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2 RÉQUIEM PARA UNIVERSIDADE DO RECIFE: GOLPE E

2.3 AS TEIAS DA COMUNIDADE DE INFORMAÇÕES

Ao lado dos programas de modernização e de mobilização acadêmica conservadora, a teia de vigilância e controle urdida pela “comunidade de segurança e de informações” compôs

75 os pilares básicos da política universitária ditatorial e, mutatis mutandi, do próprio regime militar. A história dessa “comunidade” remonta os anos 1930, quando os programas de inteligência contavam tão-somente com a orientação do Conselho de Defesa Nacional e com os tentáculos da Polícia Federal (PF) e das Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS – SILVA, 2014). No decurso dos anos que vão de 1927 a 1946 esse órgão consultivo presidencial e interministerial passou a se chamar Conselho de Segurança Nacional (FICO, 2004; 2010; MOTTA, 2014a; MÜLLER, 2014)29.

Após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), o CSN ganhou uma estrutura mais robusta, com uma Secretaria Geral dirigida pelo chefe de Gabinete Militar da Presidência da República, com os seguintes órgãos subordinados: Comissão de Estudos, Seções de Segurança Nacional dos Ministérios Civis, Comissão Especial da Faixa de Fronteiras e Serviço Federal de Informações e Contrainformações (SFICI). Com acirramento da guerra fria entre os mundos capitalista e socialista (HOBSVAWM, 1995), estabeleceu-se normativamente a definição de crimes contra o Estado e contra a ordem política e nacional (SILVA, 2014; MOTTA, 2014a). Assim, a Lei de Segurança (Lei 1.802, de 5 de janeiro de 1953) definiu os fundamentos jurídicos da futura “operação limpeza”, como ficou conhecido o expurgo político analisado em itens anteriores deste trabalho.

Depois do golpe de 1964, a política nacional de informações é centralizada pelo Serviço Nacional de Informações. O órgão possuía como finalidade “superintender e coordenar, em todo território nacional, as atividades de informação e contra informação, em particular as que interessam à Segurança Nacional” (Lei 4.341, de 13 de junho de 1964). Neste sentido, coube ao SNI apoiar e encobrir efetivamente os programas de repressão contra os inimigos políticos da ditadura estigmatizados como “subversivos” e “corruptos”. Dentre os alvos principais se encontravam grupos de esquerda e de centro, principalmente políticos, sindicalistas, militantes de movimentos sociais, militares, universitários, intelectuais e artistas.

Além da política de espionagem, o SNI deveria assessorar o presidente da República, os ministros de Estado e o CSN. Em vista disso, o chefe do SNI dispunha de prerrogativas de ministro de Estado. Para tanto, o SNI contava com uma Chefia (Chefe de Serviço e Gabinete), uma Agência Central no Distrito Federal, Agências Regionais, assim como o SFICI que até então pertencia à CSN. Em 1967 as antigas Seções dos Ministérios Civis foram também

29 Sobre a CSN ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/conselho-de-seguranca-

76 incorporadas como Divisões de Segurança e Informação (DSI), doravante compondo uma rede de espionagem estatal dita “monstruosa” (FICO, 2004; 2010)

Formalmente cabia à DSI assessorar os ministérios civis nas tomadas de decisões que envolvessem questões relativas à segurança nacional, assim estando subordinado ao CSN e, a partir de 1970, ao SNI. O DSI/MEC possuía desde o começo uma das melhores estruturas materiais e humanas da “comunidade de informações” devido à missão de vigiar as universidades (MOTTA, 2014a). Na prática o órgão funcionava como uma via de mão dupla pela qual o alto comando militar espionava e pressionava ministros de Estado e suas equipes de trabalho. Geralmente a DSI contava com a direção de coronéis, capitães de Mar (Marinha) e oficiais generais reformados, como mostra a lista de todos os diretores do DSI/MEC:

Tabela 4 – Diretores do DSI/MEC

Diretor Período

General Waldemar Raul Turula 13 de junho de 1967 a novembro de 1969

Brigadeiro Armando Troia novembro de 1969 a setembro 1970

Coronel José Roberto Monteiro Wanderley setembro 1970 (interino)

Tenente-coronel Aviador Pedro Vercillo dezembro de 1970 a março de 1974

Coronel Osny Vasconcelos 10 de abril de 1974 a outubro de 1974

Coronel Armando Rozenweig Menezes 18 de novembro de 1974 a novembro de 1979

Carlos Roberto Ferreira Tatit outubro de 1979 a 15 de fevereiro de 1984

Coronel José Olavo de Castro 16 de fevereiro de 1984 a 11 de abril de 1985

Coronel Jorge de Almeida Ribeiro 12 de abril de 1985 a 25 de abril 1986

Coronel João Manoel Simch Brochado 26 de abril de 1986 a setembro de 1987

Coronel Ary Oliveira setembro de 1987 a abril de 1989

Coronel João Tarcísio Cartaxo Arruda abril de 1989 até 15 de março de 1990

Fonte: CUNHA; MÜLLER, 2014, p. 285

De toda a lista, apenas o diretor Carlos Roberto Ferreira Tatit não era oficial superior e general militar, mas era um agente experiente do SNI. Como se sabe, ao longo do processo de instalação, consolidação e endurecimento da ditadura, a comunidade de informações se tornou uma das bases institucionais do regime autoritário por meio de práticas de espionagem e de contrainformação com fins de repressão dos possíveis adversários políticos da ditadura e de disseminação de uma cultura política conservadora (FICO, 2004; 2008; 2010; MOTTA, 2014a)30.

Ademais, os três ministérios militares (antigo Ministério da Guerra) possuíam seus próprios sistemas de informações que foram reestruturados em 1967 para enfrentar a

30 Ver também: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/servico-nacional-de-informacao-

77 “subversão” e a “corrupção”, a saber o Centro de Informações do Exército (CIE), o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) e o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA). Diferente das agências do SNI, com escopo restrito às operações de inteligência, estes órgãos militares desenvolveram também ações de segurança, isto é, prisões, interrogatórios, torturas, mortes e desaparecimento dos ditos “subversivos” (MANSAN, 2014) 31 .

Compartilhando vínculos e órgãos, a comunidade de segurança e a comunidade de informações era ao mesmo tempo inconfundíveis e inseparáveis enquanto máquinas de controle e de (re)produção social. A partir de 1970, os órgãos de informação foram englobados formalmente pelo Sistema Nacional de Informações (SISNI), encabeçado pelo SNI e pelo CSN (FICO, 2004; 2010; CUNHA, 2008; SILVA, 2014b).

Ao longo dos anos 1970 o governo criou as Assessorias Especial de Segurança e Informações (AESIs), também conhecida como Assessorias de Segurança e Informações (ASIs), para cada autarquia, fundação ou órgão público. Como tentáculos do SISNI, essas agências participaram da vigilância e da repressão de universitários e de seus colaboradores por meio da produção de informações e de diferentes formas de pressão política na reitoria e na cúpula do governo (MOTTA, 2014a; MÜLLER, 2014; MÜLLER; FAGUNDES, 2014).

Entretanto, a relação entre dirigentes universitários e agentes de segurança e informações antecede o golpe como se indiciara nas perseguições e nas sindicâncias internas, inquéritos sumários e IPMs da chamada “operação limpeza”. Essa comunicação sigilosa por correspondências oficias e encontros informais muitas vezes provocava a desconfiança da comunidade universitária. No torvelinho da revolta estudantil de 1968, os ditos “elementos de ligação” passaram a atuar nas reitorias mais próximas do governo, conforme determinação do DSI/MEC (BRASIL, 1968a). Para o historiador Rodrigo Motta, os “elementos de ligação” entre as reitorias e o DSI/MEC possivelmente originaram as futuras AESIs universitárias (MOTTA, 2014a).

Ainda em janeiro de 1971 surgiram as primeiras AESIs acadêmicas, conforme Plano Setorial de Informações do MEC. Neste sentido, um ofício do coronel Pedro Vercillo (DSI/MEC), datado de 25 de janeiro, determinava aos reitores das UFs a nomeação dos diretores destas Assessorias em um prazo máximo de 10 dias (CUNHA, MÜLLER, 2014). São criadas nessa lógica: AESI/UNB (19 de fevereiro de 1971), AESI/UFPB (março de 1971),

31 A comunidade de segurança contava com órgãos como a polícia militar, civil e federal (inclusive o DOPS que

desenvolvia, sobretudo, ações de inteligência), as 2as seções das Forças Armadas e a polícia política do sistema

78 AESI/UFAL (janeiro de 1972) e AESI/USP (outubro de 1972). As evidências apresentadas mais adiante levam a acreditar que a AESI/UFPE foi criada igualmente por volta de 1971.

Segundo Motta, apenas no âmbito educacional “havia aproximadamente 35 AESIs universitárias e cerca de quinze ligadas a outros setores do MEC”32 (2014, p. 197). Estes

números englobavam todas as universidades federais brasileiras e algumas escolas técnicas e universidades estaduais como a USP, a Universidade Estadual de Londrina e a Universidade Estadual de Maringá.

De acordo com o “regimento interno de assessoria especial de segurança e informações (padrão)”, estes órgãos estavam subordinados aos respectivos reitores, diretores, chefes, etc, com finalidade de assessoria “em todos os assuntos pertinentes à Segurança Nacional e às informações, sem prejuízo, nesses campos, de sua condição de órgão sob a superintendência e coordenação da DSI/MEC” (Arquivo Nacional: BR.AN, BSB.AA1.AGR.206, p1/6). Registrava-se igualmente que através da Assessoria a referida instituição se integrava à Comunidade setorial de informações do MEC. Nesta lógica competia à AESI:

a) coletar dados necessários aos estudos e planejamentos relativos à Segurança Nacional, particularmente os que se referem à segurança nacional, à mobilização e à contra informações, de conformidade com a orientação recebida da DSI/MEC; b) realizar outras missões e tarefas atribuídas pelo [reitor, diretor, chefe, etc.] e pela DSI/MEC, coerentes com a finalidade do órgão (BR.AN, BSB.AA1.AGR.206, p1/6).

Previam ainda as finalidades referentes às informações:

a) coordenar e supervisionar a execução do Plano Setorial de Informações, na área de influência da [adm. indireta e sob supervisão] consoante as instruções emanadas da DSI/MEC e do [reitor, diretor, chefe, etc.] da [adm. Indireta e sob supervisão]; b) produzir informações necessárias às decisões do [reitor, diretor, chefe, etc.] e aos atendimentos das determinações contidas no Plano Setorial de Informações; c) Encaminhar à DSI/MEC por intermédio da ARSI [...] as informações necessárias, segundo a prioridade estabelecida no PSI e também as informações que, atendendo ao Princípio da Oportunidade, devam ser de conhecimento imediato dos clientes principais da DSI/MEC, não obedecendo, assim, à prioridade; d) obter informações visando caracterizar e/ou modificar os antagonista atuais ou potenciais existentes na área de influência [...] bem como os grupos de pressão que os explorem e que possam

32 Departamento de Assuntos Culturais, Fundação Nacional de Material Escolar, Instituto Nacional de Cinema,

Serviço de Radiofusão Educativa, Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CNPq).

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afetar a execução da política ministerial; e) estudar e dar parecer sobre assuntos inerentes às atribuições do órgão, quando lhe forem submetidos pelo [reitor, diretor, chefe, etc.] ou pela DSI/MEC; f) criar uma correta mentalidade de informações, tendo viva a ideia do Desenvolvimento com Informações para melhor decisão; g) executar outras missões e tarefas atribuídas pelo [reitor, diretor, chefe, etc.] e pela DSI/MEC, correntes com a finalidade do órgão (Arquivo Nacional: BR.AN, BSB.AA1.AGR.206, p1/6).

Como se pode observar, as AESIs estavam tanto subordinadas às administrações acadêmicas quanto ao DSI/MEC, isto é, ao SNI. Essa via de mão dupla permitia ao órgão não apenas vigiar os próprios gestores aos quais estava subordinado, como pressioná-los conforme os desígnios da cúpula ditatorial, do mesmo modo como se dava entre as DSIs e os ministérios civis.

Formalmente, a estrutura básica das agências era composta pela chefia e pelas seções de informações: Turma de Busca, Turma de Processamento e Turma de Documentação. Quanto às “atribuições orgânicas”, cabiam ao chefe as competências inerentes à gestão (“planejar, dirigir, coordenar e fiscalizar”), a proposição de grupos de trabalhos e tarefas, a promoção de investigações de informações, o recrutamento, seleção e treinamento de agentes, acompanhar e assessorar a administração supervisionada. As seções deveriam executar os programas de informações e contrainformações por meio da produção, da solicitação, da coleta, da distribuição, da análise e da organização de dados, assim como de outras tarefas designadas pela DSI/MEC e pelo gestor da instituição vigiada.

O regimento estabelecia conforme normativa da DSI que a responsabilidade pela manutenção e pelo pagamento dos agentes das AESIs era das próprias administrações supervisionadas com consignação de “orçamento” e “verba própria”, por vezes com apoio do empresariado (CUNHA; MULLER, 2014). Embora os gestores desfrutassem da possibilidade de nomear seus espiões, cabia ao DSI a homologação final dos agentes. Como se verá mais adiante, os antigos “elementos de ligação”, geralmente oficiais superiores das forças armadas, foram, assim, paulatinamente substituídos por professores e por pessoal administrativo das universidades vigiadas. Essa opção de escalar um quadro menos suspeito da casa, evitava as despesas extras com um interventor de fora. Por fim, o regimento destacava a obrigatoriedade de fornecer aos órgãos de informações (OIs) todos os dados e esclarecimentos requisitados, assim como a natureza sigilosa das operações executadas pelas mesmas.

O organograma do DSI/MEC previa, ainda, as Assessorias Regionais de Segurança e Informações (ARSIS), cujo objetivo era coordenar e articular AESIs regionais com o DSI/MEC. Então registravam-se cinco ARSIS: ARSI/NE, ARSI/DF/MG/GO, ARSI/GB, ARSI/MT/SP e

80 ARSI/RS. No entanto os órgãos regionais não se consolidaram, tendo sido substituídos em 1975 pelas ASIs das delegacias regionais do MEC (ASI-DEMEC), que em 1976 somavam um total de nove assessorias (MOTTA, 2014a; CUNHA; MÜLLER, 2014).

Diante da importância do Sistema Nacional de Informações (SISNI), o governo criou em 1971 a Escola Nacional de Informações (ESNI) com objetivo de formar e aprimorar os quadros de espiões. Os cursos e os estágios da ESNI contemplavam vários níveis de ensino e funções de agente, analista e chefe de informações (Arquivo Nacional: Fundo BR - DFANBSB - AA1.0.LGS.5). As certificações da ESNI ou da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) se tornaram obrigatórias para todos os agentes da rede, inclusive os membros da DSIs e das ASIs, conforme ato normativo que reformulou os órgãos em 1975 (Decreto nº 75.640, de 22 de abril de 1975). Uma série de escândalos envolvendo vazamento de dados sigilosos impulsionara a decisão do governo de tornar obrigatórios os programas de qualificação por meio de cursos e estágios (FICO, 2004; 2010; MOTTA, 2014a). A tabela abaixo apresenta a categoria funcional dos agentes de informações conforme a qualificação profissional exigida:

Tabela 5 - Qualificação Técnica dos funcionários

Tipo Qualificação profissional

Analista de informações A Curso superior incompleto e curso “B” da ESNI

Analista de informações B Curso superior completo e curso “B” da ESNI

Analista de segurança nacional e mobilização A

Curso superior completo em área de atividade-fim do Ministério, órgão ou entidade, ou curso de Escola de Formação de Oficiais das Forças Armadas

Analista de segurança nacional e mobilização B

Cumprir os requisitos exigidos para o Analista de Segurança Nacional e Mobilização A e possuir três anos de exercício de atividade-fim em órgão setorial ou seccional do SISNI

Fonte: CUNHA; MÜLLER, 2017, p. 285

No geral os cursos contemplavam em seus currículos conteúdos sobre os procedimentos de investigação e de normatização que constituíam a “mentalidade de informações”. Daí todo treinamento na coleta de informações por intermédio do “Pedido de Busca” e do “Pedido de informação” (PB e PI), que consistiam na coleta de dados sobre os “suspeitos” pelo banco de dados do SISNI e de outros arquivos, assim como a investigação direta do “elemento suspeito”

81 (MOTTA, 2014a; SILVA, 2014b). Mas, além disso, a aplicação das normas detalhadas de classificação em relação à idoneidade da fonte, à veracidade do informe e ao sigilo da informação (Arquivo Nacional: Fundo BR - DFANBSB - AA1.0.LGS.5)

Cabe observar, de tal modo, que os OIs não estavam autorizados a iniciar ações de segurança conhecidas como “termo de declaração”. Esse procedimento consistia na confissão do suposto crime de “subversão” e de “corrupção” mediante a prisão e o interrogatório (e em muitos casos sequestro, tortura, assassínio e desaparecimento). Cabia, no entanto, às OIs nutrirem com informações à comunidade de segurança para executar essa prática da polícia política, isto é, “fazer as operações” no jargão do sistema DOI-CODI (FICO, 2004, p. 80; SILVA, 2014b; MANSAN, 2014).

Por outro lado, buscava-se desenvolver nos alunos e estagiários da ESNI habilidades de contrainformações, de discrição pessoal e de manejo de documentos sigilosos. Para tanto, contavam com manuais como: “Como eles Agem”, “Manual sobre guerra psicológica”, “Manual de informações e contrainformação”, “Manual de segurança das comunicações”, “Como identificar um possível usuário de drogas” e “Manual de informações” (este manual era numerado, dado sua importância para os OIs). Aquele primeiro manual que descrevia caricaturalmente a ação de comunistas na universidade vazou em 1974, caindo assim na crítica de jornalistas e universitários (FICO, 2004; 2010 MOTTA, 2014a, p. 200).

Ademais, as agências de informações universitárias obedeciam basicamente ao mesmo repertório dos demais órgãos de espionagem: produção de informações sigilosas; vigilância de subversivos e corruptos (conceitos que envolviam classes populares, minorias socioculturais e comportamentos tidos como desviantes: comunistas, homossexuais, roqueiros, hippies, usuários de drogas, artistas, etc.); ações de contrapropaganda; controle e censura de atividades institucionais; controle do fluxo de universitários (recrutamento, nomeação de gestores, concessão de bolsas e de afastamentos e transferências – remoção e redistribuição).

Para triagem “ideológica” de servidores públicos utilizava-se um documento confidencial chamado de “Levantamento de Dados Básicos” (LDB). A partir de 1971 a contratação de servidores na Universidade apenas se dava após o envio do LDB para DSI/MEC, que fazia a sondagem com demais órgãos da comunidade de informações e validava ou não o recrutamento. A ideia era impedir a nova contratação de antigos militantes do movimento estudantil e de grupos de esquerda conforme estabelecera o AI-5 e o AC-75.

Em 1974, o preenchimento do LDB se tornou igualmente obrigatório para nomeação de gestores e de membros de comissões, assim como nos casos de solicitação de afastamentos do país. Assim os itens do LDB deveriam identificar a “posição ideológica”, “atitude com relação

82 à Revolução de 31 de março de 1964” e “atividades subversivas”. Na “Ficha sintética de apreciação sobre o levantamento de dados biográficos efetuados” o chefe da ASI deveria assinalar o nº do LDB, o nome, a solicitação do investigado e as seguintes alternativas:

Tabela 6 – Ficha Sintética de apreciação sobre o Levantamento de Dados Biográficos (LDB)

LDB nº Nome

Cogitação

1.Posição Ideológica Democrata; comunista; esquerdista; sem

posição definida; não há registros; os registros não permitem opinião conclusiva; 2. Atitude com relação à Revolução de

31/Mar/64

Adesista; contrário; contra-revolucionário; sem posição definida; integrado; não há registros; os registros não permitem opinião conclusiva

3. Atividades subversivas Atuante; simpatizante; não há registros; os registros não permitem opinião conclusiva; 4. Atividades subversivas Atuante; simpatizante; não há registros; os

registros não permitem opinião conclusiva; 5. Probidade administrativa; 5. Eficiência

funcional ou profissional; 6. Conduta civil:

Há registros positivos; há registros negativos; não há registros. Seguia-se um espaço para registro das “observações” e finalmente “apreciação final”

Observações

Apreciação final: Não há restrição; os registros existentes não contraindicam o aproveitamento; não existem elementos de convicção que contraindiquem o aproveitamento; Não há registros; não deve ser aproveitado; há registros negativos; não há registros.

Fonte: (Arquivo Nacional – BR.DFANBSB.AA1.0.AGR.45).

No caso de solicitação de afastamento de servidores e de estudantes, observavam-se as seguintes alternativas: “1) a necessidade de preservação da imagem do Brasil no exterior; 2) a possibilidade de inculcações com grupos ou organizações contrárias aos interesses democráticos; 3) a possibilidade de o curso ou o estágio habilitar o beneficiado a posterior acesso a cargos de nível elevado” (CUNHA; MÜLLER, 2014, p. 288).

Como se pôde examinar, as agências de informações e contrainformações universitárias desempenharam uma função relevante no controle dos fluxos de corpos e de discursos superiores por meio de “um sistema leviano de inculpação de pessoas [...] que partia da pressuposição de que todos poderiam ser culpados de subversão ou de corrupção” (FICO, 2010, p. 179). Superado o exame mais geral destas agências, faz-se importante analisar seu cotidiano na vida acadêmica das universidades brasileiras, sobretudo da UFPE.

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2.4 A ASSESSORIA ESPECIAL DE SEGURANÇA E INFORMAÇÕES DA UFPE