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1. Introdução

1.4. Culturas in vitro como modelo para os estudos de salinidade

A importância das culturas in vitro foi durante muito tempo reconhecida pela sua aplicação na multiplicação de espécies de difícil propagação pelos métodos convencionais. A possibilidade da conservação de germoplasma e da produção de plantas isentas de doenças por via da cultura de meristemas aumentou o interesse pela cultura de tecidos para a seleção e propagação clonal (Brown & Thorpe, 1995). Além das aplicações práticas, a investigação em biologia vegetal também beneficiou com a utilização das técnicas de culturas in vitro, na medida em que estes modelos contribuiram para a aquisição de novos conhecimentos em áreas como a morfologia, fisiologia, bioquímica e genética (Fidalgo, 1995). Mas, talvez seja no campo da biotecnologia vegetal que as potencialidades da cultura de tecidos têm sido mais exploradas, onde deram um importante contributo no melhoramento de plantas ao serem usadas na hibridação somática, na indução de variação genética por mutagénese in vitro e seleção de mutantes, ou dando suporte à engenharia genética para a obtenção de plantas transgénicas (Brown & Thorpe, 1995; Oliveira, 2000; Hossain et al., 2006; Arzani, 2008).

A variabilidade genética é a base para um programa de melhoramento e, neste sentido, as culturas de tecidos também podem ser úteis pela variação somaclonal que induzem, permitindo obter variantes que durante a regeneração apresentam características que interessam preservar tais como a resistência a fatores de stress, biótico ou abiótico, ou com características melhoradas de produção (Larkin & Scowcroft, 1981; Brown & Thorpe, 1995; Mohamed et al., 2000; Jain, 2001; Arzani, 2008). Com efeito, a cultura de tecidos baseada na seleção in vitro é referenciada como um método alternativo viável para o desenvolvimento de plantas tolerantes ao stress. A seleção in vitro consiste na exposição de uma grande população de células/tecido caloso a um meio de cultura onde está presente o fator de stress e as células/tecido caloso que sobrevivem, mostrando tolerância a esse fator, são selecionadas. Em geral, dois métodos têm sido utilizados na obtenção das células tolerantes: i) a seleção gradual, em que as culturas de células são expostas a concentrações crescentes do fator de stress e ii) a seleção direta, no qual as culturas são expostas diretamente à concentração mais elevada desse fator sem qualquer tipo de aclimatação, daí este procedimento ser também conhecido por “tratamento de choque”. As linhas selecionadas poderão ser posteriormente transferidas para meios de cultura adequados à regeneração de plantas por embriogénese somática ou organogénese, ou então serem usadas como modelo experimental para o estudo dos mecanismos de tolerância a nível

celular (Miki et al., 2001; Sharry & Silva, 2006; Queirós et al., 2007; Hossain et al., 2007; Batková et al., 2008; Rai et al., 2011).

A seleção in vitro tem sido usada com sucesso para a obtenção de linhas celulares tolerantes à salinidade e à secura através da adição ao meio de cultura de NaCl e PEG ou manitol, respetivamente, havendo também referências à introdução de metais pesados com a finalidade de isolar células resistentes a estes elementos (Leone et al., 1994a; Rout et al., 1999; Santos et al., 2000; Mohamed et al., 2000; Samantaray et al., 2001; Davenport et al., 2003; Gandonou et al., 2006; Rout & Sahoo, 2007). Provavelmente, o NaCl tem sido o fator de stress mais utilizado na seleção in vitro a crer na lista de referências apresentada por Rai et al. (2011), onde são referidas diversas espécies em que foram conseguidas linhas celulares capazes de crescer na presença de concentrações de NaCl que prejudicam o crescimento da planta. Em algumas situações as linhas selecionadas foram utilizadas para a regeneração in vitro e posteriormente encaminhadas para os programas de melhoramento (Basu et al., 1997; Ochatt et al., 1999; Hossain et al., 2007; Hassan et al., 2008), mas na maioria dos casos as linhas foram caracterizadas a nível fisiológico e bioquímico com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos mecanismos subjacentes à tolerância à salinidade (Olmos & Hellín, 1996; Rodríguez-Rosales et al., 1999; Santos et al., 1999; Davenport et al., 2003; Gandonou et al., 2006).

Segundo alguns autores, a aplicação da biotecnologia no aumento da tolerância salina de várias plantas com interesse agrícola será bem sucedida se estiverem definidos para cada cultura os indicadores de tolerância salina aos níveis da célula e da planta intacta. Mas para tal, é importante esclarecer os mecanismos fisiológicos de tolerância à salinidade a nível celular e avaliar o impacto desses mecanismos na tolerância da planta para pôr à disposição dos melhoradores um conjunto de critérios que facilitem a seleção (Cheeseman, 1988; Munns, 1993, 2002; Shannon & Grieve; Ashraf & Harris, 2004; Mansour & Salama, 2004; Ashraf, 2009). Não tem sido fácil avaliar a tolerância salina de uma planta com base nos critérios vulgarmente utilizados (níveis de produção, taxa de crescimento, parâmetros biométricos ou outros), daí os critérios fisiológicos serem referidos como os mais objetivos para avaliar essa característica (Singh & Chatrath, 2001; Ashraf & Harris, 2004). A este propósito, e sabendo-se do envolvimento do sistema antioxidante na defesa das plantas contra o stress oxidativo induzido pela salinidade, Ashraf (2009) propôs a possibilidade das enzimas e/ou os metabolitos antioxidantes serem usados como critérios no rastreio da tolerância salina. Mas, apesar da maioria dos estudos relacionarem a tolerância ao sal com

a atividade antioxidante, existe uma variação notória entre espécies, e mesmo entre cultivares, pelo que não é possível validar este critério para todas as espécies (Ashraf & Harris, 2004).

Os mecanismos utilizados pelas plantas para alcançarem a tolerância salina são complexos, além de variarem com as espécies, são condicionados pela fase de desenvolvimento em que a planta se encontra, pela estrutura e funções dos órgãos que influenciam o comportamento da planta em ambientes salinos (Qureshi et al., 2007). Nesta perspetiva, as culturas de células em suspensão ou de tecido caloso crescidas em meios salinos constituem uma alternativa atrativa ao uso da planta intacta para estudar os mecanismos celulares de tolerância à salinidade, dado representarem um sistema experimental homogéneo, em que as variáveis do meio são facilmente controladas, que evita a complexidade fisiológica e estrutural da planta intacta e a interferência de fatores ligados ao desenvolvimento da planta (Leone et al., 1994b; Lutts et al., 2004).

Oportunamente foram descritas as diferentes estratégias que as plantas utilizam para lidar com a salinidade; se umas dependem de estruturas morfológicas ou da organização e especialização de células e de tecidos que existem na planta intacta, outras envolvem processos inerentes à própria célula. Apesar das culturas in vitro poderem constituir um modelo simplificado dos fenómenos fisiológicos que estão envolvidos na resposta das plantas à salinidade, elas permitem analisar a nível celular e molecular alguns desses fenómenos, que não seriam devidamente esclarecidos nos estudos em plantas (Ben- Hayyim et al., 1987; Leone et al., 1994b; Lutts et al., 2004). De notar, que muitas das características relacionadas com a tolerância das plantas ao sal refletem-se a nível celular (Cheeseman, 1988; Hasegawa et al., 2000; Mansour & Salama, 2004); a compartimentação vacuolar do Na+ e Cl−, o ajustamento osmótico e a indução do sistema de defesa antioxidante são alguns dos processos celulares já comentados que são utilizados pelas glicófitas e halófitas na adaptação a ambientes salinos (Munns & Tester, 2008). Além de que algumas das respostas observadas nas culturas de células em condições salinas são comuns às detetadas nas plantas nas mesmas condições (Ben-Hayyim et al., 1987; Binzel

et al., 1987, 1988; Olmos & Hellín, 1996; Gueta-Dahan et al., 1997; Vera-Estrella et al.,

1999; Davenport et al., 2003; Gu et al., 2004; Lutts et al., 2004; Anil et al., 2007; Batková

et al., 2008). De tal modo, as plantas têm sido substituídas pelas culturas in vitro nos

estudos de salinidade, em particular de tolerância salina, embora essa substituição implique uma correlação positiva entre os graus de tolerância das plantas e das culturas. Esta

correlação verifica-se em algumas espécies (Gossett et al., 1994b; Lutts et al., 1996c, 2004; Rus et al., 1999; Vera-Estrella et al., 1999), enquanto noutras as células em cultura tendem a apresentar maior tolerância salina do que as plantas intactas, havendo situações em que a tolerância é menor (Smith & McComb, 1981; Naik & Widholm, 1993; Perez- Alfocea et al., 1994; Hawkins & Lips, 1997; Bajji et al., 1998; Santos & Caldeira, 1999). Nos casos em que não existe paralelismo na tolerância salina entre os dois níveis de organização é provável que a resistência ao sal da espécie em causa dependa da organização anatómica e fisiológica que existe na planta intacta, daí as células em cultura não se mostrarem tolerantes, conforme parece suceder nas halófitas; em contraste, nas glicófitas verifica-se um elevado grau de correlação entre a resposta das plantas à salinidade e a das culturas in vitro, o que pressupõe que a tolerância nestas plantas é determinada por mecanismos que operam a nível celular (Smith & McComb, 1981; Naik & Widholm, 1993; Bajji et al., 1998; Mansour & Salama, 2004). Mesmo assim é importante comparar o comportamento das culturas in vitro com o das plantas expostas à salinidade antes das primeiras serem usadas como modelo experimental para estabelecer o grau de tolerância da planta, pois há que atender que as células em cultura crescem num ambiente hormonal, osmótico e nutricional diferente do das células na planta intacta, que poderá ter consequências a nível da regulação da expressão genética (Dracup, 1991; Perez-Alfocea et

al., 1994; Rus et al., 1999).

Embora se reconheça que as culturas in vitro não simulam com precisão as condições fisiológicas da planta, elas constituem um sistema experimental útil que já proporcionou uma série de conhecimentos sobre vários processos fisiológicos e bioquímicos das plantas, entre os quais, a tolerância salina. Apesar de alguma controvérsia em torno do seu uso como modelo biológico no estudo da tolerância salina, há quem considere o melhor sistema para distinguir os processos que operam a nível da célula daqueles que são específicos dos tecidos/órgãos e que dependem da integridade funcional da planta, com a vantagem adicional das culturas possibilitarem a obtenção de novos genótipos tolerantes (Gueta-Dahan et al., 1997; Bajji et al., 1998; Lutts et al., 2004; Rai et al., 2011).