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1. Introdução

1.3. Mecanismos fisiológicos de tolerância à salinidade

1.3.3. Acumulação de solutos compatíveis

A compartimentação do Na+ e Cl− no vacúolo requer um aumento coordenado da pressão osmótica nos restantes compartimentos subcelulares e no citosol de modo a que estes mantenham a sua turgescência e volume (Munns & Tester, 2008). Isto pode ser conseguido através da síntese e acumulação no citosol e organelos de solutos orgânicos, que não interferem com a atividade metabólica normal, mesmo estando presentes em elevadas concentrações, daí serem conhecidos por solutos compatíveis. Inclusive, muitos deles parecem ter uma função protetora contra os efeitos nocivos da salinidade, pelo que é frequente a designação de osmoprotetores (Tester & Davenport, 2003). Mas este processo de ajustamento osmótico não só é necessário para equilibrar a pressão osmótica do citosol com a do vacúolo, como assume especial importância nas espécies que excluem o sal como mecanismo de resposta à salinidade, que dependem da acumulação de compostos orgânicos, ou de iões como o K+ e o Ca2+, para evitar a perda de água das células (Hasegawa et al., 2000). Como se referiu atrás, em termos energéticos é mais penalizador para a planta depender em pleno da acumulação de metabolitos orgânicos para aumentar a sua tolerância osmótica em ambientes salinos, pois a síntese destes solutos envolve um elevado consumo de fotoassimilados que são desviados de outros processos metabólicos essenciais no crescimento das plantas (Munns & Tester, 2008). Estudos feitos em tomateiro e na planta do sorgo crescidos na presença de NaCl mostraram que o ajustamento osmótico à custa da acumulação de açúcares esteve associado com a

diminuição do crescimento (Sacher & Staples, 1985; Yang et al., 1990). Para Munns & Tester (2008) o mecanismo baseado na exclusão do sal permite à planta evitar o problema da toxicidade iónica, mas a menos que a exclusão do Na+ seja compensada pela absorção de K+, estabelece-se uma forte dependência da síntese de solutos que poderá pôr em risco o balanço energético da planta. Por outro lado, é sabido que a salinidade reduz o fornecimento de fotoassimilados para o crescimento caulinar através da redução da fotossíntese ou da taxa de transporte dessas substâncias para as zonas de crescimento (Yang & Lu, 2005). Daí que a capacidade da planta para manter a turgescência através do ajustamento osmótico é condicionada pelo fornecimento de fotoassimilados (Munns, 1988). À partida, a maior disponibilidade de fotoassimilados contribui para a resistência das plantas ao sal (De Costa et al., 2007). Neste aspeto, as plantas e/ou linhas celulares que acumulam Na+ e Cl− e os usam como principais osmólitos, chegando mesmo a exibir uma correlação positiva entre a tolerância e as concentrações intracelulares dos iões, como acontece na linha celular de tabaco adaptada ao sal e na planta de cevada, bem como na maioria das halófitas, recorrem aos solutos orgânicos para outras funções na célula (Binzel

et al., 1987; Munns & James, 2003; Flowers & Colmer, 2008). Ottow et al. (2005)

observaram em P. euphratica um ligeiro aumento dos níveis de aminoácidos em resposta ao stress salino, que apesar de não terem um papel ativo na osmoregulação, que pertenceu ao sódio, estiveram envolvidos na estabilização das proteínas, contribuindo para a osmoproteção.

A função dos solutos compatíveis ultrapassa o efeito na manutenção da turgescência celular, estando também envolvidos na estabilização de proteínas e estruturas membranares, para além de poderem participar na remoção das EROs (Ashraf & Foolad, 2007). Para Munns (2005), a função destes solutos na célula é variável com a sua concentração, isto é, a elevadas concentrações contribuem para o ajustamento osmótico, ao passo que a baixas concentrações desempenham uma função protetora. Os solutos compatíveis caracterizam-se por serem moléculas altamente solúveis, em geral de baixo peso molecular, neutras ou polares e com uma elevada capacidade de hidratação (Sairam & Tyagi, 2004). Englobam diversos açúcares, aminoácidos e aminas quaternárias. Uma característica comum nas plantas expostas ao sal e também a outras situações de stress que induzem a perda de água, incluindo a secura e as temperaturas extremas, é a acumulação desses solutos, que se admite ser essencial para a tolerância a esses fatores de stress (Bohnert et al., 1995; Chen & Murata, 2002; Wahid et al., 2007). Vários estudos referem

uma relação positiva entre a acumulação de diversos solutos orgânicos e a tolerância ao stress osmótico resultado da salinidade ou do défice hídrico (Smirnoff, 1998; Watanabe et

al., 2000; Longstreth et al., 2004; Gill & Tuteja, 2010). Este facto motivou a transformação

genética de algumas plantas para o aumento da produção de determinados osmólitos com o objetivo de elevar a sua tolerância ao stress (Chen & Murata, 2002; Roosens et al., 2002; Molinari et al., 2007; Wang et al., 2010b). Em alternativa, foi possível contrariar os efeitos das condições ambientais adversas através da aplicação exógena de alguns solutos, nomeadamente de glicinabetaína e de prolina. Ashraf & Foolad (2007) descreveram alguns exemplos que evidenciam os efeitos positivos da aplicação exógena destes dois compostos na produtividade de várias plantas com interesse agrícola sujeitas a condições de stress. Acrescente-se que os danos ultraestruturais induzidos pela salinidade em organelos como os cloroplastos e mitocôndrias foram evitados pelo tratamento das plantas com glicinabetaína (Rahman et al., 2002).

A natureza química dos solutos compatíveis envolvidos na tolerância osmótica varia com os grupos taxonómicos. Entre os aminoácidos, a prolina é acumulada por um conjunto de plantas taxonomicamente diverso em resposta a situações de stress osmótico e não só, por isso é considerada um dos solutos compatíveis mais comuns. A glicinabetaína é o composto quaternário de amónio mais conhecido nas plantas, embora a sua acumulação esteja confinada a um grupo mais restrito de espécies sujeitas sobretudo a condições de secura e de calor (Smirnoff, 1998; Wang et al., 2010b). Em certas halófitas e espécies conhecidas por acumularem elevados níveis de Na+ em meios salinos, como é o caso das plantas de beterraba, cevada ou de espinafre, a concentração de glicinabetaína pode atingir elevadas concentrações nos cloroplastos e citosol, enquanto que em outras a sua acumulação é inferior ao necessário para impedir a desidratação (Marschner, 1995; Bartels & Sunkar, 2005; Ashraf & Foolad, 2007). Ao que parece em espécies como O. sativa, A.

thaliana ou N. tabacum não é possível produzir naturalmente o composto devido à falha de

algumas das enzimas envolvidas na sua síntese (Rhodes & Hanson, 1993).

A acumulação de diferentes tipos de hidratos de carbono é também referida em algumas plantas crescidas em condições de stress, a ponto de ter sido sugerido o seu envolvimento na tolerância ao stress osmótico (Khavari-Nejad & Mostofi, 1998; Watanabe et al., 2000; Kerepesi & Galiba, 2000; Bartels & Sunkar, 2005). Sacarose, manitol e sorbitol são alguns dos hidratos de carbono que mais contribuem para o ajustamento osmótico em plantas sob stress salino. Estes compostos parecem ter um papel ativo na proteção da integridade

membranar ao interagirem com os grupos polares dos fosfolípidos e na estabilização de complexos proteicos ou enzimas. De acrescentar, que constituem uma forma de reserva de carbono o que é útil em situações de stress (Parida & Das, 2005; Manchanda & Garg, 2008).

A acumulação de prolina é uma resposta bem conhecida a situações de défice hídrico e salinidade não só em plantas, mas também noutros organismos (Ashraf & Harris, 2004; Manchanda & Garg, 2008). Para além do calor, sabe-se que outros tipos de stress são igualmente indutores da sua acumulação, como é o caso do excesso de cádmio, a elevada intensidade luminosa ou a radiação UV, no entanto, os níveis acumulados parecem ser inferiores aos induzidos pelo sal (Claussen 2005; Kishor et al., 2005; Fidalgo et al., 2011). A acumulação de prolina em condições de stress osmótico resulta essencialmente do aumento da sua síntese, que ocorre no citosol e plastídios, e do decréscimo da degradação que tem lugar nas mitocôndrias. Nessas condições, a prolina é sintetizada sobretudo a partir do glutamato através de duas reações redutoras sucessivas catalisadas pela Δ1- pirrolina-5-carboxilato sintetase (P5CS) e Δ1-pirrolina-5-carboxilato redutase (P5CR), respetivamente. Uma outra via metabólica que envolve a molécula precursora ornitina, transaminada em Δ1-pirrolina-5-carboxilato pela enzima mitocondrial ornitina-δ- aminotransferase, contribui igualmente para a acumulação de prolina. Verifica-se que em plantas jovens de A. thaliana a via da ornitina, juntamente com a do glutamato, promovem a acumulação do aminoácido durante o stress salino, enquanto que a via do glutamato é ativada nas plantas adultas (Türkan & Demiral, 2009). Ambas as vias parecem contribuir para o aumento dos níveis de prolina em Medicago truncatula exposta ao sal, independentemente da fase de desenvolvimento (Armengaud et al., 2004).

Os trabalhos realizados no âmbito do stress salino são unânimes em atribuir à prolina um papel no ajustamento osmótico dado o aumento considerável do aminoácido nas células vegetais em meios salinos. Em células da halófita Distichlis spicata tratadas com 200 mM NaCl, estimou-se uma concentração citosólica de prolina em mais de 230 mM (Ketchum et

al., 1991). A acumulação do aminoácido atingiu nas folhas da brássica Pringlea antiscorbutica sob stress salino teores 2-3 vezes superiores no citosol do que no vacúolo

(Aubert et al., 1999). Outros estudos são concordantes em mostrarem que os níveis elevados de prolina são característicos das plantas tolerantes à salinidade (Demiral & Türkan, 2006; Koca et al., 2007; Aghaei et al., 2008), mas nem sempre é evidente a correlação entre a acumulação do osmólito e a tolerância ao stress. Acontece, por exemplo,

na planta de cevada em que os elevados teores do aminoácido quantificados nas cultivares mais suscetíveis à salinidade parecem não ter tido um papel relevante na tolerância, sendo uma consequência da situação de stress (Chen et al., 2007b; Widodo et al., 2009). De igual modo, o mutante de A. thaliana eskimo-1 descrito como um acumulador de prolina em condições salinas revelou-se sensível ao sal (Ghars et al., 2008). Lutts et al. (1996b) já havia concluído que a acumulação de prolina parecia não estar relacionada com o ajustamento osmótico das plantas de arroz submetidas a stress salino, tendo os autores interpretado este tipo de resposta como um indicador de suscetibilidade em vez de um indicador de tolerância ao sal.

Apesar de alguma controvérsia em torno da função da prolina na osmoregulação, o papel da prolina na tolerância ao sal deverá ser devidamente esclarecido, nomeadamente avaliar se a relação com a tolerância ao stress é específica da espécie ou se é afetada pelas condições experimentais, antes de ser usada como um indicador de tolerância ao sal (Ashraf & Harris, 2004). Contudo, são mais as evidências que descrevem a existência de uma relação positiva entre a acumulação de prolina e a tolerância ao stress do que o contrário. Nesta perspetiva, a manipulação genética da via biossintética da prolina tem permitido a obtenção de plantas com maior tolerância ao stress osmótico, tal como Kishor

et al. (1995) mostraram nas transgénicas de tabaco em que a sobre-expressão do gene de

uma das enzimas da via (P5CS) levou à acumulação de prolina e à maior tolerância à secura e salinidade. Em sentido inverso, Hong et al. (2000) ao impedirem a inibição dessa enzima pelo mecanismo de ‘feedback’ induzido pela própria prolina, conseguiram ter no final plântulas de tabaco capazes de crescerem na presença de 200 mM NaCl. Uma estratégia mais acessível para melhorar o comportamento das plantas em condições adversas consiste na aplicação exógena de prolina (Ashraf & Foolad, 2007).

Em alguns estudos é notório o efeito osmoprotetor da prolina fornecida pelo exterior, nomeadamente nas culturas de células em suspensão de N. tabacum cultivadas em meio salino onde a prolina exógena não só impediu a morte celular, como atenuou o efeito inibidor do sal no crescimento das células e aumentou a atividade das enzimas do ciclo AsA-GSH, conferindo uma maior proteção contra o stress oxidativo (Okuma et al., 2000; Hoque et al., 2007a,b; Banu et al., 2009). A atividade antioxidante da prolina foi confirmada por vários autores (Okuma et al., 2004; Molinari et al., 2007; Krishnan et al., 2008; Gill & Tuteja, 2010) e, sendo capaz de remover as EROs, a prolina protege as proteínas, DNA e estruturas membranares dos danos causados por estas espécies, além de

poder ligar-se a iões metálicos e evitar a formação do radical OH (Miller et al., 2010). Acrescente-se ainda a capacidade da prolina para dissipar o excesso de poder redutor durante as condições de stress, o que reforça o seu contributo na célula para a homeostasia redox. O facto de ser degradada na mitocôndria e de estar associada à cadeia respiratória faz com que a prolina possa ser uma fonte de energia importante para a recuperação do crescimento após o stress. A noção de que a prolina pode atuar ainda como uma molécula de sinalização e influenciar a proliferação ou a morte celular, e regular as respostas de defesa aos stresses abiótico e biótico é um outro aspeto da diversidade funcional que a caracteriza (Szabados & Savouré, 2009).