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Por onde caminha os afastamentos docentes? Uma análise dos dados oficiais acerca dos motivos de afastamentos por problemas de saúde dos professores municipais

Gráfico 31 Sintomas e sensações sentidas pelos professores nos últimos seis meses:

4.2. Por onde caminha os afastamentos docentes? Uma análise dos dados oficiais acerca dos motivos de afastamentos por problemas de saúde dos professores municipais

Os dados coletados na Divisão de Medicina e Segurança do Trabalho no município, referente ao ano de 2015, contam com 566 atendimentos de professores. Em virtude da não identificação dos sujeitos e para manter o sigilo dos dados, não tivemos acesso à quantidade de professores que se afastaram do trabalho, nem variáveis por gênero ou faixa etária conforme solicitamos ao órgão responsável. Desta forma, esses registros de atendimento podem ser repetidos de um mesmo professor. E um mesmo trabalhador pode também ter dado

23 A questão de saúde mental também se evidenciou no que tange a "estado depressivo passageiro" (41,63%) e

entrada mais de uma vez por um mesmo motivo ou por motivos diferentes. O total de dias inativos referentes às licenças provenientes destes atendimentos é de 11.271. Abaixo, apresentamos uma tabela com os registros de atendimento, percentis e descrição por capítulos do CID.

Tabela 11 - Números e percentis de registros de atendimento por categoria do CID - 10

Registro de Atendimento

Porcentagem Descrição dos capítulos do CID - 10

154 24,48% Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99)

136 21,62% Transtornos mentais e

comportamentais (F00-F99)

68 10,81% Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98)

51 8,10% Neoplasias [Tumores] (C00-D48) 43 6,83% Doenças do aparelho digestivo (K00-

k93)

29 4,61% Doenças do aparelho circulatório (I00- I99)

28 4,45% Doenças do sistema nervoso (G00-G99)

25 3,97% Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99)

20 3,17% Doenças do aparelho respiratório (J00- J99)

18 2,86% Doenças do aparelho geniturinário (N00-N99)

16 2,54% Gravidez, parto e puerpério (O00-O99) 13 2,06% Doenças endócrinas, nutricionais e

metabólicas (E00-E90)

11 1,74% Malformações congênitas,

deformidades e anomalias cromossômicas (Q00-Q99)

de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (R00- R99)

4 0,63% Doenças do olho e anexos (H00-H59) 1 0,15% Doenças da pele e do tecido celular

subcutâneo (L00-L99)

1 0,15% Algumas doenças infecciosas e

parasitárias (A00-B99)

Total 629 100%

Fonte: Organizado pela autora, a partir dos dados fornecidos pela Divisão de Medicina e Segurança do Trabalho da Prefeitura Municipal

Observa-se que as doenças que mais se destacam são as da categoria M (Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) com 24,48% dos diagnósticos, seguida da categoria F (Transtornos mentais e comportamentais) com 21,62%, e em terceiro lugar, categoria S (Lesões e Traumatismos) com 10,81%. Nota-se ainda que, os registros da Categoria M (154) e os da Categoria F (136) estão bastante próximos, com diferenças apenas de 18 registros.

Um estudo recentemente divulgado, primeira edição do Anuário da Saúde do Trabalhador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2016), visa produzir novos conhecimentos sobre a relação entre o trabalho e o processo de adoecimento, por meio de estudos qualitativos e quantitativos e de análise de informações nacionais e internacionais.

Este anuário traz dados importantes acerca dos desligamentos e afastamentos por acidentes e doenças relacionados ao trabalho. Eles listam as vinte ocupações com maior número de afastamentos por doença ocupacional no Brasil, em 2014, em números absolutos (DIESSE, 2016, Tabela 53, p.152), e a ocupação "professor de nível médio no ensino fundamental" (compreendemos como habilitação em nível Ensino Médio - modalidade Normal) ocupa a sexta posição com 4.149 afastamentos, atrás das ocupações assistente administrativo (5.651), servente de obras (5.393), auxiliar de escritório em geral (5.325), faxineiro (5.102) e alimentador de linha de produção (4.210), nesta ordem. Nesta listagem, também aparecem "professor da educação de jovens e adultos do ensino fundamental" (1ª a 4ª série) com 3.027 afastamentos (décima terceira posição) e "professor de nível superior do ensino fundamental de 1ª à 4ª série" (compreendemos como licenciatura plena em Pedagogia) com 2.475 afastamentos (décima sexta posição). Já as vinte ocupações com mais

desligamentos por aposentadoria por invalidez permanente decorrente de doença ocupacional, em números absolutos, no Brasil, em 2014 (DIESSE, 2016, Tabela 39, p.133), a ocupação "professor de nível superior do ensino fundamental de 1ª a 4ª série" (compreendemos como licenciatura plena em Pedagogia) ocupa o segundo lugar com 107 aposentadorias, atrás apenas da ocupação trabalhador de serviços de limpeza e conservação de áreas públicas com 127 aposentadorias.

Comparando nosso estudo com outros que tratam a mesma temática, temos que estes dados se assemelham em parte com os resultados encontrados. No estudo realizado por Gasparini, Barreto e Assunção (2005), que analisa os afastamentos docentes por motivos de saúde ocorridos na Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, entre os anos de 2001 e 2003, evidenciam que os principais afastamentos se deram por transtornos mentais e comportamentais (15,3%), em segundo lugar, doenças do aparelho respiratório (12,2%) e, em terceiro lugar, doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (11,5%). Os estudos de Eslabão et al (2007), que analisam quais os principais tipos de doenças que têm causado o afastamento dos professores municipais na cidade de Pelotas, no período 2006-2007, demonstram que as doenças do aparelho respiratório (22,64%) ocorrem em primeiro lugar, seguida dos transtornos mentais e comportamentais (12,61%) e doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (12,21%), em terceiro lugar.

Em nossos estudos, as doenças do aparelho respiratório (Categoria J) não está entre os três primeiros motivos mais registrados ficando com 3,17% das ocorrências.

Os dados de nossos estudos - exceto pela pequena porcentagem apresentada em relação as doenças do aparelho respiratório (3,17%) - e as conclusões de outros que abordam o mesmo tema têm indicado que as doenças que mais acometem os professores pertencem as categoria M (Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo), F (Transtornos mentais e comportamentais), apresentando pequenas variações na ordem que ocupam em cada pesquisa.

Outra sistematização que achamos relevante destacar foi dos CIDs Fs, relativos aos transtornos mentais e comportamentais (F00-F99). Como foi dito acima, identificamos um total de 136 registros Fs. Abaixo especificamos, em tabela, estes registros:

Tabela 12 - Transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) Quantidade

apresentada por cada subcategoria

Descrição

57 F 32 Episódio depressivo leve

36 F 33 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve 35 F 41 Transtornos ansiosos

18 F 43 Reação aguda ao "stress"

11 F 40 Agorafobia

5 F 31 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual hipomaníaco 4 F 32.1 Episódio depressivo moderado

3 F 32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos

3 F 33.2 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos

1 F 14.2 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína - síndrome de dependência

1 F 31.6 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto 1 F 41.1 Ansiedade generalizada

1 F 41.2 Transtorno misto ansioso e depressivo 1 F 41.9 Transtorno ansioso não especificado

1 F 42 Com predominância de ideias ou de ruminações obsessivas 1 F 43.2 Transtornos de adaptação

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Fonte: Organizado pela autora, a partir dos dados fornecidos pela Divisão de Medicina e Segurança do Trabalho da Prefeitura Municipal

Como podemos ver, dentro da categoria F, destacamos que o diagnóstico prevalente foi o de depressão, que se tipifica nas categorias e subcategorias F32 e F33. O predomínio foi F32 e subcategorias F32.1 e F32.3 (episódios depressivos), num total de 64 registros (35,75%). A estes se somam os F33 e subcategoria F33.2 (transtorno depressivo recorrente), com 39 registros (21,78%). Considerando ambos, temos, portanto, 103 registros relacionados à depressão (57,53%). E, com quantidade também expressiva, os F41 e subcategorias (transtornos ansiosos) com 38 registros (21,22%). De acordo com a Classificação estatística

internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), da Organização

quais a perturbação fundamental é a alteração de humor ou de afeto, como depressão, com ou sem ansiedade associada. Eles correspondem a um número elevado de registros obtidos em nossa pesquisa. Desta maneira, podemos dizer que os transtornos depressivo-afetivos e de humor estão no cerne dos registros relativos à categoria F, o que já havia sido evidenciado em estudo com professores da educação superior (SILVA, 2015).

Mesmo que nossos indicadores não possam ser entendidos como a real dimensão do problema, eles apresentam indícios que convergem com grandes pesquisas acerca do assunto. Ainda que os dados sejam quantitativamente reduzidos, são qualitativamente significantes.

Outra questão importante para se destacar é que os registros de atendimento talvez não sejam suficientes para abordar o tema adoecimento docente, uma vez que ele está relacionado para além do indivíduo. O processo de trabalho que leva ao adoecimento é muito mais complexo. E ainda, como afirma Dejours (2004), "há uma reticência maciça em falar da doença e do sofrimento" (DEJOURS, 1992, p.29), ou seja, as doenças são mantidas à distância pelo desprezo, a doença é tida como vergonhosa. O autor fala sobre a ideologia da vergonha que consiste em manter à distância a doença e o risco de afastamento do corpo ao trabalho. Desta maneira, nem sempre a quantidade de registros de atendimento ou afastamento por motivos de saúde representam a realidade do quadro de profissionais nessas circunstâncias.

Silva (2015), em sua pesquisa em uma universidade em processo de expansão- interiorização, cujo objetivo foi analisar as repercussões das múltiplas demandas desse processo no trabalho, na saúde e na subjetividade dos docentes, verificou que a doença, ofuscada, em determinado momento, revela-se crônica, sem que sua etiologia inicial apareça nos registros médicos da instituição anteriormente. E mais ainda, revela que os docentes engendram defesas em face aos fatores patogênicos do trabalho que evitam situações claras de adoecimento, mesmo configurando-se, elas próprias, como patogênicas, "de forma a propiciar formas de adoecimento tão surdas como insidiosas" (SILVA, 2015, p.70). Desta maneira, podemos dizer que há sofrimento, embora nem sempre há doença nos moldes claros de registros como analisamos aqui. Não obstante, quando ela se revelou enquanto tal, também se identificou a prevalência de distúrbios depressivos e relacionados ao humor e afetividade.

CAPÍTULO 5

COTIDIANO DE TRABALHO INTENSO E PRECARIZAÇÃO OBJETIVA E