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2 RÉQUIEM PARA UNIVERSIDADE DO RECIFE: GOLPE E

2.5 OS FIOS DAS TEIAS: RELAÇÕES ENTRE A UFPE E A “COMUNIDADE

Para examinar a dinâmica estabelecida entre a reitoria e a “comunidade de informações” serão listados casos citados em documentos secretos que, embora, majoritariamente passados entre os anos 1977 e 1983, podem ser tomados para pensar indiretamente a prática de espionagem nos anos de chumbo desenvolvida pela AESI/UFPE e outras agências de informações.

43 Ver 3.3.3

44 O documento é assinado ainda pelos seguintes professores: Dr. Rilton Rodrigues da Silva (juiz e professor),

Professor Dr. Raiwlsean Dutra Lira (Reitor da UPE/ FESP), Professor Dr. Edízio Barbosa Pinto (vice-reitor da UPE e diretor da Faculdade de Odontologia), professor Dr. Bruno F. M. de Albuquerque (vice-diretor da Faculdade odontologia da UPE), professor Wolmer Ferreira da Silva, professor Kleber Mendonça; e estudantes universitários: Dulce Maria Q. Santos, Lourival Luciano Filho, Carlos Fernando Costa e Silva, Ivanilsa E. dos Santos, Marly Leandro de Morais, Marcia Maria Aires Nunes, Marcelo Teles de Mendonça, Francisco Nogueira Vidal, Ana Rita de L. Vieira e Fernando Raposo (Diário de Pernambuco, 10/04/1983, p. A3).

96 Durante toda ditadura, as universidades brasileiras foram território estratégico de operações de inteligência através de diferentes agentes e agências em franca colaboração e, às vezes, concorrência. O excesso de espiões logo despertou a atenção da comunidade acadêmica. Numa destas ocasiões os estudantes, reunidos em assembleia na UCP, identificaram e prenderam um policial infiltrado, o cabo da PM Clidenor Moreira Lima. A ideia inicial do alunado era trocar o policial por militantes presos, mas o agente foi solto após sete horas de negociações frustradas e da prisão das lideranças envolvidas. Episódios semelhantes mostram que além das AESI, os campi também eram, amiúde, investigados por agentes do Departamento da Polícia Federal (DPF), pelo DOPS, pelas 2as Seções militares e pelos Centros de Informação das Forças Armadas (CIE, CENIMAR e CISA – MOTTA, 2014a).

Ainda sobre esta rede de informações, a AESI/UFPE, CI/SSP/PE e o DOPS/PE trocaram uma série de correspondências confidenciais em 1977 motivadas por um Pedido de Busca (PB) gerado pela prisão de estudantes universitários para averiguação (MANSAN, 2014). A teia de informações envolvia, igualmente, a comunidade de segurança, como mostra a série de informes confidenciais trocados pela ASI da DR-2, o DSI/MEC, o SNI do Recife (SNI-RE), o IV Exército, a PF de Pernambuco, o Centro de Informações do DOPS/SSP/PE, da AESI/UFPE e da AESI/UFRPE sobre um panfleto, “Carta aberta à população”, colado no mural do DA do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE (CCSA/UFPE), supostamente envolvendo uma conspiração entre os DAs da UFPE, o DCE da UFRPE e o “Movimento Década” da UNICAP (MANSAN, 2014). A comunidade de segurança e a comunidade de informações urdiam os fios da teia complexa de signos, corpos e práticas sistemáticas de vigilância e de repressão cujo produto é os próprios suspeitos de subversão e de corrupção, isto é, o subversivo e o corrupto.

Os documentos encontrados e o relatório da CMVDH (BRAYNER; BARBOSA, 2017) indicam que a AESI/UFPE funcionou entre o período de 1971 a 1986. Este recorte vai da substituição do “elemento chave” militar pelo professor Djair Barros Lima, talvez primeiro chefe civil da AESI/UFPE, até os anos 1980 quando aparentemente as funções desta agência passam a ser dirigidas mais incisivamente pela ASI/DEMEC/PE, pelo DSI/MEC, pelo SNI/RE e pelo Gabinete da Reitoria da UFPE45.

45 Apesar da indicação da CMVDHC a presente pesquisa não encontrou nenhum documento da AESI/UFPE

97 É importante observar que o ministro da educação e cultura, Eduardo Portela, determinou em 1979 a extinção das AESIS universitárias, o Decreto Aragão (DL 228/67) e o 477/69. No entanto permaneceram funcionando as AESI/UEL (1982), AESI/UFES (1983), AESI/UFF (1983), AESI/UFS (1984), AESI/UFPB (1984), AESI/UFSM (1984), AESI/UFAM (1985), AESI/UFSC (1985) e AESI/UFMA (1988).

O dispositivo publicado no começo do governo do general João Figueiredo (1979- 1985), além do fechamento, determinava a transferência das agências de informações universitárias para as delegacias regionais do MEC (DEMEC). No caso da UFPE, a comunidade de informações passa a se comunicar diretamente naquele momento com o reitor Geraldo Laffayette, através do diretor do DSI/MEC, Carlos Alberto Tatit (1979-1983)46, do delegado da ASI da Delegacia Regional do MEC em Pernambuco (ASI/DEMEC/PE e ASI/DEMEC/PE), Francisco Balthar e seu interino, Emir d’Albuquerque Maranhão, e do chefe da agencia do SNI do Recife (SNI-RE), Cledinor de Moura Lima (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Como todas as Assessorias universitárias, a prática de espionagem na UFPE resultou numa produção permanente e intensa de informações com fins de controle e de repressão da comunidade universitária e de seus colaboradores. Para tanto, as agências de espionagem compartilhavam banco de dados ampliados e atualizados constantemente pelos nós da rede de paranoia (FICO, 2010; SILVA, 2014; MOTTA, 2014a). Em vista disso, a reitoria da UFPE estava sempre sendo solicitada a enviar dados individuais e coletivos com informações detalhadas sobre as unidades (acadêmicas, administrativas e complementares), os estudantes, os professores, os técnicos administrativos, os gestores, os candidatos das listas sêxtuplas (na época, os dirigentes universitários eram nomeados pelo presidente da república mediante o envio de listas com o nome de seis concorrentes escolhidos pelos professores dirigentes), os membros do movimento estudantil (dirigentes de DAs, DCEs e apoiadores) e os dirigentes das associações docentes. Apenas entre 1979 e 1983 o ASI/DEMEC, o DSI/MEC e SNI/ARE enviaram, pelos menos, 26 ofícios solicitando informações gerais sobre o estabelecimento universitário e sua população, além de informações específicas sobre professores, técnicos-

98 administrativos 47 e estudantes 48 (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Outra modalidade de ação basilar consistia no controle das atividades políticas promovidas pela população universitária, especialmente pelo movimento estudantil e pelas nascentes associações de professores e de técnicos administrativos. Por duas vezes o reitor da UFPE foi pressionado a reprimir encontros realizados pelo DCE com participação de Gregório Bezerra, Miguel Arraes, Edval Nunes da Silva (Cajá), Marcelo Mário de Mello e Francisco Julião. Em um manuscrito, o Pró-reitor de Assuntos Comunitários, Merval Jurema, informava ao reitor ter dialogado com os estudantes para “orientá-los na escolha de futuros palestrantes e condicionando a concessão de qualquer tipo de ajuda a uma prévia apresentação do plano de atividades” (Ofício nº168/14293/10/DSI/MEC e manuscrito anexo; Oficio nº 30/D/DSI/MEC). O DSI/MEC e o SNI/RE também acompanhavam de perto o aumento de refeições nos Restaurantes universitárias e eventuais greves, como a dos estudantes de medicina do ano de 1982 (TELEX, DSI/MEC, 05/03/82; Ofício nº 207/19/SNI/ARE/82 - (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Sem descuidar do controle e da censura de atividades acadêmicas, os espiões dos campi estavam sempre pressionando a administração e a comunidade de segurança para excluir discursos e corpos desviantes49. Na mira estavam colações de graus (e seus discursos e homenageados ditos “subversivos”), palestras, eventos, publicações, etc. Aliás, conforme determinação do MEC, de 1973, todos os eventos deveriam ser autorizados pelo ministério com pelo menos 90 dias de antecedência (MOTTA, 2014a)

Em um ofício, o diretor do DSI/MEC informou ao Reitor da UFPE sobre a palestra dos nicaraguenses Reynaldo Leiva (Organização Cultural Latino-Americana – OCLA) e Álvaro Garcia (Centro Universitário Universidade Nacional) acerca da “revolução sandinista”, a ser realizada em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Concluía o documento sugerindo ao dirigente “não favorecer nem incentivar esse tipo de contato” (Ofício 061/80/10/DSI-MEC). Enquanto isso o delegado da ASI/DEMEC, Francisco Balthar, queria saber tudo sobre o

47 Foram solicitadas informações individuais sobre pelo menos 40 professores e gestões da Associação dos

servidores da UFPE (ASUFPE), Associação dos docentes da UFPE (ADUFPE) e Associação dos professores da UFPE.

48 Foram solicitadas informações individuais sobre 257 estudantes e sobre a gestão do DCE/UFPE 1981/1982. 49 Algumas universidades possuíam polícias universitárias ou unidades semelhantes como a UNB, a UFAM e a

99 “Seminário Nordeste, estruturas econômica e social, desenvolvimento e processos políticos” (Ofício nº 009/82 - GD/DEMEC/PE, Del/MEC/ PE - Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Assombrados com a o retorno de Paulo Freire do exílio, o DSI/MEC solicitou por meio do Ofício nº 151/81/20/DSI/MEC, de 13 de julho de 1981, todos os dados disponíveis sobre a aplicação do “método Paulo Freire na UFPE”: “conferencias, simpósios, debates”, “núcleos de cultura popular, adotando ideário Paulo Freire” e “ligações estudantis na propaganda do Método ou da filosofia de PAULO FREIRE” (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV). Sobre a censura de atividades acadêmicas, o professor Moreira Reis lembra que até “as aulas da disciplina ‘estudos de problemas brasileiros’ eram censurados, antes da sua divulgação, na televisão e em livro” (SANTOS, 2012, p. 15).

Aliás, o professor Jomard Muniz de Britto, antigo colaborador do SEC, afastado da UFPE em 1964, foi aposentado novamente pelo AI-5 e AC-75, desta vez da UFPB, num processo que citava o lançamento dos seus livros Contradições do Homem Brasileiro (1964), Do Modernismo à Bossa Nova (1966) e o envolvimento com o Movimento Tropicalista (VERAS, 2012; MORAES; OLIVEIRAS, 2017). Anos mais tarde, o DSI/MEC circulou em fevereiro de 1976 entre as agências da UNB, UFMG, UFRGS, UFPR, UFSC, UFPE e UFPA uma lista de 205 livros “subversivos ou pornográficos, proibidos por determinação do Sr. Ministro da Justiça”, com fins de apreensão imediata pela PF (Arquivo Nacional: BR DFANBSB AA1.0.LGS.41. Fundo: CNV). Em documento novamente confidencial, datado do mesmo ano de 1976 o DSI/MEC denunciava as supostas editoras “filocomunistas” e “comunistas” Herder, Vozes, Civilização Brasileira, Paz e Terra e Zahar (MOTTA,2014a, p. 221).

Nem mesmo as atividades culturais e artísticas escapavam da sentinela política, uma vez que estas se tornaram desde o AI-5 um meio relevante de mobilização e de contestação do regime. De tal modo o DSI/MEC oficiou em 12 de janeiro de 1981 um peidido ao reitor da UFPE que evitasse e coibisse a “atuação de cineclubes nas universidades” que exibiam filmes sem o certificado da DCDP/DPF por meio do “CIRCUITO ALTERNATIVO OU PARALELO DE CINEMA”, com projeção de películas como “A greve”, de Einsestein e “Jari”, de Bondaski. Tais eventos, supostamente patrocinados pelos DAs e DCEs, se davam em detrimento da “CENSURA FEDERAL”, sendo assim definidas como “irregulares” e “abusivas”. Dedicando “toda atenção” ao pleito, o reitor informou ter mobilizado a Pró-reitoria de Assuntos Acadêmicos “a tomar as medidas necessárias para impedir os eventos irregulares” (Ofícios: Of.

100 Circ nº 016/80/20/DSI/MEC; Ofício nº406/81-GR/UFPE - Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

A comunidade de informações possuía um interesse particular por assuntos relacionados à produção de energia, especialmente nuclear, e à inovação. Essa preocupação se fundamentava na doutrina de segurança nacional disseminada pela ESG e pela ESNI, para a qual a política de desenvolvimento e de segurança nacional eram inseparáveis (MOTTA, 2014a; MASAN, 2016). Semelhante postura efetuou movimentos contraditórios de fomento de intelectuais aderidos e acomodados e o bloqueio de cientistas considerados suspeitos.

Neste sentido, o diretor do DSI/MEC, Carlos Roberto Tatit, enviou o Ofício circular nº 03/ DSI/MEC solicitando aos dirigentes de intuições de ensino superior informações sobre “os programas de pesquisa e desenvolvimento de fontes não convencionais de energia em andamento” e “os recursos aplicados, as necessidades financeiras, os resultados atingidos, as dificuldades e os responsáveis pelos programas” (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV). Esse ambiente de intervenção política nos programas de pesquisa e nas carreiras científicas contribuiu com um clima de arbitrariedade negativo para o desenvolvimento científico e tecnológico, seja pela repressão estatal ou pela insegurança causada nos pesquisadores, em ambos os casos impulsionando o problema histórico de fuga de cérebros.

Por outro lado, a comunidade de segurança e informações fomentava e homenageava veladamente intelectuais celebrados pelo regime autoritário. Desta forma, o Comandante do IV Exército, general Florimar Campelo, enviou um ofício confidencial com dois exemplares da medalha comemorativa “Centenário de falecimento do Duque de Caixas” a serem conferidos ao reitor Geraldo Laffayette e à professora Haydée Teixeira, antiga idealizadora e dirigente do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária de Pernambuco (CRUTAC- PE), programa de extensão ditatorial com fins de mobilização e de doutrinação política50 (Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

O jogo de espionagem visava colaborar de maneira geral com a produção nacional de um corpo ideal saneado das práticas vistas como subversivas e corruptas e favorável à cultura conservadora e intolerante própria ao regime. Daí a importância de controlar o fluxo de corpos acadêmicos, isto é, os processos de recrutamento, nomeação de gestores, concessão de bolsas,

101 afastamentos, transferências (remoção e redistribuição), etc. Ora negativando, ora afirmando corpos aliados, o DSI/MEC enviou o oficio nº 028/D/DSI/MEC, datado 13/08/80, manifestando seu interesse e solicitando todo apoio da reitoria para “reanálise” do pedido de transferência do estudante de direito da UFPB, Sérgio José de Adeildo Pinheiro Coutinho Beltrão, para a UFPE. Em novo comunicado o mesmo órgão solicitou o desligamento do professor Rômulo de Araújo Carneiro Cavalcanti de Lacerda Jr. por suposta acumulação de cargos (Ofício nº 009/1962/81/DSI/MEC). O diretor do SNI/ARE também determinou o afastamento dos médicos residentes Roberto Aarão Cohen Foinquinos, Raquel Aline Fernandes Lima, Ana Cassia Azevedo e Maria Angelina Carvalho de Miranda Souza, pelos mesmos motivos (Ofício 197/19/ARE/82; Ofício 213/19/ARE/82; Ofício nº 016/19/ARE/83 - Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Geralmente as ASIs operavam diretamente nos variados processos de recrutamento de professores, de pessoal administrativo e de estudantes, assim impedindo matrículas, contratações e renovações de vínculos dos pretensos “subversivos” e corruptos. Esses vetos políticos de contratações, de bolsas, de afastamentos, de funções de gestão, de viagens e de renovações de contratos eram conhecidos como “cassações brancas”. Normalmente nenhuma justificativa era apresentada aos requerentes no instante da repressão. Sobre esta modalidade de ação, recorda a professora Mac Dowell:

Aconteceu de fazermos concursos para admissão de docente e, publicados os resultados, vir o assessor de segurança me dizer: “esse ai está vetado, não pode ser contratado” e acrescenta: “esta é uma informação sigilosa, a senhora não pode dizer por que ele não vai ser contratado”. Eu respondia: “Olhe, quem contrata não sou eu, mas eu sei que não vai poder mesmo e vou lhe dizer o que é que eu vou fazer: vou chamar esse rapaz e vou lhe dizer a ele tudo o que você está me dizendo e vou acrescentar que, se ele entrar com um mandado de segurança, a universidade vai confirmar todos os fatos e, aí sim, vai obedecer a esse seu sigilo, e não vai apresentar nenhuma defesa, nenhuma razão de porque descumpriu o edital do concurso: réu confesso, portanto”. Foram por volta de uns três casos, nenhum deles me foi uma amarga experiência. Isso foi na época da Pró-reitoria [1971-1975]. Depois, na vice- reitoria [1984-1988] (SANTOS, 2012, p. 245).

Dado o volume de operações de segurança e informações da época, certamente os números apresentados pela antiga Pró-reitora são subestimados e participam da memória oficial da “ditabranda” e da resistência democrática para a qual não houve repressão e todos foram contrários à ditadura. No entanto, a destruição ou extravio do arquivo da AESI/UFPE dificultam

102 o mapeamento da triagem política de docentes, administrativos e discentes da instituição, apesar dos registros de história oral, da literatura e dos inúmeros casos aqui relatados.

Há registros desse tipo de “cassação branca”: na UFRGS, na UFC, na UNESP, na UFF, na UFMG, na USP, UFSCAR (onde o maestro e antigo membro do MCP Geraldo Menunci foi demitido por pressões da ARESI/SP – MOTTA, 2014a), na UEL, na UNB, na UFS. Por este ângulo o relatório final da CMVDHC registra as arbitrariedades, sem discriminar as sanções, cometidas na UFPE contra os professores Geraldo Gomes, Waldomiro Cavalcanti da Silva, Cesare Galvan, Marcelo Gravini Antinori, Denis Bernardes, Sylvio Zanchetti, Alberto Clementino Junior e Célia Maria de Lira Cavalcante da Silva entre 1981 e 1982 (BRAYNER; BARBOSA, 2017).

Do mesmo modo, o antigo coordenador do PIMES descreve as reuniões com o “chefe de segurança” da SUDENE, Coronel Lima, para reverter vetos de bolsas do Programa USAID/SUDENE. Cita, assim, um aluno excluído porque era homônimo de um agente suspeito; de outras duas estudantes prejudicadas pela prisão em Ibiúna e pela distribuição de panfletos “subversivos”; e de um terceiro rapaz que já havia sido preso e torturado, além de ser denunciado injustamente pelos estudantes como “dedo duro”. Lembra, finalmente, o caso do professor Silvio Maranhão e da professora Silke Weber, cujas bolsas de doutorado da USAID/SUDENE sofreram vetos políticos, assim obrigando ao coordenador e aos prejudicados recorrerem à outra instituição financiadora, neste caso, a Fundação Ford (PESSOA, 2005).

Diante da crescente onda de denúncias e de campanhas internacionais contra a ditadura, o governo aumentou o controle da entrada e da saída de brasileiros e de estrangeiros (GREEN, 2009). Neste sentido, o DSI/MEC passou a fiscalizar em 1971 o afastamento de membros da comunidade universitária e de conferencistas, de professores visitantes, de estudantes de intercâmbio, etc. Para avaliar o pedido de professores e de pessoal técnico da universidade, aplicava-se o questionário de triagem política LDB, analisado mais acima. O objetivo era evitar novas acusações para além das fronteiras da censura e da repressão ditatorial. Por outro lado, havia um cuidado semelhante com a vinda de professores estrangeiros que pudessem testemunhar contra o regime ou contribuir com a “subversão” e a “corrupção” dos valores ditos brasileiros: patriotismo, anticomunismo e cristianismo. Semelhante exigência favoreceu a produção de um banco de dados monstruoso sobre o corpo docente e científico brasileiro com fontes oriundas das ASIs, do DSI/MEC, do SNI, do CIEs, do DOPS. Caso fosse verificada qualquer alteração no “pedido de busca”, o professor suspeito poderia ter seu pedido de afastamento vetado ou receber toda forma de pressão e de obstáculos com o mesmo objetivo restritivo (MOTTA, 2014a).

103 Um exemplo do monitoramento de universitários estrangeiros ocorreu durante a solicitação pelo DSI/MEC de informações sobre uma estudante de Guiné Bissau chamada Marlene Diniz Vila Nova. Manuscritos enviados em anexo apontavam que a mesma estudara direito na UFPE entre 1966 e 1973 e que tivera a matrícula caçada pelo 477 entre 1969 e 1971. Embalada na mesma dinâmica, a ASI/DEMEC solicitou meses depois dados sobre a mesma estudante egressa (Ofício nº 1527/81/GR/UFPE). Outrossim, o DSI/MEC e o DEMEC/PE solicitaram às instituições universitárias a remessa periódica da lista com dados sobre os estrangeiros que exercessem qualquer função na universidade com “nacionalidade, procedência e tempo de permanência no Brasil”, do mesmo modo que funções de direção, com a indicação dos cargos por eles exercidos (Ofício nº 0266/1767/81/30/DSI/MEC; Ofício nº 001/82 -

GD/DEMEC/PE 51 - Arquivo Nacional. Fonte: BR RJANRIO

CNV.0.ERE.00092000680201311. Fundo: CNV).

Durante todo esse período, os espiões dos campi e demais agentes da comunidade de informações possuíam como procedimento básico a discrição e o sigilo das operações tal qual examinado anteriormente. Neste sentido, a própria identidade do professor Djair Barros Lima permaneceu misteriosa até o presente momento. Entretanto, ao longo da decadência da ditadura houve casos em que os espiões se envolveram em embates diretos com estudantes e professores do modo que se deu na ASI/UFRN e na ASI/UFMA, em episódios denunciados nos meios e comunicação pelo movimento estudantil. Outrossim, um caso heroico passado em 1986, membros do DCE da UFC ocuparam a ASI/UFC e resgataram a documentação em vias de destruição. Infelizmente a PF invadiu dias depois a sede do DCE levando de volta a documentação e alguns estudantes presos (MOTTA, 2014a).

Em Pernambuco o membro da AESI/UFRPE, “Marcelo Pangondry”, se envolveu em situações embaraçosas ao tentar intimidar estudantes desta instituição. Este agente fora colega de estágio da ESNI do chefe da AESI/UFPE, Djair Barros Lima, em 1972, e possivelmente dirigiu a Assessoria Especial da UFRPE por mais de dez anos. O incômodo e o desespero dos setores mais radicais com a distensão e a abertura política talvez tenha motivado o caso relatado na matéria de capa: “Líder estudantil sofre atentado no campus da Rural”. O estudante Pedro Laurentino Reis Pereira, presidente do DCE da UFRPE, conversava na frente da entidade que, aliás, se encontrava sob intervenção da reitoria, quando o membro da ASI/UFRPE “chegou num automóvel fazendo uma manobra num pátio e acelerando em sua direção. Diz o estudante