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3 CONSTRUINDO OBJETOS DE DISCURSO EM MEIO AO EMBATE DE IDEIAS:

4.1 Descrição dos dados

4.1.3 Participantes e atores sociais envolvidos

4.1.3.1 A Folha de S Paulo e Fernando Canzian

A Folha de S. Paulo é, de acordo com o site oficial, o jornal de maior circulação no Brasil e o site de notícias mais acessado no país. Por sua importância como veículo midiático, foi um ator social relevante na instável conjuntura política do Brasil em 2016. É justamente o inquestionável alcance da Folha de S. Paulo como influenciadora de opinião que torna necessário mencionar o seu papel no contexto brasileiro ao longo daquele ano e no ambiente de dados aqui analisado.

A Folha se define como apartidária no campo político, priorizando uma cobertura isenta sem perder o tom crítico (XAVIER, 2018). Apesar de o jornal afirmar constantemente seu papel na redemocratização do Brasil e na defesa dos princípios democráticos, Xavier (2018) aponta que há uma série de oscilações do jornal em relação ao seu apoio à democracia ao longo da história, movida, inclusive, por conveniências do momento.

O jornal surgiu em 1921, como Folha da Noite (XAVIER, 2018). Nos anos seguintes, surgiram a Folha da Tarde e a Folha da Manhã. Ao longo das décadas de 40 e 50, essas publicações tiveram posicionamentos políticos importantes, como a oposição à candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência e proximidade política com a conservadora União Democrática Nacional (UDN). A Folha de S. Paulo como jornal único surgiu em 1962, após a união das Folhas da Manhã e da Noite. De acordo com Xavier (2018), a Folha não teve protagonismo nas proximidades do golpe de 1964, mas apoiou o Ato Institucional n° 2 e, anos mais tarde, optou por aceitar a censura interna, a partir de recados enviados pelo regime para a redação sobre “assuntos proibidos”. À época, o Jornal foi acusado de emprestar seus veículos à repressão.

A postura do jornal frente à ditadura, contudo, mudou ao longo do regime. A Folha se afastou do governo militar em 1975 e chegou a aderir à campanha “Diretas Já”. Desde então, o jornal defende o apartidarismo e o pluripartidarismo, mas se envolve ocasionalmente de

modo mais parcial em determinados eventos políticos que ocorrem no país. Esses eventos incluem a reeleição e o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Apesar de a Folha de S. Paulo não ter apoiado explicitamente nenhum candidato à presidência desde a redemocratização, uma série de pesquisas têm apontado uma linha editorial dura em relação à Dilma Rousseff desde as eleições de 2014. A título de exemplo, Feres Júnior e Sassara (2016) analisam que, desde as eleições de 2014, a cobertura negativa da grande mídia no Brasil – que inclui a Folha de S. Paulo – supera em três vezes a cobertura neutra ou negativa, piorando eventualmente com as proximidades do impeachment e nos dias em que eram registrados eventos significativos do processo que culminou na deposição da presidente. Por sua vez, a análise de Marques, Mont‟Alverne e Mitozo (2018) aponta que os editoriais da Folha já pautavam o impeachment desde antes do início institucional do processo, procurando validar e legitimar o afastamento, enquanto defendiam a renúncia de chapa Dilma/Temer e a convocação de eleições gerais (Cf. MARQUES; MONT‟ALVERNE; MITOZO, 2018).

A pesquisa de Pinheiro e Vieira (2018), por sua vez, apresenta uma análise quantitativa robusta dos editoriais e publicações dos grandes veículos midiáticos acerca do

impeachment, além de uma análise qualitativa das publicações da Folha. De um modo geral,

os resultados também apontam para uma imensa desproporção entre as notícias contrárias ao governo e às imagens de Dilma Rousseff e Lula em detrimento de notícias neutras ou positivas; essa desproporção não se repetia nas notícias relacionadas ao PMDB, PSDB ou à figura de Michel Temer. Quanto à Folha de S. Paulo, a conclusão dos pesquisadores é a de que o jornal “posicionou-se, contundentemente, em favor do impeachment, e pouco promoveu um debate acerca dos motivos que desencadeou o processo que retirou Dilma Rousseff da presidência” (PINHEIRO; VIEIRA, 2018, p. 173). Ainda de acordo com eles, a Folha foi sempre enfática em seu cunho editorial, conduzindo os leitores a uma naturalização acrítica do processo. Os autores consideram que a defesa de novas eleições gerais foi uma estratégia do jornal para não assumir claramente a defesa do impeachment8.

A Folha é a idealizadora do Fla-Flu, como uma das muitas ferramentas usadas pela empresa para abordar uma série de questões de interesse público em 2016. Apesar do entendimento de que a realização de debates é uma tentativa de demonstrar certa neutralidade e espírito democrático frente à conjuntura, é possível perceber que o posicionamento editorial

8 Para uma compreensão mais aprofundada e detalhada do posicionamento da mídia e, especialmente, da Folha de S. Paulo após as eleições gerais de 2014 e ao longo do processo de impeachment de Dilma Rousseff, recomendamos a leitura completa do trabalho de Pinheiro e Vieira (2018).

da Folha emerge nos debates por meio do apresentador do programa, Fernando Canzian. Determinadas escolhas lexicais e categorizações, além da instauração de determinados tópicos em perguntas direcionadas especificamente aos participantes que afirmam ser de esquerda, apontam para uma abordagem enviesada do processo, o que é coerente com os resultados apontados pelas pesquisas. Vale ressaltar que Fernando Canzian é, até os dias atuais, repórter especial do jornal, e que já ocupou relevantes cargos como o de secretário de Redação e o de editor das seções Brasil e Painel da Folha de S. Paulo.

4.1.3.1.1 O Movimento dos Trabalhadores sem Teto, Guilherme Boulos e Josué Rocha

O Movimento dos Trabalhadores sem Teto é uma organização política e sem fins lucrativos que, de acordo com a sua página oficial no Facebook, organiza trabalhadores urbanos das periferias. Para o grupo, é culpa do capitalismo que os trabalhadores, fundamentais para o funcionamento das cidades, tenham de morar em regiões afastadas do centro. O movimento diz organizar a luta em torno do direito ao território, mas inclui também as relações trabalhistas, a exploração, o direito ao trabalho, o combate ao estado e aos interesses capitalistas como pauta em suas políticas e reivindicações.

De acordo com Santos e Goulart (2016), não é fácil identificar as origens do MTST, pois, assim como é característico de outros movimentos sociais, a história dos Trabalhadores sem Teto não remonta a uma data, mas a um processo de constituição. Oliveira (2010) identifica o início do grupo à Marcha Nacional pela Reforma Agrária realizada pelo Movimento sem Terra (MST) em Campinas, em 1997. Historicamente focado nos moradores do campo, o MST percebeu que muitos dos trabalhadores pobres e frutos do campo habitam as grandes cidades vivendo em péssimas condições. Para ajudar a esse público em específico, o movimento liberou, durante a marcha, militantes para criar e atuar em um movimento urbano focado em questões de moradia e trabalho. O movimento primeiro se consolidou em São Paulo, mas se expandiu para outras cidades e outros estados. Grande parte dos seus militantes, contudo, está concentrada ainda hoje no estado e, principalmente, na região metropolitana da cidade de São Paulo (OLIVEIRA, 2010).

Em resumo, o MTST é uma organização que se opõe fortemente ao capitalismo e aos ideais neoliberais. A sua bandeira é a luta organizada dos trabalhadores para pressionar o estado e a classe política (vistos como membros de uma elite capitalista) pelo reconhecimento dos seus direitos. Como mostra Oliveira (2010), essa luta pode envolver alianças políticas, mas deve ser vencida primordialmente por meio da organização e militância dos trabalhadores. Tradicionalmente, o movimento atua organizando moradores de regiões pobres

e desprovidas de infraestrutura, muitas vezes montando acampamentos que visam à conquista de latifúndios urbanos improdutivos. O movimento também age por ações diretas, promovendo ocupações, manifestações de rua e trancamento de avenidas (SANTOS; GOULART, 2016). Esses trancamentos, conhecidos como trancaços, assim como outras estratégias de ação política do movimento, geralmente atraem uma atenção negativa dos veículos midiáticos, que, para Oliveira (2010), narram as ações como atos perigosos e violentos e, assim, adotam apenas uma única maneira de enxergar o movimento.

Ainda de acordo com Oliveira (2010), o MTST possui coordenações em diversas instâncias. A (1) coordenação estadual seria responsável por acompanhar as ações desenvolvidas pelo movimento em um estado; a (2) coordenação regional responderia pelo trabalho nos diferentes acampamentos e (3) a coordenação de rua se reuniria semanalmente com os moradores para discutir e tomar decisões relacionadas à melhoria do modo de vida das pessoas da periferia. Apesar do seu tamanho, o MTST não possui uma sede própria.

Um dos coordenadores e membros do MTST mais influentes no cenário nacional é, sem dúvida, Guilherme Boulos. Boulos é formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo e já atuou como professor em escolas públicas do estado. A marca mais notável da sua trajetória, contudo, é certamente a sua militância no Movimento dos Trabalhadores sem Teto. De acordo com sua página oficial no Facebook, Boulos já conquistou, juntamente ao MTST, moradia para mais de vinte mil famílias.

Ainda de acordo com sua página, Boulos esteve diretamente envolvido no movimento contrário ao que ele chama de “golpe parlamentar em 2016” e, nos anos seguintes, nas campanhas pelo “Fora, Temer!” e “Diretas, já!”. Em 2017, ele foi preso em uma ação da Polícia Militar para a reintegração de posse da Ocupação Colonial (na Zona Leste de São Paulo), mas foi liberado algumas horas depois (GARCIA, 2017). Em 2018, Boulos se filiou ao PSOL para ser o candidato do partido à Presidência da República.

Josué Rocha também é coordenador do MTST. Em 2014, escreveu, juntamente com Guilherme Boulos, um artigo para o jornal Folha de S. Paulo, na qual defendem que o que quer o MTST é poder popular e dignidade de moradia. Ao longo do processo de impeachment de Dilma Rousseff, ele esteve, juntamente com o MTST, na organização das manifestações “Não vai ter golpe!” e, em seguida, na campanha “Fora, Temer!”. Em 2018, foi um dos manifestantes que ocupou o tríplex utilizado como argumento para a prisão do ex-presidente Lula. Atua até os dias atuais como militante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto.