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3 MUTAÇÕES FÍSICAS DA MÁQUINA UNIVERSITÁRIA

3.2 ADEUS À “UNIVER-CIDADE”

No tumultuado 1 de abril de 1964, os estudantes do Recife, centro metropolitano do Nordeste do Brasil, se mobilizaram em frente à Escola de Engenharia de Pernambuco (EEP) para protestar contra o golpe de Estado que pôs fim a ordem constitucional iniciada em 194613. A unidade estava na sugestiva Rua do Hospício, que ficava na Boa vista, um dos bairros centrais da cidade (Recife, São José, Santo Antônio e Boa vista)14. A via abrigava, do mesmo modo, outros sobrados de unidades federalizadas pela Universidade do Recife: Faculdade de Ciências

11 O quadro não se repete na zona urbana de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,

São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No entanto, o cenário da zona rural destas capitais é ainda pior do que o nacional, com percentuais médios de eletricidade, água e esgoto em apenas 13% dos domicílios.

12 A sinédoque é uma figura de linguagem cuja etimologia remete ao “entendimento simultâneo” da parte pelo

todo ou do todo pela parte.

13Narrativa histórica construída a partir das memórias da Paulo Cavalcanti (1978), de Arthur Carvalho (Diário de

Pernambuco, 08/04/2009) e Diário de Pernambuco 02/04/1964, p. 1 e 7.

14Sobre a Geografia Urbana da Universidade do Recife (UR): VERAS, 2010; 2012; BERNARDES e PEREIRA,

114 Econômicas (FCE), a Escola de Geologia e, na praça Adolfo Cirne, a Faculdade de Direito do Recife (FDR) e a Reitoria15.

Os estudantes da Faculdade de Filosofia de Pernambuco (FAFIPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) chegavam aos poucos de suas unidades, que estavam ao noroeste da rua Nunes Machado e da rua do Príncipe. Para isto, usavam facilmente a Rua do Riachuelo e a rua Gervásio Pires, onde se encontraram com acadêmicos do Instituto de Geologia (IG) e da equipe Paulo Freire do Serviço de Extensão Cultural (SEC).

Jovens da Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE), instituição feminina das freiras Doroteias, e da Faculdade de Arquitetura caminharam em direção ao ato pela Avenida Conde da Boa Vista, onde estavam suas escolas. Bem como os colegas das unidades mais longínquas da Escola de Química, da Faculdade de Odontologia e da Escola de Bela Artes de Pernambuco (EBAP), instaladas entre a Boa Vista, o Derby e a Madalena.

Figura 1 - Cartografia da “Univer-cidade” do Recife

Fonte: Elaborado pelo autor.

15 A criação da UR, pelo Decreto 9.388 de 20 de junho de 1946, e de outras universidades brasileiras, no final dos

anos 1940, se insere no momento histórico de abertura política, econômica e sociocultural possibilitado pelo fim da II Guerra Mundial (1939-1945) e da ditadura do Estado Novo (1937-1945) no Brasil. Estas primeiras universidades reordenaram e ressignificaram uma experiência iniciada em 1828, de escolas superiores isoladas. A UR conglomerou, de tal modo, as seguintes instuições, dentre as quais ,apenas a primeira era pública: Faculdade de Direito do Recife (FDR), a Escola de Engenharia de Pernambcuo (EEP), a Faculdade de Medicina do Recife (FMR) e Escolas anexas de Odontologia e Farmácia, a Escola de Belas Artes de Pernambuco (EBAP) e a Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE). Esta dinâmica participa de um processo global de expansão e de modernização da educação escolar, notadamente, superior, inspirado no resultados positivos dos EUA na guerras mundiais. Neste sentido, impunham-se preliminarmente, ao menos, dois desafios às universidades brasileiras: inserir-se na tradição universitária ocidental, que, aliás, passava por um processo profundo de reformas, e arraigar-se a realdiade dita subdesenvolvida, pós-colonial, que, da mesma maneira, sinalizava para possíveis mudanças em sua ordem sociocultural e política (BERNARDES, 2006; VERAS, 2012).

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À manifestação se juntaram os estudantes secundaristas, oriundos do Ginásio Pernambucano e outras escolas das redondezas. Das turmas de medicina, apenas puderam contar com os que estavam no Hospital das Clínicas Pedro II, cuja sombra vespertina se projetava sobre as casas e os mocambos do bairro popular dos Coelhos. A comunidade habitada por trabalhadores/as e pessoas no centro do Recife resistiu por todo século XX e XXI às sucessivas tentativas de remoção capitaneada por poderes públicos e privados do setor imobiliário.

Aqueles que estavam na Faculdade de Medicina do Recife (FMR), no Engenho do Meio, dificilmente chegariam a tempo para se somar ao protesto. A unidade fora a primeira a ser transferida para a nascente Cidade Universitária de Pernambuco, ainda em 1959, que ficava na zona rural, o dito subúrbio, a aproximadamente 15 km do centro da cidade. O bairro universitário acomodava também as obras inacabadas do Hospital Universitário, o “esqueleto do Hospital Universitário”16, o Centro de Energia Nuclear, os Institutos centrais – “em

dependências do Restaurante Universitário, adaptadas, embora muito precariamente, para esse fim” (MAIOR, 2005, p. 18). Os moradores dos antigos engenhos e usinas da redondeza permaneciam, igualmente, na região conhecida por “Arruadinho do Engenho do Meio”.

Figura 2 - Esqueleto do Hospital das Clínicas

Fonte: Diário de Pernambuco, 25/05/75, p. 7

No ato convocado pelo Diretório Central dos Estudantes da UR, o presidente da União

16O Diretório acadêmico dos estudantes de Medicina costumava fazer a “celebração do esqueleto do hospital

universitário” para protestar contra as constantes interrupções das obras do edifício que apenas seria concluído em 1979, após três décadas de seu início (Diário de Pernambuco, 25/11/1962, p 26).

116 Metropolitana dos Estudantes Pernambucanos (UMES), Marcos Maciel, sugeriu que desistissem da manifestação. Mas os estudantes recusaram o encaminhamento, talvez pelo calor da hora, ou mesmo pela recente ruptura da UMES com a União Nacional dos Estudantes (UNE), orientada pela então gestão, eleita em 1963, com apoio do Instituo de Pesquisa Econômicas e Sociais (IPES – DREYFUSS, 1981).

Enquanto caminhavam nas redondezas do Parque 13 de Maio, o estudante de sociologia e membro da equipe Paulo Freire (SEC/UR), Marcius Cortêz, dizia:

– Quero ir para Porto Alegre, aderir ao governador Leonel Brizola, para resistir.

– Mas com que dinheiro? Perguntou o professor de filosofia e membro do SEC, Jomard Muniz de Britto.

– Vamos de trem. Sugeriu outro colega.

– De trem e quando chegaremos lá? Indagou o estudante de direito e membro do SEC/UR, Arthur Carvalho.

Sem repostas, os amigos seguiram com a passeata rumo ao centro da cidade. Das escadarias da Faculdade de Direito do Recife (FDR), novos estudantes aderiam ao ato. Entre as palavras de ordem, “abaixo o golpe” e “viva Miguel Arraes”, caminharam, talvez, ao largo do Capibaribe pela Rua da Aurora, Ponte da Boa Vista, Rua Nova e atual Avenida Dantas Barreto. A cada logradouro que atravessavam, mais pessoas se juntavam à passeata. Nas imediações da Avenida Guararapes, um antigo professor advertira Arthur e seus amigos:

– Não acompanhe esse pessoal, que isso vai dar bode. As tropas do exército estão ali, na Praça do Diário, prontas para intervir. Essa turma é solteira e jovem. Você é noivo e vai casar agora.

– Então vamos segui-los de perto. Sugeriu Arthur Carvalho. – De perto, não, de longe.

O destino era a Praça da Independência ou do Diário, onde na luta por redemocratização em 1945, tombou o estudante de direito, Demócrito de Sousa Filho. A área estava “inteiramente vigiada por patrulhas da polícia militar e do exército”. De súbito, Arthur sentiu alguém lhe puxar pelo braço: “– Pare, que eles vão atirar. Disse seu velho mestre”. “Os soldados haviam

117 se negado a atirar contra os estudantes”, no entanto, “um certo Major Hugo […] tomou das mãos de um praça uma arma automática e, ele próprio, atingiu dois jovens” (CAVALCANTI, 1978, p. 339). Entre os gritos e os disparos, que se sucederam, “o horror, o horror”. Desesperados, os manifestantes arremessavam pedras, laranjas e cocos verdes, tomados emprestados de comerciantes ambulantes, conhecidos como camelôs. O estudante da FAFIPE, Ubirajara Nunes da Silva, de 19 anos, fugiu arrastando a perna cravada de bala. Dois corpos alvejados na cabeça jaziam rente ao chão, executados a sangue frio. “Apresentavam ferimentos, por […] fuzil […] nos rostos, que ficaram desfigurados” (Diário de Pernambuco, 02/04/1964, p. 1.). Nos paralelepípedos fervia o sangue dos secundaristas Jonas de Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar. Eles tinham apenas 17 e 23 anos.

Figura 3 - Soldados posam para foto, após executarem dois estudantes

Fonte: Diário de Pernambuco, 02/04/1964, p.1

As memórias de Paulo Cavalcanti e de Arthur Carvalho recortam e colam fragmentos da violência do golpe em 1964. Sob outra perspectiva, mostram obliquamente como o corpo físico e social da antiga Universidade do Recife se espraiava sobre o centro da urbe com seus

118 sobrados e edifícios centenários17. Esta mistura possibilitava diferentes percursos, usos e compartilhamentos dos sentidos, práticas, territórios e fluxos da cidade e da universidade.

Por esse motivo, o ato estudantil que cruzava as ruas, avenidas e logradouros do centro do Recife18, cortava, simultaneamente, o próprio território molecular da UR. Como observa o historiador Denis Bernardes e a pesquisadora Juliana Melo Pereira:

Naquele momento não havia campus, as Escolas e Faculdades da UR se distribuíam pela zona central do Recife, entre o Bairro da Boa Vista e adjacências. A vida estudantil se mesclava à do centro intelectual que frequentava o bairro: cafés, bares, restaurantes estudantis, teatros, livrarias, pensões [...] tempo em que, fragmentada e inserida na vida urbana, existia uma Univer-cidade do Recife (BERNARDES; PEREIRA, 2011, p. 18).

Os usos iniciais da expressão campus remetem a construções coletivas e urbanas do final da idade média, onde aconteciam atividades universitárias, culturais e artísticas, como salas de aulas, bibliotecas, museus e ateliers (CAMPELO, 2012). Uma segunda ideia de campus, surge nos Estados Unidos no final do século XVIII, através de construções, que, comumente, se assentavam na zona rural ou nas periferias das cidades. A ideia romântica de separar a universidade dos problemas da urbe rompia com uma tradição milenar de convivência da academia com o espaço urbano (CAMPELO, 2012). No Recife as primeiras faculdades e escolas superiores se distribuíam, em sua maioria, por sobrados e edifícios coloniais, neocoloniais, neoclássicos e ecléticos a datar do século XVIII.

Já o modelo de cidade universitária, engendrado no início do século XX na Europa pela arquitetura e urbanismo moderno, reordenou e ressignificou os territórios e os espaços acadêmicos. Esta conjunção ganha força após as grandes guerras e depois de todas as multiplicidades de movimentos e elementos históricos acionados pela expansão do capitalismo industrial e financeiro, pelo crescimento populacional, pelo desenvolvimento científico, tecnológico e educacional e pelo surgimento do modernismo (DUARTE, 2009).

O crescimento vertiginoso de cidades universitárias nos países industrializados, por força de investimentos, sobretudo, privados, “era um indicador de poder” político, econômico e cultural. Ao passo que, na América Latina, essas construções expressaram ao longo dos anos diferentes projetos de identidade nacional e de desenvolvimento econômico e cultural. Nos

17 Para consultar unidades históricas da UR e seus respectivos endereços no centro do Recife ver Apêndice A. 18 Principalmente praças, teatros, museus, pensões, hotéis, cinemas, cafés, restaurantes, bares, livrarias, bancas,

119 países pós-coloniais estas construções dependeram, fundamentalmente, de largo investimento estatal (DUARTE, 2009).

O modelo bucólico de campus americano é, de tal modo, reordenado e ressignificado, com suporte, nos princípios dominantes da arquitetura e do urbanismo moderno: zoneamento funcional, eficiência, hierarquia, flexibilidade e expansibilidade. A mudança para o subúrbio justifica-se menos no romantismo de outrora, do que na especulação imobiliária, no reduzido custo das glebas afastadas e na possibilidade de ordenação integral das multiplicidades humanas, através daquelas disciplinas (organização eficiente e dócil dos corpos e dos signos universitários – DELEUZE; GUATTARI, 1995; FOUCAULT, 1999; PONTUAL, 2001).

De toda forma, estes projetos revestiram-se de conteúdos e de expressões que permeiam a história da América Latina, sobretudo, entre os anos 1930 e 1960, tanto do ponto de vista das mudanças socioculturais, quanto das agitações políticas de regimes liberais, autoritários e ditatoriais (DUARTE, 2009). Esta conjuntura histórica ajuda a compreender a produção dos primeiros projetos de cidade universitária no continente: Universidade de São Paulo (1934), Universidade Nacional da Colômbia (1936), Universidade do Brasil (1937 e 1955), Universidade de Concepción (1941), Universidade Central da Venezuela (1942), Universidade Federal de Minas Gerais (1947), Universidade do Recife (1949) e Universidade de Brasília (1960).

Havia na época uma intensa interlocução entre políticos, professores e arquitetos e urbanistas americanos e europeus, que se organizavam em escritórios especializados em cidades universitárias. Esta rede foi particularmente intensa por toda primeira metade do século XX, sendo inseparável da consolidação do campo arquitetônico e urbanístico no período.

Embora os conceitos de campus e cidade unviersitária sejam ainda hoje usado como sinônimos, estas categorias podem ajudar a compreender dois momentos diferentes da história da universidade brasileira. Entre os anos 1930 e 1960, a cidade unviersitária emerge enquanto projeto monumental de centros integrais, construídos na zona rural ou no subúrbio das grandes capitais. Sua composição incluía as Escolas e Faculdades conglomeradas, os centros administrativos, residências para professores, estudantes e pessoal técnico e setores de serviços.

Este modelo é substituído paulatinamente por uma apropriação do modelo de campus americano, no contexto do golpe de Estado de 1964 e dos sucessivos acordo firmados entre o MEC, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e consultores internacionais, como Rudolph Aatcon, para reforma da educação. A experiência se baseou nos princípios da arquitetura e do urbanismo de eficiência e de controle. Os programas de expansão física das universidade obdeceram à formas austeras e padronizadas de construção,

120 conforme princípios vigentes de eficiência e de controle. Os debates dos anos prdecessores são substituídos pelos planejamentos monocráticos da elite universitária e política-econômica. O uso informal das categorias tais quais sinônimos convive com a oposição ofical da cidade universitária, enquanto signo do monumental e obsoleto, e do campus, na qualidade do atual e eficiente. O par cidade universitária e campus passa a designar, respectivamente, o bairro e o conjunto formado pelos edifícios e pelos equipamentos universitários (CAMPELOS, 2012).

Com exceção da Universidade de Brasília (UNB - 1961), os investimentos das cidades universitárias não lograram sucesso imediato. Os desafios da empreitada esbarraram na exiguidade dos recursos, nas disputas políticas e empresarias, bem como na resistência da comunidade universitária em trocar o centro pela periferia. A despeito dos planos e obras das cidades universitárias de Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília, a cartografia espacial da universidade brasileira se integrava, então, às metrópoles e todas às transformações socioculturais, políticas e econômicas que as sacudiam nos anos 1960. Mas esta permanência se dera a duras penas. A mudança para as novas sedes dividira os recursos entre as obras e o incômodo das reformas dos edifícios históricos conglomerados (CABRAL, 2006; ALBERTO, 2008; BERNARDES; PEREIRA, 2011; VERAS, 2012).

Enquanto tardava a transferência definitiva do bairro central para a zona norte da cidade, as vias da Cidade Universitária de Pernambuco sediavam “empolgante […] competição automobilística”, promovida pelo “Automóvel Clube de Pernambuco”. A multidão vibrava com a perícia e o sangue frio dos competidores acelerando nos Gordinis e DKWs (Diário de Pernambuco – 05/05/1964, p. 10). Como toda cidade dita moderna, elas eram desenhadas menos para passantes do que para automóveis. A capital Brasília, talvez, seja o maior exemplo dessa distribuição hierarquizada das vias públicas, quase sempre, em detrimento dos pedestres.

Figura 4 - Corrida na Pista da Cidade Universitária

Fonte: Diário de Pernambuco, 05/05/64, p. 10

Acelerar foi a palavra de ordem por toda década de 1960, sempre que o tema jornalístico era cidade universitária ou “campus”. O mercado imobiliário foi o primeiro a escutar o refrão.

121 Nos jornais, a valorização dos imóveis da Cidade Universitária, Engenho do Meio, Várzea e Iputinga, já ultrapassava o tradicional bairro da Boa Vista e empatava com a Praia de Boa Viagem (Diário de Pernambuco, 05/02/64, p. 7).

O território ocupado pela Cidade Universitária de Pernambuco localizava-se na antiga “Várzea do Capibaribe”. Ali, entre os séculos XVIII e XIX, a classe proprietária desfrutava das águas tépidas do rio e se refugiava em seus sobrados da insalubridade da cidade no verão (MELLO, 1978). A região abrigava, da mesma maneira, engenhos e usinas, dentre os quais, o Engenho do Meio da Várzea, que batizaria o bairro universitário de tal modo, que os ideais estéticos e românticos da vida suburbana impulsionaram a desterritorialização do velho burgo, através do loteamento dos complexos açucareiros. O Engenho do Meio possuía, ademais, uma importância monumental para as oligarquias locais, pois foi propriedade do colonizador e herói da Restauração Pernambucana, João Fernandes Vieira (CABRAL, 2006).

A escolha do terreno apontava inicialmente para ocupação da região central na “Ilha de Joana Bezerra e do Maruim”. A proposta seria, doravante, substituída pelo Engenho do Meio, sob justificativas técnicas. No entanto, os trabalhadores da comissão responsável, encaminharam, outrossim, a preferência do reitor Joaquim Amazonas. Num jornal da época afirmava: “o último, isto é, o Engenho do Meio, é o da minha preferência pessoal, não tanto por ter ali nascido, em sua velha casa grande, como por entender que a universidade deve afastar- se, quanto possível, do bulício da cidade” (Diário de Pernambuco, 20/06/1948, p. 3; MONTENEGRO; SIQUEIRA: AGUIAR, 1995; BERNARDES; SILVA; LIMA, 2007; VERAS, 2012).

A chegada do arquiteto Mario Russo, em 1949, endossou a localização suburbana, apontando-a como fator de desenvolvimento local e expansão dos limites da cidade. O professor formado na tradição racionalista italiana, movimento que se tornou estilo arquitetônico oficial do fascismo italiano, lecionou na escola da EBAPE e dirigiu o ETCU até 195619. Dos planos da CDU produzidos neste intervalo, sedimentaram-se traços relativos à composição de cidade parque. Assim estavam as vias hierarquizadas (veículos e passantes), ao canal que corta a universidade (Cavouco), ao bosque que abrigava a Casa grande do Reitor e às zonas funcionais: médica, esportiva, tecnológica e humanidades. Russo também projetou os primeiros edifícios

19 O racionalismo italiano foi um movimento arquitetônico moderno surgido nos anos 1920 e 1930 que defendia o

uso das formas artísticas e técnicas da construção como forma de expressão e de conteúdos políticos do fascismo italiano. Seus princípios são a organização lírica da lógica como representação de um regime societário ideal. A escola situou-se ao longo dos anos entre o classicismo e modernismo, a partir de usos multifacetados de valores e de práticas de proporcionalidade áurea, de funcionalismo e monumentalismo (CABRAL, 2006).

122 construídos do Instituto de Antibióticos, da Faculdade de Medicina, do Instituto de Biologia Marítima e das bases do Hospital das Clínicas (CABRAL, 2006).

Russo formou toda uma geração de arquitetos, urbanistas e técnicos na EBAPE e no ETCU que participaria da construção da cidade universitária nos anos 1960 e 1970: Maurício de Castro, Agerson Correia, Everaldo Gadelha, Antônio Pedro Pina Didier e o italiano Fillipo Mellia. Porém, em 1964, pouco restava dos planos e projetos desenhados para UR. Para desespero do primeiro Reitor, a Casa Grande desabou durante as obras nos anos 1950. No bosque permanecia a comunidade do Arruado formada pelas famílias de trabalhadores da velha moenda e da usina de açúcar (MONTENEGRO; SIQUEIRA; AGUIAR, 1995; CABRAL, 2006).

Os detalhes arquitetônicos e urbanísticos da cidade universitária são paulatinamente substituídos por “verdadeiras imposições funcionais” que visam “aumentar de modo rápido o povoamento do campus […] para organicidade […] ensino-pesquisa integrada no sistema escola-instituto” (Diário de Pernambuco, 03/05/1964, p. 5). Foi no bojo destas mudanças que, entre os meses de junho e setembro de 1965, o consultor americano Rudolph Atcon20

inspecionou universidades de todo Brasil. No total visitou doze instituições, o que assinalava em torno de um terço de todo sistema universitário do país. Para além das sugestões de reforma administrativa e político-pedagógicas encaminhadas, o “relatório Atcon” traz informações sobre o então estado físico das universidades, no geral pensado pela dupla articulação de um profissional, que a todo momento, busca legitimar sua contratação e o conjunto de reformas que a motivara.

A paisagem universitária com a qual se deparou ao longo de sua viagem foi predominantemente urbana e contrária à transferência para a zona rural. Em Belém do Pará encontrou a universidade dividida em sete faculdades profissionais21 ao longo dos bairros

20Atcon (1921 - 1995). Grego de nacionalidade norte-americana com formação interdisciplinar. No Brasil foi

consultor entre 1953 e 1956 da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Nível Superior (depois Coordenação - CAPES). Voltou a trabalhar como consultor do MEC após o golpe de 1964, quando realizou estudo sobre a reforma universitária e secretariou o Conselho de reitores das Universidade Brasileiras (CRUB). O realatório daquele estudos ficou conhecido como “relatório Atcon” e foi publicado pelo MEC em 1966, sob o título: “Rumo à reformulação estrutural da Universidade brasileira”. Em termos gerais, o relatório sugeria as seguintes ações de “saneamento do mundo universitário”: reforma administrativa e adoção de gestão “tipo empresa privada”; contratação de professores e pessoal técnico em tempo integral e fora da égide do serviço público; implantação de Centros universitários de estudos gerais (adaptação do modelo americano de formação geral e profissional); transferência das universidades para glebas fora das cidades; criação de conselho de reitores (ATCON, 1966; ver