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Afastamento de Dilma Rousseff: golpe, ou simplesmente impeachment?

3 CONSTRUINDO OBJETOS DE DISCURSO EM MEIO AO EMBATE DE IDEIAS:

4.2 Descrição do modelo de análise

5.1.1 Afastamento de Dilma Rousseff: golpe, ou simplesmente impeachment?

É fato que foi aberto no Brasil em 2016 um processo de impeachment contra o mandato de Dilma Rousseff, reeleita em 2014 para o cargo que deveria exercer até dezembro de 2018. Este foi, contudo, em razão do resultado do impeachment, interrompido no dia 31 de agosto de 2016. É também fato que esse momento histórico não foi, de forma alguma, pacífico e consensual: há um impasse, invariavelmente controverso, sobre a designação mais adequada para a nomeação desse evento. Uns argumentam que, uma vez que foram cumpridos todos os requisitos legais e constitucionais, o processo é legítimo. Por isso, a sua categorização mais adequada seria a que já está institucionalmente e oficialmente posta – o

processo de impeachment. Outros afirmam, contudo, que esse evento está marcado por

interesses escusos e inconstitucionais que transformam a sua essência. Neste último caso, seria mais adequado incluí-lo na categoria na qual se encontram as tomadas ilegais do poder por meio de dispositivos antidemocráticos: os golpes. Seria ele, então, não apenas um processo de impeachment, mas um processo deturpado: um golpe de estado fantasiado de

impeachment.

A questão que se põe é um tópico central desenvolvido neste debate. Vamos analisar a formação de cadeias referenciais que constroem os dois objetos de discurso que categorizam esse evento do mundo. Vejamos como a questão se apresenta no debate no trecho (i), quando GB responde a primeira pergunta feita por FC:

i. FC - Eu queria primeiro... Guilherme... a sua avaliação sobre esses protestos... você deu uma entrevista pro Jornal Valor Econômico dizendo que::.. haverá greves e que o:::... o plano do Temer - uma ponte para o futuro- é um desastre e que os movimentos sociais não vão sair da rua... qual é a estratégia?

GB - Olha... primeiramente boa tarde Canzian e Demetrio... éh:: ... o que / o que tá em jogo... é que neste momento... não é só o golpe (01)... né.... há um golpe (02) há um impeachment sem crime de responsabilidade (03)... éh... conduzido de uma forma política... éh... ilegítima né...

O trecho se inicia com a tentativa de FC em orientar, por meio do demonstrativo na expressão definida esses protestos, o contexto do debate para as manifestações que antecediam a votação na Câmara dos Deputados. A instauração desse tópico na pergunta

elaborada por FC para GB tem como objetivo guiar o debate para os impactos que o desfecho do processo de impeachment teria na rotina do país, pois, já nesse período, havia protestos quase diários contra a deposição da presidente, conhecimento prévio indicado pelo uso do demonstrativo “esses” como reflexo da incorporação de elementos contextuais. Esse direcionamento está relacionado à pauta midiática da época que, às vésperas da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, destacava que os movimentos sociais ameaçavam "paralisar" o país.

Como é possível notar, o debate não seguiria o caminho proposto por FC. É o que vemos quando GB opta por deslocar o contexto da pergunta de FC para o questionamento da legitimidade do impeachment. Vejamos esses movimentos por meio da análise das expressões referenciais:

Em (01), o uso de uma descrição definida é responsável por ativar o referente golpe de

estado. Ao optar por esta forma nominal dentre as disponíveis no contexto, GB assume de

imediato o posicionamento que adotará ao longo do debate. Como é função característica desse tipo de estratégia referencial, a descrição definida o golpe opera uma seleção sobre o evento do mundo, ao ativá-lo com uma forma nominal que carrega forte carga semântico- argumentativa. Assim, a perspectiva escolhida por GB para instaurar este objeto no debate carrega o contexto de ilegitimidade e do discurso da farsa jurídica que seria o impeachment.

É preciso lembrar que havia resistência de grande parte da sociedade em aceitar o processo de impeachment como um golpe de estado. Essa resistência se tornava ainda mais notória em um espaço como a Folha de S. Paulo, que havia se posicionado a favor do

impeachment dias antes em editorial. É por isso que, diante desses dados contextuais, a

operação realizada em (02) consiste em uma expressão indefinida assumindo a função de anáfora nominal.

É amplamente encontrado na literatura que o uso de indefinidos não é recorrente para a retomada de referentes anteriormente introduzidos no texto, sendo eles mais comuns na introdução referencial (KOCH, 2002). Ao que parece, GB sente a necessidade de reafirmar o caráter golpista do processo. Essa opção de GB corrobora a percepção de que as interações ocorrem invariavelmente dentro de contextos sociais que de fato podem delinear o decurso delas mesmas. Em outras palavras, a informação anteriormente assumida como disponível é reconstruída para adequar-se ao público, no contexto de debate em um veículo midiático de certo modo hostil ao posicionamento de Guilherme Boulos. É provável que, em ambientes em que o objeto de discurso golpe fosse estabilizado e aceito pelos interlocutores e pela

audiência, não houvesse a necessidade de retomadas que marcassem o posicionamento de modo categórico, como acontece em (02) e em (03).

Em (03), ocorre um caso complexo de estratégia de referenciação. Há primeiro a instauração de um novo objeto de discurso (que será tratado mais adiante), mas uma vez que este novo objeto e o anterior categorizam um mesmo evento do mundo, é impossível ignorar a forte relação que estabelecem entre si. Por isso, interpretamos se tratar de um caso híbrido, cuja função anafórica pode ser a de anáfora nominal do tipo paráfrase – mais especificamente, uma paráfrase definicional (Cf. KOCH, 2004) – ou a de descrição definida. O primeiro caso se refere a um tipo de anáfora que permite ao locutor inserir no texto um vocabulário mais específico aos seus propósitos comunicativos. Nesta primeira possibilidade, chamaria a atenção GB estar usando a expressão um impeachment, somada ao modificador sem crime de

responsabilidade, para definir golpe de estado, quando a percepção comum – mas não a

definição – desse termo envolve a ruptura do poder constituído por meio da força. Como descrição definida, esta expressão teria a função de construir este objeto de discurso por meio de uma seleção dos atributos do objeto focalizado. Neste caso, não seriam todos os golpes, mas este golpe, um impeachment sem crime de responsabilidade. Em ambos os casos, ao direcionar a atenção do público para essas propriedades do objeto de discurso, o participante opera uma atribuição de valor de nulidade ao objeto de discurso impeachment (ainda a ser desenvolvido) por seu atributo “ausência de crime”, motivo que levaria à sua categorização como golpe.

No trecho (ii), vemos a primeira intervenção de DM. Nota-se, antes de tudo, que ele opta por dar continuidade ao tópico instaurado por GB, em detrimento da pergunta inicial de FC. Entretanto, o seu objetivo logo se mostra diferente:

ii. DM - Eu queria fazer uma pergunta se você me permitir... pro Boulos... éh... você disse que... tem um golpe (04) em curso... eu queria saber se o Supremo Tribunal Federal faz parte da conspiração golpista (05)...

GB - Olha... demétrio... éh... em alguns lugares fez... por exemplo o golpe que nós tivemos em Honduras (06)... que eu acho que todo mundo/ imagino... [você deve ter caracterizado como golpe...[

DM - [ Não não... ( ) no Brasil...

Em (04), mais uma vez uma expressão nominal indefinida aparece com função anafórica. Já há uma sugestão implícita, a partir dessa repetição, de que há não consensualidade quanto à existência do golpe, ainda que isso não tenha sido ainda explicitado. DM opta pelo uso indireto do discurso de GB para marcar a responsabilidade enunciativa do

que foi dito e, neste caso, permitir a manutenção do referente com a permanência da indefinição em torno do objeto de discurso.

Já em (05), há o caso de uma expressão nominal definida que interpretamos assumir a função de anáfora associativa, uma vez que não entendemos a dependência da expressão com a forma nominal anterior como correferencial, mas uma relação do tipo parte/todo. É sabido que golpes pressupõem a existência de golpistas, que, em muitos casos, se unem em uma conspiração. A opção por essa estratégia de referenciação tem um apelo argumentativo evidente: ao trazer ao texto o referente Supremo Tribunal Federal e associá-lo ao novo objeto de discurso, DM atenta para uma possível contraditoriedade no discurso de GB, uma vez que, teoricamente, tal situação (Supremo Tribunal Federal apoiar um golpe de estado) não poderia existir. Em outras palavras, DM desafia GB a admitir que o Supremo Tribunal Federal – guardião da Constituição - seria parte integrante de um processo golpista.

O caso de (06) mostra a ocorrência de uma relação indireta, inferível a partir da ativação de conhecimentos enciclopédicos partilhado entre os interlocutores. O novo objeto de discurso está ancorado no núcleo nominal golpe que está em foco. Uma característica relevante desse caso é o fato de sua ativação se dar por meio de uma expressão definida que não é contestada em momento algum. Isso é possível porque, diferentemente do referente anterior (o golpe “do Brasil”), há um consenso histórico em torno desse evento do mundo (golpe de estado em Honduras) que permite a sua ativação textual estabilizada. No caso, essa estratégia é utilizada para antecipar e frear a tentativa de construir o objeto de discurso

Supremo Tribunal Federal como uma instância inequivocamente ilibada. GB evoca esse

referente para atestar que a presença de uma entidade como um tribunal superior não é por si só suficiente para excluir a possibilidade de uma ruptura constitucional, o que ele ainda torna textualmente explícito a seguir. Assim, estabelecer essa relação indireta tem a função estratégica de permitir a retomada da construção do objeto golpe mais à frente no debate.

iii. DM - Não... eu tô te fazendo uma pergunta... o Supremo faz parte do golpe (07)?

iv. FC - Mas qual é a avaliação que você faz até agora dessa condução... cê acha que... faz parte dessa/ desse conluio... desse golpe (08) não?

GB - Olha... é... eu acho que há uma articulação no país... entre vários setores... setores do empresariado... setores da mídia... né... setores parlamentares... da direita parlamentar no país... e que... essa articulação também... seDUZ... parte do judiciário brasileiro... [

Nos trechos (iii) e (iv), DM e FC mantêm a discussão em torno do papel do Supremo Tribunal Federal no evento impeachment, ainda sem romper definitivamente com a tese do golpe. Fica implícito um alinhamento entre os discursos de DM e FC, que, como já é sabido,

representa a posição da Folha de S. Paulo. As expressões referenciais (07) e (08) mostram a continuidade referencial, mas, sobretudo em (08), é possível notar um afastamento.

A expressão (07) é uma anáfora nominal que consiste em uma repetição lexical clássica ao retomar (04), sem marca de indefinido, por vir após uma série de outras perguntas semelhantes feitas por DM a GB.

Já em (08), ocorrem duas expressões com função de descrição definida. A primeira pode indicar uma retomada do termo conspiração, anteriormente usada por DM. Ao repetir a pergunta de DM, FC usa o demonstrativo “esse” nos dois casos. Optar por esse recurso e não pelo uso do artigo definido, apesar de garantir a manutenção do referente e do tópico discursivo, pode sinalizar um distanciamento da Folha de S. Paulo da visão de que haveria golpe/conluio, pois reforça que “esse golpe” não é necessariamente um golpe factual, mas aquele que está sendo construído por GB. Em sua resposta, GB opta por usar um sinônimo com função anafórica – articulação, em vez de conspiração – que envolveria parte do

judiciário brasileiro. Por meio dessa anáfora associativa (ativada pelo hiperônimo), ele

estrategicamente direciona a atenção para o novo objeto de discurso e desfocaliza o anterior, mesmo que o último ainda inclua (hiponimicamente) o Supremo Tribunal Federal.

A dicotomização que impõe o rompimento com a cadeia referencial construída até então, contudo, não tarda a chegar. Ela surge no trecho (v), quando DM decide apresentar explicitamente a sua visão para demonstrar que esta é oposta à que estava sendo defendida por GB:

v. FC - [mas Demétrio... Você não respondeu... o Supremo / ontem o Supremo... éh... recusou os mandatos de segurança do governo contra... éh... o processo de impeachment (09) pedindo a interrupção do processo de impeachment na câmara... o Supremo negou isso por ampla maioria - oito a dois... éh... s::e há um golpe (10) então o Supremo - não é só aquele ministro... mas a maioria do Supremo... se vê obrigado por coerência a dizer isso... éh... ele chancela o golpe (11)... [quando você diz que/quando você diz que...

GB - [depende de qual for o resultado - não acabou Demétrio...

DM - ...quando você diz que o impeachment (12) só pode se dar quando existe crime de responsabilidade e isso é verdade... éh... a constituição diz também qual é o corpo político que deCIde se há crime de responsabilidade e o corpo político NÃO É o Guilherme Boulos... o corpo político é o congresso... então se o congresso decidir que HÁ crime de responsabilidade... e é claro que sempre existirá a hipótese de se recorrer ao Supremo... éh... Mas se o congresso decidir isso... se o Senado - que faz a votação final - decidir isso - e essa votação é presidida pelo Supremo... embora seja feita no Senado... éh... então não há golpe por definição... o que eu acho interessante nessa história de golpe (13)... é... não é a discussão se há ou não golpe... porque isso é uma discussão... éh... fútil... não há golpe... éh... a discussão é PORQUE se criou a fábula do golpe (14)...a fábula do golpe não foi criada pra convencer a opinião pública... porque isso é impossível... a fábula do golpe também não foi criada para convencer a imprensa estrangeira -- que achou isso uma piada... éh... a fábula do golpe foi criada pra... disciplinar... a esquerda brasileira... em

torno de Lula... a fábula do golpe serve pra criar uma narrativa sobre a interrupção do mandato de Dilma Rousseff... existe uma narrativa mais ou menos óbvia... Dilma Rousseff tem o seu mandato interrompido porque depois de perder o apoio popular... depois de perder o apoio do congresso... depois de cometer crimes de responsabilidade foi submetida ao impeachment (15) por ampla maioria do congresso... mas existe outra narrativa possível - não... o governo do PT NÃO fracassou... Mas houve um golpe das elites contra o governo do PT (16)... [essa segunda narrativa só tem uma função...

GB - [essa é a narrativa que você está reivindicando Demétrio...essa não é a minha narrativa aqui nessa mesa...

As estratégias de referenciação do trecho (v) envolvem a remissão aos referentes ativados nos turnos de GB, apontando manutenção do tópico discursivo. Entretanto, as estratégias de refocalização passam, a partir de então, a conter carga negativa que visam à deslegitimação e ao descrédito do objeto de discurso em foco.

As estratégias (09), (10) e (11) aparentam ser o início dessa bifurcação. Em (09), ocorre o emprego de uma descrição definida que interpretamos ser a primeira marca textual explícita do rompimento com a cadeia referencial anterior. Apesar de (09) ser um caso de retomada e não instaurar um novo objeto de discurso no texto – o referente impeachment já

havia sido empregado por GB em duas ocasiões – é a primeira vez que ele é utilizado por DM. Ao fazê-lo, o participante opta pelo artigo definido e pela forma nominal completa, mostrando que o uso do termo não incluiria, neste caso, a possibilidade de dúvida sobre qual forma seria a correta para categorizar o evento do mundo relacionado.

Esse rompimento fica mais claro com o emprego da expressão referencial (10), que ocorre após o uso da condicional. Somado ao caráter de hipotetização e dúvida que o marcador textual insere ao texto, o retorno do uso do indefinido para uma suposta retomada marca a gritante diferença entre o emprego intencional das estratégias (09) e (10). A nossa interpretação é a de que as estratégias textuais-interativas levam a expressão nominal (10) a não se tratar de uma simples repetição lexical como aparenta, mas ou de uma refocalização que seleciona os traços de surrealismo ou mesmo irrealismo do objeto. É, portanto, um caso de anáfora que utiliza os mesmos itens lexicais sem apresentar, contudo, cossignificação (MARCUSCHI; KOCH, 2002). Há ainda, em (11), uma retomada com determinante definido desta anáfora nominal em específico, que conserva os traços de ausência de plausibilidade.

Após essa separação, que interpretamos ser entre o domínio do real e do imaginário, surge em (12) a tentativa de manutenção do referente do primeiro domínio, dito formal, institucionalizado, por meio de uma anáfora nominal com repetição lexical. Este referente (impeachment) ainda está em segundo plano em relação ao outro, e trataremos dele mais à frente. Desse ponto em diante, contudo, o processo de deslegitimação do objeto de discurso

golpe fica ainda mais evidente, especialmente quando DM retoma os referentes o congresso e o Supremo como as únicas instituições responsáveis por definir se há ou não um crime de

responsabilidade. DM, neste ponto, reforça a marca de legalidade do impeachment.

Finalmente, chega o momento em que o valor de verdade do objeto de discurso golpe é negado. A não aceitação desse objeto, que já era sugerida, fica então exposta. As estratégias de referenciação seguintes visam então à desqualificação explícita desse objeto.

Em (13), ocorre o emprego de um anafórico de alteração referencial cuja função é definicional. Trata-se de uma estratégia metadiscursiva (Cf. MARCUSCHI; KOCH, 2006) que rotula e imprime forte carga semântica ao referente golpe. A respeito dessa estratégia, Koch (2005, p. 44) destaca que ela "é importante indício da opinião do locutor não só a respeito do discurso que está sendo rotulado, como também a respeito do próprio enunciador desse discurso". O próprio núcleo nominal da expressão imprime uma forte orientação argumentativa ao discurso, uma vez que histórias são típicas de narrativas e possuem tendência ao exagero ou à ficção. A opção pelo uso do demonstrativo em vez do determinante definido é parte de uma tentativa, ainda que sutil a este ponto, de ridicularização do objeto de discurso.

Estratégia semelhante também é usada em (14). Ao ativar o referente fábula, gênero literário predominantemente fictício e moralizante, DM está atribuindo um caráter fantasioso ao objeto de discurso golpe, além de deixar implícito, para o público, que o campo da esquerda está ciente dessa ficção. Esse referente é ainda retomado quatro vezes por meio de repetição lexical. Em nosso entendimento, o emprego destas estratégias metadiscursivas é a culminância do esforço de DM em deslegitimar a posição defendida por GB, iniciado pela evocação das instituições que detêm o poder ou não de definir a legalidade do processo, e reforçado pela associação dessa posição a um descolamento da realidade, a um delírio, a uma crença sem fundamento factual.

Já em (15) e (16), uma vez tendo sido o objeto golpe caracterizado como fictício, ocorre a retomada dos dois objetos de discurso concorrentes na disputa pela categorização do evento do mundo. Novas estratégias metadiscursivas são utilizadas para introduzir os referentes (I) uma narrativa e (II) outra narrativa possível. O referente (I) parece englobar os aspectos assumidos por DM como factuais do evento do mundo. Dentre os elementos textuais que alimentam esse primeiro objeto de discurso, está a anáfora nominal (15) que retoma o objeto construído por DM como factual. Por sua vez, a estratégia (16) traz um caso de descrição definida que alimenta o referente (II). Ela é constituída por um indefinido, um núcleo nominal e um modificador. Vale chamar a atenção para o uso do indefinido a essa

altura da progressão referencial do texto, que indica fortemente que esse referente não será aceito em momento algum. Já o modificador sumariza o discurso de que o golpe seria fruto de uma articulação que envolveria as elites brasileiras.

Este trecho representou a explicitação da recusa à tese do golpe. Não por acaso, na continuidade do debate, DM refere-se ao evento tão somente pelo objeto de discurso processo

de impeachment, com exceção a uma única retomada ao termo golpe no final do debate. Antes

de passarmos a percorrer a cadeia referencial que forma este objeto de discurso, contudo, abordaremos as estratégias utilizadas por GB em sua resposta após retomar o turno de fala.

Vejamos o trecho (vi):

vi. GB - Se me permite... quer dizer/ eu queria contra argumentar aqui o que o Demétrio disse... primeiro... éh... se alguém do PT pensa isso... se há uma tentativa de disciplinar a esquerda... olha... eu já não sei... agora... éh... esta não é a narrativa que eu tô lhe trazendo aqui... eu - e o movimento que eu atuo- somos críticos do governo do PT... não achamos que o PT está tomando um golpe (17)...né.. por ter feito grandes transformações e enfrentado os interesses da elite brasileira... ao contrário... a presidente Dilma neste mandato - que está sendo golpeado (18)... né... cedeu... né... aos interesses da direita e da/ do mercado financeiro do país... né... como ajuste fiscal e uma política desastrosa... né... tá levando esse golpe (19) não porque enfrenTOU os interesses dominantes mas porque esses interesses dominantes expressos na burguesia financeira avaliaram que ela não teria condições de levar adiante a sua política... (...)

Em (17), há mais uma vez o exemplo de anáfora nominal com determinante indefinido