• Nenhum resultado encontrado

1. Introdução

1.3. Mecanismos fisiológicos de tolerância à salinidade

1.3.5. Acumulação de proteínas associadas à salinidade

A tolerância à salinidade está associada a modificações morfológicas e fisiológicas que resultam em grande parte de alterações nos padrões de expressão genética. A salinidade modifica a expressão genética, de tal modo, que alguns genes são expressos mais intensamente, enquanto que outros são menos, podendo mesmo ser reprimidos, o que se traduz no aumento dos níveis de algumas proteínas e na diminuição de outras, ou então na inibição da síntese e desaparecimento de determinadas proteínas (Parker et al., 2006; Timperio et al., 2008). No entanto, pode ocorrer a expressão de certos genes e ocasionar o aparecimento de novas proteínas, vulgarmente referidas por “proteínas de stress”. Estas proteínas têm merecido especial interesse por se admitir que estão diretamente envolvidas

na tolerância das plantas ao stress, pelo que se tem procurado esclarecer as funções das mesmas nas respostas de defesa e os mecanismos que regulam a sua síntese (Wahid et al., 2007; Bhatnagar-Mathur et al., 2008). Alguns autores consideram que a forma de esclarecer os mecanismos desenvolvidos pelas plantas para lidar com as condições ambientais adversas passa por identificar as proteínas que são induzidas em resposta ao stress (Parker et al., 2006; Xiao et al., 2009; Zörb et al., 2009). Por outro lado, é igualmente importante identificar os genes que codificam essas proteínas e que normalmente são expressos apenas na presença do fator de stress. Esta informação será extremamente útil no melhoramento genético para se conseguirem plantas melhor adaptadas ao stress, tal como Salekdeh & Komatsu (2007) exemplificaram para diferentes culturas. Apesar dos esforços, apenas algumas das proteínas associadas ao stress foram identificadas e conhecidos os processos fisiológicos em estão envolvidas. É o caso das proteínas LEA (‘Late embryogenesis abundant’) que, para além de serem características das sementes, acumulam-se nas plantas expostas a condições indutoras de défice hídrico como a secura, salinidade e temperaturas extremas, cuja função parece estar associada com a proteção dos componentes celulares dos efeitos nocivos da perda de água, nomeadamente evitar a formação de agregados proteicos e preservar a integridade das estruturas celulares (Goyal et al., 2005). Um outro grupo de proteínas, as dehidrinas surgem também associadas com a tolerância à secura e salinidade ao reduzirem o impacto negativo da desidratação e do stress oxidativo (Sun & Lin, 2010), embora Wise (2003) as tenha incluído no grande grupo das proteínas LEA. As proteínas de choque térmico (HSPs, ‘Heat shock proteins’) características da resposta ao calor e importantes na termotolerância como proteínas chaperonas, têm sido também detetadas em condições de secura e salinidade, à semelhança do que acontece com as LEAs, o que levou a admitir que contribuem para a homeostasia celular nessas situações (Timperio et al., 2008).

A tolerância salina de certos modelos experimentais e a variação observada entre cultivares tem sido explicada com base nas alterações do padrão proteico. Por exemplo, a adaptação de uma linha celular de tabaco a elevada salinidade esteve associada ao aumento dos níveis de determinadas cadeias polipeptídicas e à síntese de novo de um polipéptido de 26 kDa, que desaparecia após o cultivo da linha celular em meio sem sal (Ericson & Alfinito, 1984; Singh et al., 1985). Este polipéptido contribuía em cerca de 12% para a proteína total das células adaptadas ao NaCl e a sua síntese e acumulação coincidia com o ajustamento osmótico induzido não só pela presença do sal no meio de cultura, mas

também do PEG (Binzel et al., 1985; Singh et al., 1989). Esta proteína foi designada por osmotina pois parece estar envolvida na adaptação osmótica das células de N. tabacum e de S. tuberosum crescidas na presença do sal e do agente não iónico (LaRosa et al., 1989; Leone et al., 1994a). Trata-se de uma proteína alcalina com três isoformas conhecidas que está sobretudo localizada no vacúolo, embora se encontre também no citosol e associada às membranas plasmática e vacuolar (Singh et al., 1987). Apesar de estar associada com a tolerância à salinidade, permanece ainda por esclarecer a função biológica da osmotina, já que apresenta elevada homologia com a taumatina e com outras proteínas envolvidas nas reações de defesa contra os agentes patogénicos, sendo também acumulada em resposta à infeção por estes agentes. O facto de mostrar uma atividade antimicrobiana levou a que fosse considerada uma proteína PR (Afroz et al., 2011). Este aspeto sugere que há uma semelhança nos mecanismos utilizados pelas plantas para lidar com as várias situações de stress (Timperio et al., 2008). Provavelmente, os sinais que regulam a expressão dos genes envolvidos nas respostas de defesa aos vários stresses são comuns. Referiu-se já que as EROs atuam como moléculas sinalizadoras que modulam diferentes processos de defesa na planta, tendo sido sugerido que as células vegetais pressentem as EROs por via de fatores de transcrição sensíveis ao estado redox que, por sua vez, ativam a expressão das HSPs e de outras proteínas que têm um papel ativo de defesa, como é o caso das enzimas antioxidantes (Mittler et al., 2004; Miller et al., 2008). Também é conhecido que a expressão de diversos genes é regulada pelo aumento dos níveis endógenos de ABA, como acontece com o gene da osmotina e com alguns genes rab (‘responsive to ABA’) que são induzidos em resposta ao stress osmótico (Skriver & Mundy, 1990). É geralmente aceite que o ABA fomenta a tolerância ao stress pois, se por um lado, é evidente a sua acumulação nas células e tecidos vegetais na sequência do tratamento salino ou da exposição a situações de défice hídrico ou de baixa temperatura, por outro lado, a aplicação exógena de ABA acelera e aumenta a resistência de linhas celulares e de plantas a esses fatores de stress (Chandler & Robertson, 1994; Leone et al., 1994a; Pruvot et al., 1996). Esta aplicação resulta no aumento da expressão de genes como MnSod, CAT1 e GR1 e no aumento da atividade de enzimas antioxidantes (SOD, APX e GR) (Zhu & Scandalios, 1994; Bueno et al., 1998; Hu et al., 2005; Miller et al., 2010). Do mesmo modo, a aplicação externa da fitohormona aumenta a síntese da proteína CDSP 34 (‘Chloroplastic drought-induced stress protein’), mas não da CDSP 32, que apesar de ambas se acumularem nas plantas de batateira sujeitas à secura e a stress salino, pressupõe que um

outro sinal estará envolvido na indução da síntese da proteína de 32 kDa (Pruvot et al., 1996). Independentemente das vias de sinalização envolvidas na regulação da síntese das CDSPs, estas proteínas são abundantes nos cloroplastos das plantas expostas ao sal, pelo que foi proposto que a CDSP 32 acumulada no estroma participa na osmoregulação do organelo, enquanto que a CDSP 34 localizada nos tilacóides parece proteger a integridade destas estruturas e do aparelho fotossintético dos efeitos do stress oxidativo (Eymery & Rey, 1999; Broin et al., 2000).

Contudo, convém ressalvar que nem todas as proteínas sintetizadas em resposta ao stress participam em processos fisiológicos conhecidos, ou estão relacionadas com a defesa das plantas e envolvidas na recuperação da homeostasia celular perante as limitações ambientais. Para Singh et al. (1985) a maioria dessas proteínas aparece como uma resposta imediata da célula ao ambiente alterado, ou em consequência de danos celulares, e apenas algumas estão envolvidas na adaptação das plantas ao “novo ambiente”. Quando se estuda o efeito de fatores de stress no comportamento da planta, um aspeto a considerar é que algumas das alterações observadas no padrão de expressão de proteínas podem dever-se a lesões celulares. Por exemplo, situações de “choque”, caracterizadas pela exposição abrupta da planta ou linha celular a um fator de stress de elevada intensidade, podem conduzir a danos irreversíveis nos componentes celulares a nível das membranas e da conformação funcional das proteínas, ao passo que a exposição gradual ao fator em causa possibilita que as plantas ativem uma série de reações de defesa que as protejem e permitem que retomem o seu desenvolvimento num ambiente desfavorável (Leone et al., 1994b; Srivastava et al., 2004; Zörb et al., 2009). Assim, para conhecer os mecanismos celulares utilizados por um organismo para fazer face às perturbações no seu ambiente, é importante distinguir os polipéptidos cuja síntese está associada com a capacidade das plantas para lidar com o fator adverso daqueles que são produto de lesões na célula. A este propósito, Leone et al. (1994b) compararam o padrão de expressão proteica das células de batateira gradualmente adaptadas à presença do PEG com o padrão das células não adaptadas sujeitas a choque osmótico e verificaram que a síntese proteica não foi inibida nas células adaptadas, bem pelo contrário, a síntese de um conjunto vasto de proteínas aumentou, em contraste com o padrão das células sujeitas ao tratamento de choque em que a síntese proteica foi fortemente inibida.

As plantas, mais do que os outros organismos, estão sujeitas a perturbações ambientais súbitas, pelo que dependem da plasticidade do seu proteoma para se defenderem e

adaptarem a essas alterações. O proteoma de um sistema biológico não é estático, é afetado por múltiplos fatores como o ciclo celular, o tipo de tecido analisado e o estado fisiológico em que se encontra, e pelas mudanças nas condições do meio (Jorrín-Novo et al., 2009). Todos os tipos de stress afetam qualitativa e/ou quantitativamente o proteoma de um organismo, de um tecido ou de uma linha celular. Sabe-se que diferentes famílias de proteínas estão associadas com a resposta da planta ao stress, podendo ser sintetizadas de novo e/ou mais ou menos expressas na presença do fator de stress (Timperio et al., 2008). Entre outras funções, essas proteínas estão envolvidas na sinalização do stress e na transdução do sinal, na regulação da transcrição e tradução, nos mecanismos de defesa, no transporte de solutos (ex. transportadores ABC), no metabolismo dos hidratos de carbono e aminoácidos, na síntese de osmólitos ou no reforço da parede celular (Rensink et al., 2005; Yan et al., 2005; Ahsan et al., 2007; Bhushan et al., 2007; Zhen et al., 2007; Miller et al., 2008; Xiao et al., 2009; Manaa et al., 2011).

A eletroforese bidimensional (2-D) como técnica que permite a separação de proteínas com elevada capacidade de resolução, tem sido utilizada para analisar e comparar as alterações nos padrões de expressão proteica induzidas pelo stress salino, no sentido de se proceder à identificação das proteínas associadas à salinidade e obter pistas sobre as suas funções fisiológicas e possível envolvimento na tolerância. Aghaei et al. (2008) identificaram várias proteínas diferencialmente expressas pelo sal no proteoma caulinar de duas cultivares de batateira com diferente tolerância à salinidade em que se incluíam, entre outras, as proteínas de defesa (HSPs, osmotina, TSI-1 ‘Tomato Stress Induced‘, calreticulina), as proteínas envolvidas na fotossíntese (RuBisCo, anidrase carbónica) e na síntese proteica (glutamina sintetase). Enquanto que a maioria das proteínas com funções na fotossíntese e síntese proteica surgiam diminuídas em ambas as cultivares, as proteínas relacionadas com a defesa surgiam aumentadas apenas na cultivar definida como tolerante, com destaque para a osmotina que era detetada somente nesta cultivar. Já se referiu que a fotossíntese é um dos processos mais afetados pela salinidade e através da 2-D foi possível demonstrar o impacto da acumulação do Na+ nos cloroplastos de milho ao reduzir o nível de expressão de proteínas relacionadas com a maquinaria fotossintética (Zörb et al., 2009). O aumento da enzima RuBisCo ativase e de ferritina foi visualizado após a separação por 2-D das proteínas de plantas de arroz expostas ao stress salino, que mostrou também que as concentrações de algumas proteínas envolvidas na resposta ao stress oxidativo (SOD e APX) e de outras reconhecidas por participarem na fotorrespiração e no metabolismo do

carbono e do azoto surgiam aumentadas (Abbasi & Komatsu, 2004; Yan et al., 2005; Parker et al., 2006). Nesta cultura, Menezes-Benavente et al. (2004) já havia mostrado que a salinidade induzia o aumento da expressão dos genes envolvidos no sistema de defesa antioxidante das folhas e, segundo Parker et al. (2006), o aumento dos níveis de ferritina durante o stress salino é favorável para reduzir a produção do radical OH através da reação de Fenton.

A maioria dos resultados obtidos com recurso à 2-D aponta para a regulação das enzimas do sistema antioxidante não só pela salinidade, mas também por outras situações adversas, provavelmente em resultado do stress oxidativo (Castro et al., 2005; Ahsan et al., 2007; Zhen et al., 2007; Xiao et al., 2009). A análise funcional das proteínas diferencialmente expressas pela secura entre genótipos com diferente tolerância tem mostrado que a abundância das proteínas do sistema de defesa antioxidante é superior nas plantas mais tolerantes à falta de água (Kottapalli et al., 2009; Xiao et al., 2009; Xu & Huang, 2010; Zhao et al., 2011). Embora seja evidente que a concentração de algumas proteínas que intervêm na fotossíntese diminui pela exposição à secura, o decréscimo é mais acentuado entre as plantas sensíveis, o que parece indicar que a capacidade para manter a fotossíntese e o mecanismo de defesa antioxidante ativos são requisitos importantes na adaptação ao stress hídrico (Zhao et al., 2011).

Um outro fator comum a várias situações adversas é a indução de proteínas das famílias das PRs, nomeadamente as proteínas pertencentes à família das PR-10 que surgem aumentadas pelo stress salino, secura, exposição a herbicidas e ao ataque de agentes patogénicos (Pnueli et al., 2002; Kim et al., 2004; Srivastava et al., 2004; Castro et al., 2005; Jain et al., 2006).

Embora o stress salino diminua a abundância de grupos de proteínas com importantes funções no metabolismo celular, é certo que outros surgem aumentados, como acontece com as proteínas envolvidas na homeostasia redox e na defesa contra o efeito osmótico do sal que, à partida, contribuem para a tolerância salina. Se os estudos bioquímicos têm proporcionado informação útil sobre os processos utilizados pelas plantas para lidarem com a salinidade, a abordagem proteómica veio realçar a complexidade da resposta ao sal ao facultar novos dados sobre os mecanismos de adaptação e de regulação da expressão genética. A identificação das proteínas envolvidas na tolerância possibilita a identificação e clonagem dos respetivos genes, abrindo perspetivas ao desenvolvimento de plantas mais resistentes à salinidade por via da engenharia genética (Xiao et al., 2009).