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Gráfico 31 Sintomas e sensações sentidas pelos professores nos últimos seis meses:

COTIDIANO DE TRABALHO INTENSO E PRECARIZAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA: SOFRIMENTO SOBREPOSTO AO PRAZER, LIMITES AO

5.2. Categorias de análise

5.2.3. Categoria Autonomia e sentido do trabalho

Nesta categoria discutimos acerca do sentido e significado do trabalho para os sujeitos da pesquisa, bem como da autonomia em sua atividade laboral. Discorremos também por sentimentos de satisfação e insatisfação no trabalho.

Segundo Basso (1994), para entender o trabalho docente é necessário considerar a articulação entre as condições subjetivas e objetivas de trabalho. A autora cita Marx (1968) ao trazer para sua análise a questão das condições subjetivas do trabalho enquanto característica de todo trabalho humano e este último como atividade consciente. Nas palavras de Basso (1994), "o homem, ao planificar a sua ação, age conscientemente, mantendo uma autonomia maior ou menor, dependendo do grau de objetivação do processo de trabalho em que está

envolvido" (BASSO, 1994, p.17). A autonomia, para ela, é diretamente proporcional ao trabalho objetivado. A autora dispõe sobre a natureza do trabalho docente e discute a ideia de que o mesmo não é objetivado completamente, partindo do pressuposto que há um certo grau de autonomia no trabalho do professor (ao contrário do trabalho fabril que pode ser totalmente objetivado limitando a autonomia do operário), pois pressupõe professores e alunos num processo contínuo de avaliação e planejamento do trabalho, modificações, aprofundamento e adequações de conteúdo nas situações pedagógicas.

A autora não desconsidera as transformações ocorridas nas condições de trabalho docente e suas articulações ao movimento das formas capitalistas de produção como elementos dificultadores ao uso das "potencialidades do professor proporcionados pela autonomia e ao submetê-los às circunstâncias de alienação" (BASSO, 1994, p.22). Porém, salienta que, as transformações advindas do processo de "racionalização" na área do ensino não modificaram a natureza do trabalho docente, mas sim, a presença, cada vez maior, de características do processo de trabalho fabril nas escolas. Todavia, ratifica que a presença de tais características não levaram a uma maior objetivação do processo de trabalho docente, provocando perda ou eliminação da autonomia do professor.

Segundo Hypolito (2010), a partir do anos de 1980, as políticas educacionais implementadas, de caráter neoliberal, reestruturaram a educação modificando o currículo, a gestão e o trabalho docente. Segundo o autor, "o controle sobre os fins sociais e políticos da educação - as definições sobre currículo e programas, sobre o que e como ensinar - tem sido, cada vez mais, transferidos das professoras para o controle dos gestores, dos políticos e dos interesses econômicos mais amplos" (HYPOLITO, 2010, p.1346). Nessas condições, não há muito espaço para a autonomia e sim, o que para o autor "poderia chamar de uma autonomia imaginada, despersonalizada, uma docência de resultados confundida com profissionalismo, sobre o qual há poucas chances para o magistério negociar em meio a esses novos contratos do seu trabalho" (HYPOLITO, 2010, p.1346). Portanto, ao seu ver, o que tem sido solicitado aos docentes seria como um "professor-colaborador" eficiente e competente, capaz de "dar conta" das múltiplas tarefas, dos relatórios e registros escolares, da maior intensificação do trabalho com menor tempo de preparo e estudo e mantendo o foco nos resultados e metas e, para a então efetiva reestruturação econômica do capitalismo.

Consideramos, desta maneira, estar cada vez mais difícil fugir das amarras da lógica capitalista nas escolas e dos processos de controle (cada vez mais eficazes e articulados) do trabalho e autonomia docente. E, para a PdT, segundo Siqueira (2013), a autonomia passa a ser um dos principais desafios para o sujeito na modernidade, uma vez que a autonomia "é

fundamento essencial na busca do indivíduo em constituir-se sujeito, de modo a (re)construir sua própria história de vida, apesar de todos os condicionamentos, todos os registros psíquicos e sociais que dificultam o advento do sujeito no contexto de hipermodernidade, em que o individualismo e competitividade caracterizam o social" (SIQUEIRA, 2013, p. 62).

Um dos aspectos que interferem na autonomia do trabalho seria a implementação das avaliações externas orientadas pelo alcance das metas, o que, conforme já mencionamos, influencia no poder de decisão dos docentes em relação ao conteúdo e modos de ensino, para os quais não há garantia de um padrão mínimo de qualidade, tampouco uma contrapartida destes resultados num sentido de investimentos a partir das necessidades das escolas e comunidades. A tendência é um trabalho direcionado apenas para tais avaliações e desta forma, desprovido do seu real sentido, uma competição desenfreada pelo bom desempenho e o comprometimento do trabalho coletivo.

O trecho abaixo demonstra a preocupação da professora com os demais conteúdos que precisam ser trabalhados naquele ano escolar e que, em virtude da Prova Brasil, são deixados de lado pelos professores.

Luiza: ...você tem o seu conteúdo e hoje em dia, principalmente no quarto,

no quinto ano, é um conteúdo bastante concentrado, pesado, que está preocupado com a Prova Brasil, para não cair o índice da escola na Prova Brasil. Então, vamos trabalhar esses conteúdos, então, assim, é uma coisa bem pesada de conteúdo e acaba tendo índices favoráveis ou não favoráveis, mas para os índices não favoráveis sobra pouco tempo de trabalho e pouco recurso...

e

...eles são cobrados, tem aquilo do sentimento..., eu quero que minha turma alcance o que é ideal e tem aquela cobrança, olha, a Prova Brasil está chegando, vamos ver quais são os conteúdos, então as primeiras conversas que, você sabe, é uma cadeia, não nasce aqui a conversa, vem da Secretaria a cobrança, esse ano vai ter Prova Brasil, vamos olhar os conteúdos, não sei o que e tal...

O professor Ricardo, por exemplo, menciona, especialmente em relação à rede estadual de ensino, onde também trabalha, as condições precárias, a falta de valorização docente, os apostilamentos (na rede estadual) como uma má escolha em termos de conteúdo curricular e mau investimento de verba, os baixos salários, a modificação do sentido do ensino devido o imperativo da bonificação. Em seu relato ele explicita seu desejo para com a docência no Estado:

E que se a direção apoiasse o professor e mudasse o foco. Não é passar o aluno sem saber pra conseguir o bônus. É que ele aprenda, que ele tenha

conhecimento, que ele consiga prosseguir os estudos dele, quer dizer, mudar o foco. Eu acho que no Estado não vejo perspectiva pra isso...

No decorrer da entrevista, este mesmo professor, quando questionado acerca das expectativas em relação ao futuro do seu trabalho, diz:

Então, a minha expectativa é continuar aqui, terminar aqui na prefeitura nos últimos anos. Pretendo me aposentar em cinco/seis anos e trazer inclusive o tempo do Estado. E do Estado simplesmente parar, simplesmente porque como eu não vejo perspectiva não adianta eu ficar lá, perspectiva de melhora salarial, perspectiva de melhora de condições, não vejo nada. Eu levo esse tempo no INSS e na hora que der o tempo eu me aposento. Lá minhas perspectivas de futuro são essas, não tem.

Hypolito (2010) aponta que, as ações do Estado regulador tem sido eficientes em submeter a educação e as escolas ao mercado, tanto pela mercantilização do materiais pedagógicos quanto nos métodos de ensino, com efeitos perversos à formação docente e dos alunos, "obtendo sucesso na constituição de identidades docentes coadjuvantes com a agenda neoliberal e conservadora" (HYPOLITO, 2010, p.1352).

Neste caso acima relatado, vemos o quanto esta lógica também se configura perversa à saúde do professor. Sentimentos de desesperança predominam a fala do professor. Quando às estratégias de defesa contra o sofrimento, não mais funcionam, quando não há possibilidades de encontrar sentido no trabalho, de inscrever sua subjetividade no trabalho e se identificar com o produto de seu trabalho, ou ainda, quando não há reconhecimento, conforme descrito no trecho acima, vemos o agravamento do sofrimento, aqui já em estágio de abandono da profissão. Assim como na pesquisa de Bernardo (2014), "professores, por sua vez, vivem um dilema: exercem a profissão que escolheram, mas que lhes causa cada vez mais sofrimento" (BERNARDO, 2014, p.135).

Alguns professores, chegam a relacionar o sentido da docência ao sentimento de "amor". Como, por exemplo, a professora Rose. Ela diz:

Entrevistador: Qual é o sentido que você atribui ao seu trabalho, o que te

move no trabalho? O que ser professor representa para você?

Rose: Antes de tudo é realização profissional, é a minha realização ser

professor. E paixão, tenho verdadeiro amor ao que eu faço.