 anos, mulher). [...] é muita enganação. Você vê aquilo tudo

bunito, mas que adianta se eu não vejo o médico. É difícil demais. Antes ia de madrugada pra tentar ser atendido, eu querendo vê o doutor, aí nada, nada, nada. (CORA, 61 anos, mulher).

Nesse contexto, o médico é alvo de reconhecimento da sociedade, e carrega em si um capital social e simbólico, intimamente ligado ao domínio do conhecimento científico sobre o diagnóstico, a terapêutica e a cura de doenças.

[...] no último dia que fui lá, eu tinha precisão que meu remédio tinha acabado, tenho problema de pressão. Mandaram eu ser atendido por um enfermeiro, aí eu disse pra moça lá, que eu não tava com ferida não, atendi bruscamente, porque já tava com pressão alta, tava com raiva mesmo, eu não tinha ferida no meu corpo pra ser atendida por uma enfermeira. A enfermeira que eu conheçi, na minha época, no meu tempo, era pra fazer um curativo, pra fazer, pra dá uma injeção e tudo né, eu tava, eu queria era um clínico pra poder me atender, aí não fui atendido, não fui mais não (CARLOS, 65 anos, homem). [...] é difícil. Tem que tá morrendo pra vê o douto. Nem isso. Outro dia, minha vizinha passou mal, disse que veio no posto e num foi atendida. E eu acredito. Sei não, quando a gente magina que as coisa melhora... nada. Tá difícil de conseguir vê o doutor. Só esse mês já fui duas vezes e nada. (CECÍLIA, 64 anos, mulher). [...] Se tem, uma dificuldade que eu sei, é que querem marcar pra bem longe, mas nós num tá duente é hoje? De que me servi? Ninguém liga pra pobi. Pode é morrer. Não tem nada contra ninguém, mas eu quero consultar com o doutô. (MARTHA,

70 anos, mulher).

O reconhecimento da importância do profissional médico na vida dos idosos é muitas vezes expresso em suas falas: só Deus pra dá a elas o que eu não posso arecompensar. Esse reconhecimento parte primordialmente da consulta que, para Spence (1960), citado por Pendleton (2011, p. 14), é a atividade central da medicina e, como tal, merece ser entendida.

Vários são os fatores que podem influenciar a consulta médica. No contexto imediato, o ambiente físico faz parte de influências não relacionadas ao paciente em uma consulta. Durante as entrevistas, relendo as falas e observando a linguagem não verbal, é notório que as queixas relacionadas à reforma da estrutura física do Centro de Saúde fazem parte de uma contestação que, frente a tanta “beleza”, não se consegue dar atenção a sua necessidade mais imediata, ou seja, conseguir uma consulta médica. Dessa forma, não é que o usuário ache desnecessária uma reforma no Centro de Saúde, que tem por finalidade o benefício de todos. Para Pendleton (2011, p. 53), os prédios e equipamentos podem ter influência sobre como o médico trabalha com seus pacientes, influenciando no humor do médico e do paciente. Não que seja impossível prover cuidados em circunstâncias adversas, mas é mais difícil manter a qualidade.

Outro ponto a ser observado é a falta de informação dispensada aos usuários do SUS. Um exemplo disso é que alguns usuários de serviços de saúde são levados a não reconhecer na Estratégia de Saúde da Família o trabalho desenvolvido em equipe e as atribuições dos outros profissionais de saúde. O desconhecimento da população em relação à Atenção Básica pode ser refletido nos números da fase quantitativa, pois 35 (39,1%) dos 99

idosos do Dendê referirem não conhecer o PSF. Todos esses idosos, entretanto, são usuários do CSF Mattos Dourado e 76 (77,5%) deles referiram saber quem é a equipe responsável pela área onde eles moram. Em virtude de tanta desinformação, por vezes, os usuários passam a desvalorizar a atenção prestada por outros profissionais de saúde, por desconhecerem sua área de atuação e o seu relevante papel na saúde pública.

Na área da saúde, é consenso o fato de que a avaliação da pessoa idosa deva ser desenvolvida por uma equipe multiprofissional, no intuito de quantificar as capacidades e os problemas de saúde, psicossociais e funcionais do idoso. Dessa forma, ante diversos olhares, será possível estabelecer um planejamento terapêutico a longo prazo e o gerenciamento dos recursos necessários de maneira mais adequada. Na Comunidade do Dendê, encontramos população de idosos de baixo poder aquisitivo, com ínfima escolaridade, vivendo em domicílios multigeracionais, com infraestrutura precária. Experimentam a vulnerabilidade social, cognitiva, física e funcional. Sendo assim, se faz necessário um suporte multiprofissional, com abordagem das condições agudas e crônicas, difusão de conhecimentos e recursos de reabilitação, bem assim com ações visando à inclusão social. A seguir, na Categoria 3, voltaremos a abordar a consulta médica à pessoa idosa sob a óptica da satisfação do usuário.