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1. Introdução

1.2. A salinidade como fator de stress oxidativo

1.2.1. Espécies reativas de oxigénio

Nas plantas, tal como em outros organismos aeróbios, o oxigénio molecular é particularmente importante para a produção eficiente de energia ao ser usado como o aceitador final de eletrões na respiração (Scandalios, 1997). Sob a forma molecular, o oxigénio é pouco reativo, no entanto, durante o processo em que é reduzido a água, formas intermediárias parcialmente reduzidas são geradas, formando-se então as EROs (Scandalios, 1993). As espécies reativas de oxigénio são produzidas a partir da transferência do excesso de energia para o O2 para formar o singleto de oxigénio (1O2) ou

da transferência de um, dois ou três eletrões para o O2 formando-se, respetivamente, o

radical superóxido (O2), o peróxido de hidrogénio (H2O2) ou o radical hidroxilo (OH)

(Figura 1.4) (Mittler, 2002).

Figura 1.3 – Relação entre a formação e a remoção das EROs. Em condições normais essa relação encontra-se em equilíbrio. A exposição a situações adversas perturba esse equilíbrio, levando ao aumento dos níveis intracelulares de EROs e ao stress oxidativo. Se o aumento da formação de EROs não é compensado pela sua remoção através do sistema de defesa antioxidante, estas espécies podem causar sérios danos celulares. Adaptado de Gill & Tuteja (2010).

Figura 1.4 – Interconversão das EROs derivadas do O2. O oxigénio no seu estado molecular

(O2) pode ser ativado por excesso de energia, sendo revertida a rotação de um dos eletrões

sem par do singleto de oxigénio (1O2). Em alternativa, a redução de um electrão (e) conduz à

formação do radical superóxido (O2). As reduções subsequentes levam à formação do

peróxido de hidrogénio (H2O2), do radical hidroxilo (OH 

) e água. Os iões metálicos que estão normalmente presentes nas células na forma oxidada (Fe3+) são reduzidos na presença do O2

e, consequentemente, podem catalisar a conversão do H2O2 a OH pelas reações de Fenton ou

Haber-Weiss. Adaptado de Vranová et al. (2002).

Em contraste com o oxigénio molecular, as EROs têm um elevado poder oxidante, podendo reagir com muitos componentes celulares, afetar diversos processos celulares e levar à morte celular (Dat et al., 2000). O singleto de oxigénio é uma molécula altamente reativa quando comparada com o dioxigénio (O2), podendo transferir a sua energia para

outras moléculas biológicas ou reagir com elas, como é o caso dos lípidos das membranas celulares para formar os hidroperóxidos (Halliwell, 2006). Por sua vez, o radical superóxido (O2) não tem capacidade para atravessar as membranas celulares, sendo

rapidamente dismutado a H2O2. Sabe-se que este radical pode reduzir quinonas, bem como

os metais de transição Fe3+ e Cu2+, afetando assim a atividade das enzimas que contêm estes metais (Bartosz, 1997). Em soluções ácidas, o O2 pode ser protonado formando o

radical hidroperóxido (HO2), que pode atravessar as membranas e reagir com os ácidos

gordos insaturados das membranas celulares, para produzir os hidroperóxidos lipídicos que estão envolvidos na peroxidação lipídica (Halliwell, 2006). Não sendo um radical livre segundo a definição, mas capaz de promover a formação do radical hidroxilo (OH) (Halliwell, 2006), o peróxido de hidrogénio (H2O2) é uma molécula mais estável do que o

superóxido, mas que pode ser mais importante na propagação do stress oxidativo, uma vez que atravessa as membranas celulares, podendo difundir-se e atuar a alguma distância do seu local de produção (Bartosz, 1997). O H2O2 pode inativar enzimas pela oxidação dos

estas libertem o ião metálico e percam a sua atividade biológica (Scandalios et al., 1997). Sabe-se que as enzimas do ciclo de Calvin nos cloroplastos são extremamente sensíveis ao H2O2 e que elevados níveis inibem diretamente a fixação do CO2 (Scandalios, 1993).

Contudo, a reação mais nociva do H2O2 consiste na formação do radical hidroxilo na

presença de iões metálicos através das reações de Fenton ou de Haber-Weiss (Figura 1.4) (Asada, 1999). De acordo com vários autores, a toxicidade do O2 e do H2O2 deve-se

sobretudo à conversão destes no radical hidroxilo, sendo este considerado a espécie mais reativa de oxigénio, não existindo mecanismos de a eliminar da célula (Imlay & Linn, 1988; Bowler et al., 1994; Noctor & Foyer, 1998; Davey et al., 2000). Com efeito, o OH é capaz de reagir com todas as moléculas biológicas, de forma rápida e indiscriminada, promovendo a desnaturação de proteínas, a inativação de enzimas e de outras proteínas funcionais, a peroxidação lipídica nas membranas e outros danos nos componentes celulares que conduzem frequentemente a disfunções metabólicas irreparáveis (Halliwell & Chirico, 1993; Scandalios, 1993; Bartosz, 1997). Inclusive, este radical provoca mutações e quebras na cadeia de DNA e, dado que as células não dispõem de nenhum mecanismo enzimático para eliminar especificamente esta ERO, a sua acumulação pode ser responsável pela morte celular (Imlay & Linn, 1988; Dat et al., 2000). Para além das EROs produzidas pela redução sucessiva do oxigénio, poder-se-á também incluir nesse conjunto os produtos de reações secundárias das EROs já referidas com outras moléculas como, por exemplo, o peroxinitrito (ONOO) resultante da reação do radical O2 com o

óxido nítrico, ou então os produtos de reação das EROs com os lípidos insaturados das membranas celulares no processo conhecido por peroxidação lipídica (Bartosz, 1997; Apel & Hirt, 2004).

A peroxidação lipídica talvez seja o efeito citotóxico primário das EROs pois desencadeia uma série de alterações na célula, o que faz com que seja vulgarmente utilizada para avaliar o grau de stress oxidativo (Gill & Tuteja, 2010). A reação das EROs com os ácidos gordos das membranas lípidicas leva à destruição gradual da integridade destas estruturas, o que se traduz num aumento da permeabilidade das membranas celulares e consequente perda de seletividade para a entrada e/ou saída de iões, nutrientes e de substâncias tóxicas à célula, podendo mesmo culminar com a morte celular. Os danos nas membranas intracelulares afetam a atividade respiratória das mitocôndrias, provocam a degradação de pigmentos com a consequente perda da capacidade de fixação do carbono nos cloroplastos (Scandalios, 1997).

Embora o aumento dos níveis de EROs possa constituir uma ameaça para o metabolismo celular, as evidências sugerem que as EROs atuam como moléculas sinal na ativação das respostas de defesa aos fatores de stress (Mittler, 2002; Vranová et al., 2002; Mittler et al., 2004). Atualmente admite-se que as EROs podem assumir uma dualidade de funções dependendo das concentrações em que se encontram na célula; se por um lado, os elevados níveis de EROs são responsáveis por causarem danos oxidativos nas células, podendo mesmo levar à sua morte, por outro, a níveis moderados parecem ser usadas como mensageiros secundários na via de transdução do sinal em vários processos de resposta ao stress (Dat et al., 2000, 2003; Foyer & Noctor, 2005a; Miller et al., 2010). Provavelmente, a morte celular programada associada à resposta de hipersensibilidade, característica da interação incompatível planta-patogénio, é um dos exemplos melhor estudados que mostra o envolvimento das EROs na resposta à infeção pelo patogénio (Levine et al., 1994; Lamb & Dixon, 1997; Torres & Dangl, 2005). A indução da morte celular no local de ataque do patogénio coincide com o aumento da produção de EROs, vulgarmente referido por “explosão oxidativa”, considerado essencial não só para o processo de morte celular durante a resposta de hipersensibilidade, mas também para a indução dos mecanismos de defesa contra os fatores de stress abiótico (Mittler et al., 2004; Torres & Dangl, 2005). Segundo Foyer & Noctor (2005a), a “explosão oxidativa” representa um sinal que comunica às células as alterações no ambiente em redor para que ocorram os ajustamentos necessários, em termos de expressão genética e de estrutura da célula, que permitam à planta lidar com essas alterações e se adaptar à nova condição ambiental.

São vários os trabalhos que realçam o papel das EROs, particularmente do H2O2 como

molécula sinalizadora do stress, intervindo numa série de respostas de defesa da planta, bem como em algumas das respostas reguladas por fitohormonas (ABA, auxinas) (Figura 1.5) (Neill et al., 2002a,b; Wrzaczek et al., 2010).

Embora menos reativa com a maioria das moléculas orgânicas do que as restantes EROs, o H2O2 atinge maiores concentrações in vivo e destaca-se na propagação do sinal oxidativo

por ser uma molécula que se difunde rapidamente através das membranas biológicas para locais distantes do seu local de produção (Foyer et al., 1997). Na tentativa de esclarecer o papel do H2O2 como molécula sinal, vários estudos mostram o seu envolvimento na

indução da morte celular programada durante a resposta hipersensitiva e na expressão de genes durante as respostas de defesa (Prasad et al. 1994; Lamb & Dixon, 1997; Desikan et

al., 1998; Karpinski et al., 1999). Em soja e em A. thaliana verificou-se que o H2O2

induziu a expressão dos genes que codificam a glutationa S-transferase (GST) e a glutationa peroxidase (GPX), enzimas que participam na remoção das EROs e de produtos resultantes da ação destas (Levine et al., 1994; Desikan et al., 1998; Rentel & Knight, 2004). O H2O2 levou também à expressão da peroxidase citosólica do ascorbato em

culturas de embriões da planta de arroz (Morita et al., 1999), tendo os trabalhos realizados em milho demonstrado a ação do H2O2 na regulação da expressão dos genes da catalase

(CAT), nomeadamente na indução dos genes CAT1 e CAT3 em situações de stress osmótico e de lesão (Polidoros & Scandalios, 1999; Guan et al. 2000; Guan & Scandalios, 2000). Curiosamente, em batateira o aumento na atividade da catalase foi atribuído ao efeito do H2O2 na expressão do gene CAT2, um resultado que foi acompanhado pela

presença de peroxissomas com inclusões paracristalinas nas células (Almeida et al., 2005). No estudo conduzido por Lopez-Huertas et al. (2000) verificou-se que vários fatores de stress que geravam H2O2 resultaram na proliferação de peroxissomas devido à indução dos

genes (PEX) necessários à biogénese deste organelo, que foram também expressos após o

Figura 1.5 – Importância do H2O2 como molécula

sinalizadora em vários processos de defesa na planta. A seta cinzenta representa os principais agentes responsáveis pela produção de H2O2

(condições ambientais desfavoráveis e diversas oxidases) e a seta preta indica os potenciais efeitos do H2O2 nas células.

Adaptado de Neill et al. (2002a).

tratamento das plantas com solução de H2O2. Apesar dos peroxissomas serem um local de

produção de EROs na célula, estão também presentes as moléculas e enzimas com ação antioxidante, pelo que este organelo poderá ser importante na regulação do estado redox da célula. Do mesmo modo, Hanqing et al. (2010) detetaram que a acumulação do H2O2 em

plantas de arroz sujeitas a stress salino aumentou a capacidade da via respiratória alternativa ao induzir a expressão dos genes (AOX) que codificam a oxidase alternativa, uma via que contribui para reduzir a produção de H2O2 nas mitocôndrias em condições de

salinidade. Quando inibiram nessas plantas a acumulação endógena do H2O2, a expressão e

atividade da oxidase alternativa diminuiram, o que se traduziu num aumento da produção de EROs. Do que foi referido, deduz-se que o H2O2 induz a expressão dos genes que

codificam as proteínas envolvidas na sua degradação, além de ativar os genes envolvidos na sua síntese através da via das NADPH oxidases e outras oxidases, o que pressupõe a existência de um complexo mecanismo que regula o estado oxidativo da célula (Neill et

al., 2002a; Swanson & Gilroy, 2010).

Perante a possibilidade do H2O2 poder induzir tolerância aos fatores abióticos, em vários

trabalhos procedeu-se à aplicação exógena do peróxido tendo-se verificado, por exemplo, que as plântulas de milho tornavam-se tolerantes ao frio e que plantas de batateira micropropagadas de explantes nodais tratados com H2O2 eram mais tolerantes ao calor,

enquanto as folhas de A. thaliana pulverizadas com H2O2 ficavam protegidas do excesso

de luz (Prasad et al. 1994; Lopez-Delgado et al. 1998; Karpinski et al., 1999).

Com base nos exemplos referidos é evidente o papel do H2O2 na sinalização de situações

adversas com efeitos na ativação da expressão de genes relacionados com a defesa da célula, entre outras estratégias que são induzidas na planta em resposta ao H2O2 (Figura

1.5). Embora não sejam ainda conhecidos todos os componentes da via de transdução do sinal desde a perceção do H2O2 (ou de O2) até à expressão dos genes de defesa, o influxo e

aumento do cálcio citosólico é um dos primeiros fenómenos de sinalização regulados pelo peróxido de hidrogénio, com efeitos na ativação de uma série de cínases e indução de fatores de transcrição (Neill et al., 2002b; Mittler et al., 2004; Rentel & Knight, 2004). Uma vez que a produção de H2O2 é uma consequência comum a diversos fatores de stress

e que o aumento intracelular do cálcio está associado à generalidade desses fatores, é provável que haja uma certa sobreposição nas vias de transdução do sinal utilizadas pelas plantas na indução das respostas adaptativas através de um fenómeno mediado pelo H2O2 e

Apesar das EROs terem sido consideradas ao longo de muito tempo como produtos citotóxicos do metabolismo aeróbio que se acumulam nas células durante as condições de stress, sabe-se atualmente que essas espécies, em particular o H2O2, são componentes

centrais na resposta e adaptação das plantas ao stress onde funcionam como moléculas sinalizadoras, parecendo cada vez mais importante o papel das EROs na regulação do estado redox das células, nomeadamente em processos de transdução de sinal (Jaspers & Kangasjärvi, 2010). Mas para que as EROs atuem como moléculas sinal e ativem os mecanismos de defesa, os seus níveis intracelulares devem ser mantidos sob um controlo estrito, pois em caso de concentrações elevadas podem ocorrer danos oxidativos e eventualmente a morte celular (Miller et al., 2010). Do equilíbrio entre a produção de EROs pelas várias fontes intracelulares e a sua remoção através dos mecanismos de defesa antioxidante é determinada a função destas espécies na célula (Miller et al., 2008).