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Gabriela Carolina Gomes Segarra

3. Afinal, o que se entende por crime político?

Previamente, cabe mencionar que o tópico em tela é de grande divergência, não apenas doutrinária como também consuetudinária. Van Den Wijngaert garante que o conceito de crime político é fluído e sofre mudanças em cada situação

9 Nessa toada: Artigo 3(1) de 1957 da Convenção Europeia de Extradição: “Extradition shall not be granted if the offence in respect

of which it is requested is regarded by the requested party as a political offence or as an offence connected with a political offence”. Tratado de 03.03.1987, de Extradicion y Asistencia Judicial en Material Penal entre o Reino da Espanha e a República Argentina, firmado em Buenos Aires: “Artículo 5: 1. no se concederá la extradición por delitos considerados como políticos o conexos con delitos de esta naturaleza. La mera alegación de un fin o motivo político en la comisión de un delito no lo calificara por si como un delito de carácter político. A los efectos de este tratado, en ningún caso se consideraran delitos políticos: a) el atentado contra la vida de un jefe de estado o de gobierno, o de un miembros de su familia; b) los actos de terrorismo; c) los crímenes de guerra y los que se cometan contra la paz y la seguridad de la humanidad”.

10 “Art. 6.º Requisitos gerais negativos da cooperação internacional (...) b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de

perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado”. “Art. 7.º Recusa relativa à natureza da infracção (...) 2 – Não se consideram de natureza política: a) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; b) As infracções referidas no artigo 1.º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para assinatura a 27 de Janeiro de 1977; c) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984”.

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factual. O que para uma sociedade seria considerada uma ofensa à natureza política, as mesmas circunstâncias não se enquadra nessa categoria em situação subsequente. A doutrinadora ainda defende a não definição rígida nos tratados.11

De outra banda, tem-se I. Shearer, que afirma não ter dificuldades para definir o conceito de crime político nos tratados e legislações. Para ele, a definição é elástica e se desenvolveu por meio de decisões judiciais de cada caso.12

Em termos gerais e consoante a predominância da doutrina e dos julgados, “esses crimes são definidos como aqueles

perpetrados contra a ordem política estatal, isto é, os que se voltam contra a segurança interna do Estado, a forma de Governo e sua constituição política”.13

No intuito de encontrar os limites dos delitos políticos, separando-os dos crimes comuns, tem-se a divisão daqueles em três categorias, quais sejam, objetiva, subjetiva e mista.14 Começando pelos crimes políticos objetivos, encontram-se

os delitos contra a personalidade do Estado, isto é, “los cuales ‘ofenden um interés político del estado, o bien um derecho

político del ciudadano’”.15 Atentam contra a existência do Estado, colocando em risco a organização político-jurídica.

Aqui, entende-se que o importante é a direção do ataque com o intuito de perturbar a ordem pública e não necessariamente o motivo.16

Ademais, subjetivamente, político são aqueles crimes impulsionados por motivos políticos, de forma que não importa se a conduta delituosa foi praticada por um crime comum. Por essa teoria, não seria possível qualificar os homicídios de Mahatma Gandhi, Martin Luther King ou Rosa Luxemburgo como crimes políticos, não obstante a notória motivação política nesses acontecimentos históricos.17

11 VAN DEN WIJNGAERT, C. The political offense exception to extradition (hereinafter C. Van Den Wijngaert), 1980, at 95-102 apud KINNEALLY III, James J.

The political offense exception... cit., p. 207.

12 SHEARER, I. Extradition in International Law 5, 1971, at 168-169 apud KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 205.

13 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias... cit., p. 75. Ainda nesse sentido, CEZÓN GONZÁLEZ, C. Derecho extradicional. Madrid:

Dykinson, 2003. p. 123: “La Audiencia Nacional considera como delitos políticos, la rebelión, la asociación subversiva, el atentado contra los poderes del Estado, la conspiración política o delitos contra el régimen político, la tenencia de armas y explosivos, las detenciones ilegales y el robo perpetrado con finalidad política”.

14 Não obstante seja esse o entendimento da maioria da doutrina, encontra-se divergência em algumas. A título de exemplo, cita-se Mariano Ruiz Fines, que

vislumbra a existência de cinco categorias para os delitos políticos: histórica, política, penitenciária, sintética e jurídica (RUIZ FUNES, Mariano. Evolución del delito político. México: Editorial Hermes, s/d. p. 13).

15 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón... cit., p. 809.

16 Nesse sentido, MAURACH, Reinhart. Tratado de derecho penal. Barcelona: Ariel, 1962. vol. I, p. 133.

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A fim de exemplificar o contexto político, cita-se uma passagem de Homens em Tempos Sombrios de Hannah Arendt, a saber: “(...) até o dia fatídico de janeiro de 1919, quando Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os dois líderes

da Spartakusbund, os precursores do Partido Comunista Alemão, foram assassinados em Berlim – sob as vistas e provavelmente com a conivência do regime socialista então no poder. Os assassinos eram membros do ultranacionalista e oficialmente ilegal Freikorps, uma organização paramilitar de onde as tropas de assalto de Hitler logo recrutariam seus matadores mais promissores (...) com o assassinato de Rosa Luxemburgo e Liebknecht, tornou-se irrevogável a divisão da esquerda europeia entre os partidos comunistas e socialistas”.18

Derradeiramente, dessa distinção categórica encontra-se a teoria mista, pela qual há uma miscigenação das duas teorias supracitadas. Para tal, exige que tanto o bem jurídico atingido como o intuito do agente sejam de caráter político.19

Sem embargos, os professores Canotilho e Vital Moreira atentam para a não evidência do significado da expressão “extradição por motivos políticos”, entretanto, parecem compreender em duas situações, sendo elas: “a) ser o extraditado

acusado ou ter sido condenado pela prática de crime de natureza política (o que exige a definição deste conceito); b) ser o pedido de extradição motivado por razões de perseguição política ou para o perseguir criminalmente por razões políticas”.20 Interessante notar que no segundo ponto apresentado pelos doutrinadores desenvolve-se outro problema: as

perseguições políticas.

Há quem defenda que a proibição aqui exposta tem sua razão de existir exatamente na necessidade de defesa do indivíduo em face do “arbítrio e o ódio que surgem em períodos de exaltação política”.21

Outro importante aspecto que faz necessário seu comento diz respeito àqueles delitos com natureza de crimes comuns, mas que são beneficiados pela isenção da extradição simplesmente por terem sido cometidos paralelamente aos crimes políticos. Sob esse prisma, “en règle générale pour préparer, faciliter, assurer ou masquer la commission de celui-

ci, voire en procurer ultérieurement l’impunité”.22

Nessa questão tece a crítica baseada em fatos reais: não são considerados infrações conexas ao crime político delitos como corrupção passiva, pilhagem de bens nacionais, financiamentos ilícitos de partidos políticos, venda de armas para o

18 ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 38-39.

19 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Delito político e terrorismo: uma aproximação conceitual. Revista dos Tribunais, ano 89, vol. 771, jan.

2000, p. 427.

20 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa: anotada. Coimbra: Coimbra Ed., 2007. vol. I, p. 533 – grifo nosso

21 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias... cit., p. 77.

22 ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale em matière pénale. Deuxième édition. Bruxelas: Staempli Editions AS berne, 2004. p. 431.

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Irã, financiamento a contra revolução na Nicarágua. Entretanto, foi extraditado para a Ruanda o autor de um ataque à mão armada, que apenas estava tentando revelar a sua pertença à etnia, mas era perseguido por aqueles que detinham o poder.23

Ainda sobre a análise pragmática de crimes políticos, dentro dessa categoria cabe a distinção entre relativo e absoluto. Entende-se por absoluto (pure political offenses) aquele que atua diretamente contra o governo ou organização política estatal e afeta o bem jurídico, que é o Estado. Têm-se aqui crimes como traição, sedução ou espionagem.24

Os crimes políticos relativos (relative political offense) são aqueles que têm como ponto de partida o direito penal comum, mas com o propósito de delito político – pelos atos terem consequências políticas ou estarem situados em contexto político –, motivo pelo qual também são causas de não extradição. São exemplos dessa classe de crimes políticos: morte de civis ou injúrias. Muitos tribunais limitam-se no uso desse tipo de crime político relativo a atos violentos que são diretamente voltado a civis.25

No tocante aos crimes relativos e aos crimes conexos aos políticos a proibição da extradição parece firmar na mesma linha de raciocínio da isenção dada aos delitos por motivos políticos, qual seja, evitar um julgamento injusto ao agente pelo Estado Requerente.

Uma tentativa de definição dos parâmetros do entendimento de não extradição por crime político está na cláusula belga de atentado, de 1856, a qual nega a consideração como delito político o atentado contra a vida de um chefe de Estado ou de um membro de sua família.26

Acerca dos conceitos e problemas supraexpostos, são as palavras de Edward Wise: “the problem was never with that

small classes of offenses, such as treason, sedition or espionage, which are quite clearly political. These are generally excluded from extradition anyway, they do not fall within the list of extraditable offenses typically set out in bilateral extradition treaties. The difficulty is rather with otherwise ordinary crimes, such as murder, arson, or theft, which have political purpose, or political implications. It is not sufficient simply to deny that such offenses can ever be political. If this were so, many prototypical political offenders, such as Mazzini, would have had to have been extradited”.27

23 Idem, p. 434-435.

24 Nesse sentido, ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale em matière pénale... cit., p. 429; BUCKLAND, Aimee J. Offending Officials...

cit., p. 440.

25 BUCKLAND, Aimee J. Offending Officials... cit., p. 441.

26 KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 207.

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