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1. Introdução

1.2. A salinidade como fator de stress oxidativo

1.2.2. Produção de EROs nas células

As reações redox são processos essenciais no metabolismo das plantas, tal como em outros organismos, através das quais as células transformam e distribuem a energia necessária para a manutenção e crescimento celulares (Halliwell, 2006). Fazem parte de processos biológicos como a fotossíntese, a respiração e a fotorrespiração que por envolverem o oxigénio molecular são responsáveis pela formação das EROs plantas. Não é assim de estranhar o conceito inicial de que a presença do dioxigénio no ambiente celular constitua uma ameaça oxidativa para as estruturas e processos celulares, sobretudo nos compartimentos subcelulares onde estão presentes as cadeias de transporte de eletrões (Alschner et al., 1997; Foyer & Shigeoka, 2011). Com efeito, os cloroplastos são importantes fontes de EROs nos tecidos fotossintéticos, dado nestes organelos as concentrações de oxigénio serem mais elevadas (Steiger et al., 1977). Os centros de reação dos fotossistemas I (PSI) e II (PSII) localizados nos tilacóides são os principais responsáveis pela formação das EROs (Figura 1.6) (Miller et al., 2010). Em condições de elevado poder redutor (NADPH/NADP+), o O2 libertado pode ser reduzido em O2 pelos

componentes (ferredoxina) da cadeia transportadora de eletrões associada ao PSI (Scandalios, 1997). Uma vez que a ferredoxina transfere os seus eletrões para o NADP+ (via ferredoxina-NADP redutase), deduz-se que a quantidade de O2 formado está de certo

modo relacionada com a quantidade de NADP+ disponível que, por sua vez, depende da assimilação fotossintética do CO2 (Bowler et al., 1992). De facto, quando as plantas estão

expostas a condições ambientais suscetíveis de limitar a fixação de CO2, como acontece

em situações de secura e de salinidade devido ao fecho dos estomas em resposta à menor disponibilidade de água, é provável que ocorra um aumento da produção de EROs (Asada, 2006). Como é frequente nestas circunstâncias as plantas estarem sujeitas a uma intensidade luminosa que excede a capacidade de assimilar o CO2, para além de ser

favorecida a redução do O2 no superóxido (reação de Mehler), em plantas com fotossíntese

C3, como é o caso da batateira, é ativada a via da fotorrespiração com a consequente

formação de H2O2 (Foyer & Noctor, 2000). A baixa concentração de CO2 favorece a

oxigenação da ribulose 1,5-bifosfato através da RuBisCo para se formar o fosfoglicolato, que através da atividade da fosfoglicolato fosfatase presente nos cloroplastos é convertido no glicolato; este é posteriormente translocado para os peroxissomas onde é oxidado pela glicolato oxidase, gerando-se o glioxilato e a maior parte do H2O2 produzido durante a

fotossíntese (Figura 1.6). O peróxido de hidrogénio é decomposto pela catalase presente nos peroxissomas, enquanto o superóxido gerado pela redução do O2 nos cloroplastos é

convertido através da enzima superóxido dismutase (Cu/ZnSOD) próxima do PSI em H2O2

que, por sua vez, é reduzido a água pela peroxidase do ascorbato associada aos tilacóides (tAPX) numa reação conhecida como ciclo água-água (Figura 1.6) (Miller et al., 2010). À partida, a fotorredução do oxigénio em água através deste ciclo permite eliminar eficazmente o O2 e o H2O2 dos cloroplastos, evitando assim a sua interação com as

moléculas alvo e a formação do OH (Asada, 1999).

O 1O2 pode ser também formado nos cloroplastos durante a fotossíntese, quando a

clorofila do centro de reação do PSII transita para o estado excitado de tripleto e transfere a sua energia para o oxigénio molecular (Figura 1.6) (Bowler et al., 1992). Em condições normais, os antioxidantes presentes nas membranas tilacóides (carotenóides, α-tocoferol) são suficientes para eliminar o 1O2 e reagir com o estado tripleto da clorofila, mas podem

tornar-se insuficientes em condições de stress, como de luz intensa e de salinidade, que promovem o aumento da produção de 1O2 (Hideg et al., 2002; Pérez-López et al., 2010).

Além dos cloroplastos, os peroxissomas contribuem para a formação de EROs, especificamente do O2 por ação da xantina oxidase na matriz do organelo e de uma

pequena cadeia de transporte de eletrões na membrana, em que participam a flavoproteína ferricianida redutase dependente do NADH e um citocromo do tipo b (del Río et al., 2006). Já o H2O2 pode ser formado a partir da oxidação do glicolato durante a fotorrespiração,

disponibilidade de CO2 para a atividade da RuBisCo, como se viu atrás, bem como através

da atividade enzimática da flavina oxidase ou por intermédio do O2 numa reação

catalisada pela Cu/ZnSOD (Figura 1.6) (del Río et al., 2006; Jaspers & Kangasjärvi, 2010). Durante o metabolismo dos ácidos gordos, os glioxissomas produzem H2O2 durante o

processo de β-oxidação dos ácidos gordos (Mittler et al., 2004).

Figura 1.6 – Localização das vias de produção e de remoção de EROs nas células vegetais. O O2 e

H2O2 produzidos nos cloroplastos são removidos através do ciclo água-água, no qual intervêm a

superóxido dismutase (Cu/ZnSOD) e a peroxidase do ascorbato (tAPX); a enzima oxidase alternativa (AOX) associada às membranas dos tilacóides reduz a formação de O2. As EROs que

escapam do controlo deste ciclo e/ou são produzidas no estroma podem ser eliminadas através da SOD férrica (FeSOD) e do ciclo ascorbato-glutationa. A peroxirredoxina (PrxR) e a glutationa peroxidase (GPX) estão também envolvidas na remoção do H2O2 no estroma. No centro de reação

(LHC) associado ao fotossistema II (PSII), a clorofila (Chl) excitada no seu estado tripleto é responsável pela formação de 1O2. As EROs produzidas nos peroxissomas (Pr) durante a

fotorrespiração e/ou em consequência de outras reações são decompostas pela SOD, catalase (CAT) e APX. A SOD e os outros componentes do ciclo ascorbato-glutationa estão também presentes nas mitocôndrias (Mt) e no citosol. As NADPH oxidases (RBOHs) são as principais responsáveis pela produção de EROs no apoplasto. DHA, desidroascorbato; DHAR, DHA redutase; FD, ferredoxina; FNR, ferredoxina NADPH redutase; GLR, glutarredoxina; GR, glutationa redutase; GOX, glicolato oxidase; GSH, glutationa reduzida; GSSG, glutationa oxidada; MI, membrana interna; EMI, espaço MI; MDA, monodesidroascorbato; MDAR, MDA redutase; PGP, fosfoglicolato fosfatase; MP, membrana plasmática; PC, parede celular; RuBP, ribulose-1,5- bifosfato; Trx, tiorredoxina. Adaptado de Miller et al. (2010).

Apesar das mitocôndrias serem a principal fonte de EROs nas células animais, a sua contribuição para a produção destas espécies nas plantas é menor quando comparada com os cloroplastos e peroxissomas (Foyer & Noctor, 2005b). Uma exceção pode ser encontrada nos tecidos não fotossintéticos onde as mitocôndrias parecem ser o organelo mais importante na formação de EROs (Navrot et al., 2007). A cadeia transportadora de eletrões situada na membrana interna deste organelo contribui em grande parte para a produção de EROs através dos complexos respiratórios I e III. Durante a respiração, o oxigénio molecular pode ser reduzido nestes complexos formando radicais O2 que serão

depois convertidos em peróxido de hidrogénio. O oxigénio pode também interagir com os outros componentes reduzidos da cadeia mitocondrial de transporte de eletrões como as flavinas, o citocromo c ou a ubiquinona e gerar o O2 (Møller, 2001). Este radical, sendo

carregado, não atravessa a membrana da mitocôndria, acumula-se no seu interior sendo posteriormente reduzido a H2O2 através da SOD (MnSOD) (Figura 1.6) (Miller et al.,

2010). A presença da oxidase alternativa (AOX) na superfície interna da membrana mitocondrial contribui para reduzir a produção mitocondrial de EROs ao receber diretamente da ubiquinona os eletrões que seriam dirigidos ao complexo III da cadeia respiratória, reduzindo de imediato o oxigénio em água (Apel & Hirt, 2004).

Do mesmo modo que nos cloroplastos e peroxissomas, a produção de EROs nas mitocôndrias é aumentada por condições que interferem negativamente na fixação do CO2,

nomeadamente a secura e a salinidade (Navrot et al., 2007; Pastore et al., 2007). Nestas situações aumenta a respiração mitocondrial e a probabilidade da formação de EROs através da transferência dos eletrões do citocromo da cadeia respiratória para o O2

(Norman et al., 2004). Para Atkin & Macherel (2009) o facto da taxa respiratória aumentar nessas condições é uma forma de aumentar o ATP mitocondrial de modo a compensar a síntese reduzida desta molécula nos cloroplastos.

Embora menos relevante na formação celular de EROs do que os outros organelos, o apoplasto é referenciado como um local em que ocorre a produção de H2O2 em resposta ao

ABA e a situações de secura e salinidade (Hernández et al., 2001; Hu et al., 2005). As NADPH oxidases da membrana plasmática são as principais responsáveis pela formação das EROs induzida pelo ABA em situações de secura, bem como das EROs detetadas durante a interação incompatível entre a planta e o patogénio (Figura 1.5) (Torres & Dangl, 2005). Outras enzimas podem também intervir na produção apoplástica de EROs, como a oxalato oxidase que converte o oxalato em CO2 e H2O2, ou as amino-oxidases, bem como

as peroxidases ligadas à parede celular cuja atividade é induzida pela alcalinização da parede (Mittler et al., 2002).

Como se pode ver, nas plantas em condições normais são produzidas EROs em consequência da intensa atividade oxidante que decorre nos diversos compartimentos da célula. A formação dessas espécies é incrementada em situações ambientais adversas através das vias já referidas (fotorrespiração, transporte fotossintético de eletrões, respiração mitocondrial). A este propósito, Polle (2001) construiu um modelo metabólico e estimou taxas de produção de 240 µM s1 de O2 e de 0,5 µM s1 de H2O2 nos cloroplastos

em condições de crescimento normais, que aumentavam para valores da ordem de 240–720 µM s1 e de 5–15 µM s1, respetivamente, em situações de stress. Perante estes resultados, entende-se que as células tenham evoluído no sentido de desenvolver mecanismos capazes de removerem intracelularmente essas espécies reativas, de modo a evitar a ocorrência de stress oxidativo e todos os danos celulares associados a este fenómeno biológico. O controlo das EROs é conseguido através dos mecanismos de defesa antioxidante que têm como função evitar a sua acumulação e em caso de dano proceder à eliminação das moléculas afetadas (Gill & Tuteja, 2010).