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3 MUTAÇÕES FÍSICAS DA MÁQUINA UNIVERSITÁRIA

3.5 CARTOGRAFIA MOLAR DO TERRITÓRIO UNIVERSITÁRIO

Há um documento publicado em 1975 pelo MEC que pode ajudar a entender os efeitos iniciais dos programas de melhoramento e expansão física universitária do Regime Militar (BRASIL, 1975). Nele se percebe que a cartografia espacial das universidades em meados dos anos 1970 não é de toda oposta àquela predominantemente urbana e fragmentada a qual Atcon encontrou em sua viagem em 1965. Há, entretanto, diferenças significativas a serem analisadas. O corpo da universidade permanecia, sobretudo, urbano e fragmentado com recursos físicos e equipamentos tecnológicos escassos em 80% das universidades pesquisadas. A ausência ou duplicidade dos campi com outras unidades se expressa pelo “paradoxo ou eufemismo” da figura do “campus descontínuo” presente em dezessete universidades das trinta e uma instituições pesquisadas. O processo de expansão massivo é, em parte, aleatório e destituído de critérios de ocupação em contradição com o discurso do regime de planejamento e eficiência.

Os dados relativos às áreas construídas dentro e fora do campus mostram, no entanto, uma eminente ruptura deste mapa recortado pela crescente edificação e ocupação dos arredores das cidades com empréstimos do BID. Nesta lógica, há um grupo menor de universidades que ainda concentra parte efetiva de suas obras fora de seu território, bem como um segundo grupo, igualmente pequeno, que encerrava 100% de suas construções no campus e um conjunto maior, cujas obras se encontram menos divididas nas unidades isoladas30.

As obras projetadas estão quase totalmente localizadas nos campi. Apenas a FURG (2,1%), a UFJF (0,8%), a UFGO (12,8%) e a UFPE (19,4%) fazem ainda projeções de construção fora destes. Por este ângulo, chama atenção que inexistia, até então, pelo menos um campus concluído. Apenas cinco universidades estavam instaladas em sede única, aliás, todas elas parcialmente edificadas. O grande volume das instituições dividia seus corpos entres os

301º UFU, FURG, UFPI, UFSE, UFMT, UFMG, UFGO e UFRN; 2º UFRPE, UFV, UFOP, UFRRJ, UFSCAR e

UFPEL; 3º : UFAM, UFMA, UFAL, UFES, UFJF, UFPA, UFCE, UFPB, UNB, UFPR, UFSC, UFSM, UFPE, UFBA, UFF, UFRS e UFRJ (as quatro primeiras mais a UFRN iniciaram a construção dos seus campi durante a reforma universitária instituída pelo Regime militar).

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campi, os multicampi e as unidades isoladas.

Tabela 7– Localização das instalações e situação do campus

Localização Situação Instituição Número de

universidades

Um campus Parcialmente construído UFRPE, UNB, UFMT, UFRRJ 4

Um campus Com projeto em

elaboração

UFSCAR 1

Mais de um campus Parcialmente construído UFES e UFV 2

Campus e instalações

isoladas

1. Parcialmente

construídos

2. Início de construção 3. Com projeto concluído

1. UFPA, FUMA, UFCE,

UFRN, UFPE, UFJF, UFOP, UFRJ, UFSC, UFSM; 2. UFPI; 3. FURG; 12 Multicampie instalações isoladas 1. Parcialmente construídos 2. Com projetos em elaboração 1. UFPB, UFAL,

UFBA, UFMG, UFGO, UFRS e UFPEL;

2. UFF;

8

Instalações isoladas 1. Com projeto

concluído;

2. Com projeto em

elaboração;

1.FUAM, UFSE, FUBER;

2. UFPR 4

Um campus Totalmente construído - -

Total 31

Fontes: Brasil, 1975, p. 399

A cartografia é diferente daquela vendida nos jornais do campus enquanto materialização da eficiência, do planejamento e do lirismo tecnocrático. A vida aprazível nesta babel é apenas possível numa operação de memória ou de publicidade, pois no cotidiano se

144 impunham os desafios da mobilidade, da urbanidade, da segurança e da violência do próprio Estado (como fora no caso do Padre Henrique, torturado e assassinado nas imediações da Cidade Universitária).

Em outro aspecto, a lógica de organização compacta dos edifícios no ambiente se faz apenas presente na UFPR, na UFBA, na UFRS e UFSCAR, esta última em vias de mudança total de endereço. O mesmo pode ser dito quanto à ascendência do zoneamento funcional menos por área de conhecimento do que pelas unidades profissionais. Nesta lógica as áreas construídas dão mais ênfase ao setor profissional do que aos setores básicos, administrativos, de serviços, estudantil e de esportes. Este perfil não parece passível de mudanças diante das projeções das novas construções. Ademais, o índice de ocupação destes espaços circula em torno de 17 a 26m² por estudante em 1971. A UFPE possuía uma área construída de 234.397 m², que para os 11048 estudantes resultava num índice de ocupação 21.2m². A amplitude das construções era apenas inferior aos da UFMG31 e da UFRJ com áreas respectivas de 255.837m² 509.496m².

Pelos extensos relatórios publicados o governo media cada centímetro do conjunto que estava erguendo. Neste sentido, não passou incólume que a orientação de centralizar as bibliotecas num único edifício era ignorada em favor de outras diretrizes. A biblioteca central partia do ideal da reforma de não duplicação dos meios para fins idênticos ou equivalentes. Este esforço não estava logrando sucesso, uma vez que o sistema encontrado é basicamente misto, isto é, Biblioteca Central e setorial. Por outro lado, as poucas bibliotecas centrais existentes estavam alojadas em edifícios provisórios ou inadequados (BRASIL, 1975). Quando, por fim, foram construídas, localizavam-se centralmente distantes dos setores que deveriam atender.

A austeridade das formas ditou o modelo dos novos edifícios. A aplicação das tendências da arquitetura moderna, sobretudo funcionalista, resultou em conteúdos decisivamente diferentes daquelas das cidades universitárias planejadas antes de 1964, igualmente modernistas. A expansão física segue os critérios impostos no final dos anos 1960 por consultorias e normas jurídicas e técnicas das campanhas e programas de expansão. As singularidades e os debates públicos do período republicano cedem à padronização e a imposição do regime autoritário.

Para a maioria das universidades, as obras se iniciam com a ocupação de uma gleba, normalmente na zona rural da cidade, no contexto dos programas de expansão física do MEC. No caso das instituições que já possuíam cidade universitária, o processo se deu pela lenta

145 adaptação dos territórios já edificados e urbanizados ao modelo vigente. Os campi da UFPA, da UFPB e da UFJF foram os primeiros a incorporarem o zoneamento funcional por áreas, tal qual defendido por Atcon em seu manual (1970). Até então as únicas instituições que não apresentavam padrões de construção pré-fixados eram a UFRPE, a UFSE, a UFV, FUBER, a UNB, a UFF e a UFPR.

Neste sentido, os imóveis são construídos para abrigar funções específicas: didático- científicas, administrativas e complementares. A UFRN, UFMG, UFOP e UFRS faziam uso de construções pré-fabricadas e modulares afinadas com os princípios de flexibilidade e expansão. Em contrapartida, diversas construções possuíam estruturas simples de concreto armado e aparente: UFAM, UFMA, UFPI, UFAL, UFCE, UFPB, UFGO, UFMT, UFFRJ e UFPEL. Os blocos padronizados trazem no geral acabamento em concreto ou tijolo aparente e cobertura de cimento e amianto: UFPI, UFAL, UFCE, UFPB, UFMT e UFRRJ. Ademais, as construções da UFPA, da UFPB e da UFPE levaram em consideração, nos seus programas e planos, as condições e as tecnologias regionais.

Em estudo sobre campus no Nordeste, a arquiteta Magda Campelo (2012, p. 35) mostra como parte significativa das universidades desta região iniciam ou reformulam suas obras no bojo das reformas e dos programas de expansão física: UFBA (não possuía projeto de território unificado até o final dos anos 1970), UFRPE (reconstrução como campus a partir de 1975 em área de 147 hectares em Dois Irmãos, zona rural da cidade do Recife), UFC (campus Pici em gleba suburbana de 232 ha), UFPB (obras iniciadas como Cidade Universitária em 1965 e requalificadas como campus em 1971, em área suburbana de 115, 48 ha), UFRN (em 1971 com obras de campus central de 123 ha), UFAL (obras de cidade universitária datam de 1966, adequadas no final dos anos 1970 como campus A.C Simões em área suburbana de 210 ha), UFMA (com estrutura multicampi urbana e periférica em Bacanga de 271 ha no início dos anos 1970), UFS (com gleba suburbana em São Cristovão de 117 ha em meados dos anos 1970), UFPI (obras do campus Ininga iniciadas em 1972 em área de 151 ha na periferia de Teresina). A expansão física da UFPE ao longo da primeira década do regime militar se divide, assim, em quatro fases correspondentes à reforma dos edifícios urbanos, à conclusão das obras iniciais da cidade universitária em território suburbano de 156 ha e aos convênios que circularam em torno do MEC/BID I, II e III. Em 1966 são inauguradas diversas obras iniciadas antes do golpe: Faculdade de Filosofia e Instituto de Ciências do Homem, Escola Superior de Química e pavilhões de aula, CECINE, Faculdade de Farmácia e três blocos da Escola de

146 Engenharia de Pernambuco (Administração, eletromecânico e ensino – parcial).

Em seguida, no contexto do MEC-BID I e II são construídas entre 1968 e 1972 a Imprensa Universitária, a Faculdade de Ciências Econômicas, a Reitoria e a Biblioteca Central. Em meados dos anos 1970 são erigidos o Centro de Educação, o Colégio de Aplicação, a Prefeitura da Cidade Universitária, o Núcleo de Processamento de Dados, o Almoxarifado Central, o Centro de Artes e Comunicação e a Faculdade de Odontologia.

É deste período, da mesma maneira, o plano paisagístico de Burle Marx, a construção do Centro Esportivo e a retomada do Hospital das Clínicas. A planta previa o fechamento do campus com apenas um largo portão de acesso, assim como a construção de jardins, laguinho irrigado pelo canal do Cavoco, arborização com flora regional e centro cívico não empreendido (Diário de Pernambuco - 17/01/1973, p. 7). Por fim, já posterior ao período analisado, o MEC- BID III financiou a reforma do Centro de Educação e do Centro de Artes e Comunicação (CABRAL, 2006).

Em 1970 a UNICAP também reformou seu campus urbano na rua do Príncipe, bairro da Boa Vista, assim mostrando que a permanência na cidade não era impossível. O conjunto que abrigava em torno 5.200 estudantes e 23 cursos era composto por Blocos de ensino, pesquisa e administração, biblioteca e colégio universitário (Diário de Pernambuco, 11/04/1970, p.4, 5, 6 e 9).

Embora dividida entre a permanência no subúrbio do Recife, em Dois Irmãos, e a interiorização, a UFRPE em 1970 também reformou e construiu novos pavilhões de ensino e pesquisa (“de 1190, para 3200 assentos”) e o Hospital Veterinário (Diário de Pernambuco - 31/03/1972, p. 13). Como visto, o campus da UFRPE foi completamente destruído pelo Rio Capibaribe durante a grande cheia de 1975, sendo depois reconstruído no período de distensão política.