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3 MUTAÇÕES FÍSICAS DA MÁQUINA UNIVERSITÁRIA

3.4 OS PROGRAMAS DE EXPANSÃO FÍSICA DAS UNIVERSIDADES

Com esforço de centralizar a expansão física das universidades, o MEC criou em 1967, através do Decreto 60.461, a Comissão Especial para Execução do Plano de Melhoramento e Expansão do Ensino Superior (CEPES). A junta deveria assistir tecnicamente à elaboração do contrato a ser firmado entre a União e o BID. Os primeiros empréstimos de US$25 milhões ao longo de 25 anos, aliás celebrados pelo reitor Murilo Guimarães, por ocasião de nova visita do general Castelo Branco, destinavam-se à expansão universitária mediante obras, equipamento e assistência técnica. Somados à contrapartida de US$10 milhões do governo brasileiro, “tratava-se do maior projeto educacional financiado pelo BID até então”, como destaca o historiador Rodrigo Motta (2014, p. 265). As universidades contempladas pelo MEC/BID I foram: UFRJ (aproximadamente US$10 milhões), USP (US$ 6milhões), UFBA (US$ 2,5 milhões) UNB (US$ 1,6 milhões), a UFMG, UFC e UFV (US$ 1 milhão cada instituição), a UFPE (US$ 500 mil) e a PUC-RJ (US$ 400 mil – MOTA, 2014).

O programa beneficiou principalmente as instituições que iniciaram os planos e obras da cidade universitária ainda antes do golpe de Estado, bem como as que estrategicamente possuíam as maiores populações universitárias do Brasil. A CEPES intermediava os empréstimos a partir do controle dos planos técnicos. Estes documentos foram os instrumentos de centralização político-administrativa dessas construções modernas de viés funcionalista,

28Pelos jornais é possível perceber que a Odebrecht esteve envolvida no conjunto de obras da UFPE vinculado aos

primeiros convênios com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e Alemanha Ocidental, da reitoria, cujo projeto fora responsável juntamente com o ETCU (Diário de Pernambuco, 11/04/1970, p. 5). A empreiteira também aparece à frente do projeto monumental da SUDENE (em terreno que pertencia à UFPE) e do campus da UERJ

136 tipificado e expansível, conforme linha consagrada pela ditadura naqueles anos (NOGUEIRA, 2008; CAMPELO, 2012; SOUZA, 2013; MOTTA, 2014a).

Em 1970 a consolidação do plano possibilitou a cooptação de outras universidades e a estruturação como organismo composto por uma coordenação, assessorias e secretarias (Decreto Lei nº 66.396 de 30 de março de 1970; Decreto Lei 71838 de 15 de fevereiro de 1973), bem como em 1974, quando foi ampliada como “Programa de Expansão e Melhoramentos de Instalações do Ensino Superior” (PREMESU) vinculado à Diretoria de Assuntos Universitários do MEC (DAU/MEC – Decreto nº 73.857 de 14 de março de 1974). O Programa mais robusto abandonou definitivamente o conceito de cidade universitária e consagrou uma apropriação austera dos campi, com notáveis diferenças do modelo americano.

A PREMESU previa a inclusão de representantes do Ministério do Planejamento e da Fazenda. Seu objetivo era gerir, coordenar, administrar, analisar, compatibilizar, assessorar, promover e pesquisar projetos e convênios novos ou anteriores de expansão física e de equipamentos do sistema universitário. Para isto contou com recursos federais (sobretudo do FNDE), estaduais e internacionais (NOGUEIRA, 2008; CAMPELO, 2012; SOUZA, 2013; MOTTA, 2014a).

Os projetos iniciais, PREMESU I e PREMESU II, davam consecução aos empréstimos firmados com o BID e com instituições financeiras Alemãs e Húngaras - Deustcheundimportegesellschaft – Feinmechanik Optic (G.M.B.H) e Metrimpex Hungarin Trading Company for Instruments (BRASIL, 1974; MOTTA, 2014a). Também seriam assistidos pelo PREMESU os empréstimos firmados no início de 1973, na ordem de US$250 milhões de dólares por meio do consórcio bancário europeu, Banco Bávaro da Alemanha Ocidental. A negociação inicial previa metas e desembolsos semestrais investidos em construção de campi universitários, equipamentos e treinamento de pessoal no Exterior. Como critério de prioridade estabelecia-se: “universidades e escolas isoladas que demonstrarem capacidade, em menor prazo, e com qualidade superior, de apresentarem seu plano de desenvolvimento” (Diário de Pernambuco, 25/02/1973, p. 5).

No mesmo ano, o ministro Jarbas Passarinho, após referida concessão de título de doutor Honoris causa pela UFPE, autorizou verbas de Cr$1.6 milhões para conclusão do Centro Esportivo da UFPE. Simultaneamente era negociada uma operação “turn-key”29 que previa

29Operação com valores e prazos pré-fixados empregada em processos licitatórios nos quais a empresa fica

137 empréstimos de um consórcio Franco-Brasileiro para construção do Hospital das Clínicas. O Empreendimento orçado em Cr$132 milhões estabelecia a privatização de 40% dos serviços prestados pelo hospital universitário (Diário de Pernambuco, 01/04/1973, p. 32).

A UFPE também foi contemplada pelo MEC/BID II com empréstimo de US$4,8 milhões. O empréstimo no total de US$50 milhões assistiu prioritariamente a UFPA, a UFPB, a UFPI, a UFRN, a UFSE, a UFBA, a UNB, a UFGO, a UFMG, a UFES, a UFJF e a UFSC (SOUZA, 2013; MOTTA, 2014a). Na UFPE, os dólares foram destinados à construção do Departamento de Medicina Social e de Odontologia, “aproveitando o ‘esqueleto do HC’, Almoxarifado Central, Núcleo de Processamento de Dados, Laboratório de Microscopia Eletrônica, Centro de Educação, Centro de Artes e Comunicação e ambientação do campus (“US$3 milhões para novas edificações, US$1,2 milhão para infraestrutura e US$0,6 milhão para equipamentos”. Diário de Pernambuco, 14/09/1973, p. 3).

A entrada de capital para construção e manutenção física seguiu no ano seguinte com novos investimentos de Cr$27 milhões, desta vez proveniente do FNDE. O recurso visava a manutenção predial e material - “As duas últimas cheias causaram sérios prejuízos” - e a instalação de iluminação viária no “campus” (Diário de Pernambuco, 17/01/1974, p. 1; 31/01/1974, p. 3).

A grande cheia de 1975 também sensibilizou o MEC que, através do PREMESU, autorizou novo empréstimo e investimentos do BNDE e do BID. Os recursos objetivavam a reconstrução do campus de Dois Irmãos da UFRPE que foi totalmente destruído pela catástrofe, a assistência aos universitários flagelados, a construção da Faculdade de Odontologia, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e da área paisagística da UFPE (Diário de Pernambuco, 04/08/1975, p. 2; 19/09/1975, p. 7; 18/12/1975, p. 6).

O fluxo de capital segue ao longo dos anos 1970 através do Programa MEC/BID III, coordenado pelo então Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação (CEDATE) que substituiu a PREMESU. O organismo e a nova edição do programa possuíam como missão edificar novos campi e corrigir o corpo físico inacabado e inadequado, erigido através das ações apressadas dos primeiros empréstimos (SOUZA, 2013).

Não foi diferente na UFPE, onde os novos empréstimos possibilitaram a reforma dos recém-inaugurados Centro de Educação (CE) e Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), bem como a construção do Centro de Ciências Exatas e da Natureza e do Castelo D’água, durante o reitorado de George Browne Rêgo (1983 – 1987. CABRAL, 2006). Sobre o campus

138 herdado dos anos 1970, lembraria o referido Reitor: “nessa época o campus era um verdadeiro caos. Caindo aos pedaços. Eu iniciei a recuperação do campus. Mas não era tarefa de um só mandato” (SANTOS, 2012, p. 81).

Os investimentos no MEC/BID I, II e III somam um total de US$105 milhões, assim produzindo entre os anos 1960 e 1970 uma verdadeira linha de produção de campi tipificados, muitas vezes não empreendidos, inacabados e avariados estruturalmente (SOUZA, 2013). No geral, essa tipologia buscava uma operação de significância e de corpos inseparáveis. Estes signos e vetores ganham forma arquitetônica padrão “das plantas livres, dos pilotis, dos brises, da estrutura despojada de adornos, da padronização e modulação de ambientes, na concepção ‘das unidades funcionais’ e na possibilidade das obras [...] ocorrerem progressivamente” (NOGUEIRA, 2008, p. 272). Da mesma maneira que investem urbanisticamente na localização afastada da cidade, em setores divididos por zonas funcionais rígidas, vias hierarquizadas de veículos e pedestres, distinção do território universitário e circunvizinho e integração paisagística dos elementos arquitetônicos (NOGUEIRA, 2008; CAMPELO, 2012).

A política de melhoramento e expansão física foi coordenada por decretos e órgãos especializados que se articulavam com os setores de obras das universidades. Nesta lógica, o Decreto 62.758 de maio de 1968, que dispunha sobre o estabelecimento da Universidade Federal de São Paulo, define que a instituição terá “uma gleba mínima de 300 […] hectares”, assim como deverá ser constituída por um ou mais campi, integrados por institutos de ensino e pesquisa e faculdades profissionais.

O Decreto 63.341 de outubro de 1968 também receitou critérios para expansão do ensino superior no “tocante à construção de cidade universitária (campus)”. São eles: pesquisa dos projetos de implantação de cidades universitárias; seleção dos projetos de campus e ênfase na construção de unidades do sistema básico; financiamento de obras mediante alienação dos imóveis históricos; suspensão de novos projetos de Hospitais das Clínicas.

Os decretos previam a venda dos terrenos e edifícios históricos na downtown para financiar a aquisição, a construção e a manutenção dos terrenos e obras dos campi universitários. O que estava posto era a troca de terrenos e construções em bairros valorizados por terrenos em bairro de baixo valor comercial. Os centros abrigados no passado pelas universidades públicas seriam, logo, monopolizados pelas corporações da educação superior privada.

Outro detalhe notável é a interdição provisória dos projetos de HC em favor de convênios com hospitais privados. Para além do viés privatizante, este dispositivo tinha em

139 vista a recusa de enfrentar os desafios públicos impostos pelas obras e pela administração dos hospitais universitários, cujas construções inacabadas ou o “esqueleto do HC” assombraram durante décadas reitores e professores dirigentes da UFPE e da UFRJ.

No plano teórico, o consultor Rudolph Atcon elaborou, a pedido do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, o “Manual sobre o planejamento integral do campus universitário” (ATCON, 1970). Neste documento, adotado pelo PREMESU, o campus é descrito como equipamento arquitetônico e urbanístico oposto à cidade universitária. Esta antinomia se constitui primeiramente pela redefinição funcional dos edifícios como espaços integrais de atividades (ensino, pesquisa, extensão, administração, serviços, etc.) e não de pessoas e unidades científicas e profissionais.

Por conseguinte, prescreve a substituição das construções ditas monumentais e rígidas das cidades universitárias por pavilhões tipificados e expansíveis que integrassem de forma eficiente e flexível os serviços ofertados pela universidade. Neste sentido, o autor opõe a verticalidade do primeiro, a horizontalidade do segundo (um máximo de três andares). A moradia estudantil e docente, própria à cidade universitária (bem como ao modelo de campus americano) foi também descartada pela incompatibilidade com o conjunto das atividades acadêmicas e complementares. Em último caso sugeria a construção destas moradias fora dos limites da universidade.

Para delimitar o dentro e o fora, recomenda-se a construção de um anel protetor demarcando e separando as fronteiras entre a universidade e os bairros vizinhos. Esse perímetro, fosse ele uma grade, um muro, uma cerca ou uma catraca, deveria delimitar com clareza os limites do campus e, assim, inibir a entrada de passantes não universitários.

Toda ocupação e edificação era continuamente orientada por um corpo de técnicos especialistas que estabelecessem critérios científicos e racionais mínimos. Neste sentido, defende a criação de escritórios exclusivamente dedicados às obras, tal qual organismo inaugurado na quarta república. Estes princípios técnicos se encontram em diagrama elaborado pelo consultor.

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Figura 8 - Diagrama de Atcon

Fonte: ATCON, 1970, p. 78; 83

O diagrama de zoneamento proposto por Atcon é a condensação deste agenciamento arquitetural e urbanístico. Nele, as multiplicidades de corpos sociais e físicos são ordenadas conforme seus setores funcionais, isto é, Artístico (AR), Tecnológico (TC), Biomédico (BM), Agropecuário (AP), Cibernético (CI), Esportivo (ES) e Básico (BBA). Todas as interseções dos círculos correspondem às composições compartilhadas que possibilitam máxima economia e eficiência no uso dos recursos materiais e humanos em comum.

A fim de prevenir encontros e fluxos indesejados, os equipamentos esportivos, médicos, artísticos e agropecuários são posicionados nas extremidades do território. De tal modo é possível controlar melhor o movimento dos visitantes no usufruto destes aparelhos. Os corpos supostamente saudáveis do setor esportivo se encontram, da mesma forma, fixados na posição antípoda dos corpos ditos enfermos do Hospital das clínicas no setor médico. Assim como os

141 blocos administrativos envolvidos pelas ciências e técnicas de controle próprias ao setor cibernético. Toda geometria proposta impõe um arquipélago de multiplicidades separadas e hierarquizadas em setores atravessados por vias internas de passantes e vias periféricas automobilísticas, prontamente acompanhadas de estacionamentos fronteiriços. Não há, neste sentido, espaços em comum de convivência e de sociabilidade.

O desenho materializa os princípios básicos da reforma universitária que vedava a manifestação política e inaugurava uma lógica produtivista, tal qual prescrito pelos decretos- leis e Decretos 4464/64, 53/1966, 252/1967 e 5540/1966. A distribuição das unidades universitárias acadêmicas, administrativas e complementares visa controlar e maximizar a produção da população universitária e seus fenômenos. Este controle é ditado ao mesmo tempo pela lógica de eficiência, isto é, incremento do desempenho econômico da universidade tal qual uma empresa privada, assim como pelo nexo político de predefinição, de registro e de regulação das trajetórias dos corpos universitários e seus colaboradores.

O presente agenciamento populacional e arquitetural se institui assim a partir das seguintes linhas: distribuição dos corpos em áreas de conhecimento, disciplinares e funcionais; normatização das atividades através de equipamentos didático-científicos, administrativos e complementares (esportivos, culturais, médicos, etc.); capitalização dos recursos e do tempo pelo compartilhamento de material de consumo, capital e recursos humanos; e, finalmente, conjunção dos fluxos universitários pela delimitação das fronteiras internas e externas com anel protetor e vias capilares e arteriais pela qual circulam os corpos acadêmicos.

Este diagrama é inseparável de uma maquinação e de uma semiotização dos fluxos universitários, isto é, práticas, discursos, recursos, populações, construções, etc. Os sujeitos universitários são o resíduo, isto é, o que sobra deste processo produtivo da universidade como máquina de profissões e de conhecimentos. No entanto, como se poderá ver nos próximos itens, o digrama de Atcon, enquanto equação ideal, não dava, nem poderia dar conta, das linhas de fuga mediante as quais os corpos e os signos ganham nova organização e sentido.

De todo modo, o digrama de Atcon condicionou a edificação dos campi financiados pelo Programa MEC/BID e outros programas de investimento. Este padrão precisou se adaptar muito, em alguns casos, aos contornos das antigas cidades universitárias (UFPE, UFMG, UNB, UFRJ, USP), que sedimentavam em seu território, camadas de temporalidade, de sentidos e de

142 matérias anteriores aos programas e as diretrizes de expansão física dos anos de chumbo.