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1. Introdução

1.5. Abordagens para aumentar a tolerância à salinidade

1.5.2. A batateira e a tolerância à salinidade

A batateira (Solanum tuberosum L.) é uma das cerca de mil espécies do género Solanum, que se destaca das restantes pelo elevado valor alimentar do tubérculo que produz e que a torna numa das principais culturas mundiais, a quinta mais produzida depois da cana-do- açúcar, milho, trigo e arroz. As plantas cultivadas de Solanum tuberosum L. pertencem à subespécie tuberosum, que se acredita que descende da subespécie andigena originária dos Andes que, após introduzida na Europa, ter-se-à adaptado às temperaturas e fotoperíodo deste continente (Rios et al., 2007). O tubérculo é um alimento muito rico em amido, que contém proteínas de elevada qualidade nutricional, com um padrão de aminoácidos bem adequado às necessidades humanas, e quantidades substanciais de vitaminas, nomeadamente de vitamina C e de algumas vitaminas do grupo B, e dos minerais fósforo, magnésio e potássio (Fidalgo, 1995). A batata recém-colhida contém cerca de 80% de água, e os restantes 20% de matéria seca são constituídos por uma quantidade de amido variável entre os 60 e 80%. O teor de proteína em termos de peso seco é idêntico ao dos cereais e o mais alto em comparação com outras culturas tuberosas, o que poderá justificar que seja a cultura não cerealífera mais importante na alimentação humana. Além de que é um alimento muito versátil, que pode ser preparado e servido numa variedade de maneiras, o que faz com que a batata seja muito popular em todo o mundo (Horton & Anderson, 1992; Fernie & Willmitzer, 2001).

De facto, a batateira é cultivada e consumida em muitos países distribuídos pelos cinco continentes, ocupando uma área total que excedeu os 18 milhões de hectares em 2010, e que correspondeu a uma produção global próxima de 324 milhões de toneladas, de acordo com os dados estatísticos da FAO. Mas é um setor que tem vindo a passar por algumas mudanças curiosas; se até ao início da década de 90 a maioria da produção e do consumo concentrava-se nos países da Europa e América do Norte, desde então, tem-se assistido na Europa a um decréscimo progressivo da produção de batata, a par de um aumento significativo em países da Ásia, África e América Latina, onde a produção aumentou das cerca de 30 milhões de toneladas em 1960 para mais de 190 milhões em 2010. Dados da FAO mostram que em 2005, pela primeira vez, a produção de batata dos países em desenvolvimento superou a dos países ditos desenvolvidos, tendo a China e a Índia mais impulsionado esse crescimento. De tal modo que hoje, a Ásia e a Europa são as principais regiões produtoras de batata do mundo, tendo em 2007 contribuído em mais de 80% para a produção mundial, apesar de ser nos países da América do Norte que se registam as

maiores produtividades (FAO, 2008). Em termos de consumo verifica-se a mesma tendência, um aumento do consumo por parte dos países em desenvolvimento, nomeadamente entre a população asiática que consome quase metade da oferta mundial de batata, mas a elevada taxa populacional nessa região faz com que seja ainda na Europa que se registam os maiores valores de consumo per capita (96 kg/pessoa/ano) onde a batata processada tem vindo cada vez mais a ser consumida. Apesar da área ocupada com a cultura ter vindo a decair neste continente, a Europa foi líder mundial na produção de batata durante o século XX, e mantém grandes países produtores como os países da antiga União Soviética e os da União Europeia (UE) como a Polónia, Alemanha, Holanda, França e Reino Unido (FAO, 2008).

Em Portugal, a batata é um produto tradicionalmente consumido pelos portugueses, em certas regiões do País constitui a base da dieta alimentar, o que lhe confere uma grande importância social e económica. Segundo os dados da balança alimentar, Portugal surge entre os países da UE que mais batata consome, embora o consumo nacional tem vindo a diminuir ao longo dos anos. À semelhança de outros países da UE, a área cultivada tem decrescido, tendo-se registado um decréscimo de 65,8% no período 1980-2007, para se fixar num valor próximo dos 26 mil hectares em 2010 (INE, 2010). Paralelamente, a produção nacional de batata também diminuiu durante esse período (63,6%), registando-se valores de produção da ordem das 384 034 toneladas em 2010 (INE, 2010).

Durante muito tempo, a batateira foi considerada uma cultura moderadamente sensível ao excesso de sal (Maas & Hoffman, 1977), embora mais recentemente tenha sido classificada como tendo tolerância moderada à salinidade (Katerji et al., 2000). À semelhança de outras glicófitas, o crescimento da maioria das cultivares de batata é negativamente afetado pela salinidade, bem como a produção de tubérculos (Levy, 1992; Levy et al., 1988, 1993; Heuer & Nadler, 1995; Elkhatib et al., 2004; Fidalgo et al., 2004). No entanto, num estudo anterior foi observado que níveis moderados de NaCl reduzem a produção de tubérculos com calibres não comercializáveis e aumentam o teor de matéria seca nestes órgãos (Nadler & Heuer, 1995). Sendo a fotossíntese um dos principais processos afetados pela salinidade, o conteúdo de clorofilas e a condutância estomática surgem diminuídos nas plantas de batateira expostas ao sal, juntamente com o teor de proteínas, apesar dos níveis proteicos aumentarem nas raízes (Heuer & Nadler, 1998; Fidalgo et al., 2004; Teixeira & Pereira, 2007). A maior sensibilidade da batateira à salinidade durante a fase de abrolhamento dos tubérculos leva a que o abrolhamento e a

emergência das plantas sejam prejudicados pelo excesso de sal (Shannon & Grieve, 1999), embora Levy (1992) considere que a tuberização é uma fase particularmente suscetível à salinidade, o que faz com que a produção seja reduzida.

É provável que as diferentes considerações acerca da tolerância salina da batateira resultem de diferenças entre as cultivares testadas, dada a tendência para as temporãs serem menos suscetíveis à salinidade do que as cultivares tardias, ou do tipo de ensaios realizados, pois na maioria dos estudos a tolerância salina foi avaliada em ensaios de campo e localizados em regiões áridas (Levy, 1992; Levy et al., 1988, 1993; Heuer & Nadler 1995, 1998; Elkhatib et al., 2004). É sabido que os fatores mais limitantes para a batateira são o calor e a falta de água e de cálcio, e caso estes não sejam devidamente controlados nos ensaios de tolerância certamente irão influenciar a resposta da planta ao sal (Shannon & Grieve, 1999). Backhausen et al. (2005) verificaram que as plantas da cv. Désirée resistiram ao tratamento prolongado com 300 mM de NaCl quando mantidas sob elevada humidade relativa, enquanto que as plantas sujeitas a baixa humidade atmosférica acabaram por ser danificadas de um modo irreversível pela salinidade. Nesta perspetiva, a utilização das culturas de tecidos de batateira como modelo experimental para os estudos de salinidade e, em particular, de tolerância salina poderá ser uma alternativa vantajosa aos ensaios de campo que, além de não assegurarem um ambiente controlado, envolvem elevados custos de manutenção (Naik & Widholm, 1993; Martinez et al., 1996; Hawkins & Lips, 1997; Zhang & Donnelly, 1997; Rahman et al., 2008).

As potencialidades das culturas de tecidos para induzir variação somaclonal podem ser aproveitadas para melhorar os genótipos de batateira existentes, já que são frequentes as alterações fenotípicas nas plantas regeneradas a partir de diversos tipos de culturas (Espinoza et al. 1986; Rietveld et al., 1991; Fidalgo, 1995). Assim, há toda a vantagem em recorrer às culturas de tecidos de batateira para a obtenção de plantas mais resistentes ao stress salino por via da seleção in vitro de linhas tolerantes ao sal. Já em 1987, vários autores referiam a possibilidade das culturas de tecidos serem usadas no melhoramento da batateira, não só da tolerância salina, mas também de outras características, uma vez que as técnicas tradicionais têm-se revelado lentas e imprevisíveis na obtenção de novos genótipos (Bajaj, 1987; Rietveld et al., 1987). Opinião partilhada por Mullins et al. (2006) que, tendo em conta que são necessários pelo menos quinze anos para se desenvolver uma nova cultivar de batata através das técnicas de melhoramento tradicionais, defenderam a importância da biotecnologia para se modificarem certos aspetos funcionais da cultura e

para se criarem novas oportunidades para a utilização da batata para outros fins que não alimentares.

A tecnologia in vitro sempre foi usada com sucesso em estudos relacionados com a batateira, sendo a primeira planta com interesse económico em que a biotecnologia foi aplicada com êxito (Espinoza et al., 1986; Bajaj, 1987). Uma das aplicações mais difundidas terá sido a produção de microtubérculos em alternativa às plantas micropropagadas por estacas caulinares, apesar destas serem ainda bastante procuradas para se obterem tubérculos isentos de agentes patogénicos (FAO, 2008). As culturas de tecidos com o auxílio das técnicas de biologia molecular trouxeram também novos conhecimentos sobre o modo como a cultura interage com determinadas pragas e doenças e lida com os diferentes fatores de stress abiótico. Esses conhecimentos juntamente com a possibilidade de transformar geneticamente a batateira permitiram já produzir plantas com maior resistência a agentes patogénicos e a determinadas pragas, e espera-se que no futuro outras características venham a ser melhoradas, particularmente os aspetos qualitativos do tubérculo, uma vez conhecido o genoma da planta (Mullins et al., 2006).