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Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino

3. Herança do pensamento de Ferri no Brasil de outrora e contemporâneo

3.1 Exame criminológico

Esse instituto jurídico pretende avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, sua predisposição ao cometimento de novos crimes ou um provável arrependimento.

Em 1933, com o primeiro Código Penitenciário da República, o exame criminológico foi consolidado (porém, não com essa denominação) prevendo a criação de Institutos de Antropologia Penitenciária que realizariam avaliações no que tange aos caracteres psicológicos e antropológicos do condenado (“tendência para o crime, instintos brutais, influência do meio, costumes, grau de emotividade”).44 Era imprescindível a confirmação de tais elementos, no sentido de “melhora”

do criminoso, para conceder-se, v.g., o livramento condicional.

Os anteprojetos que se seguiram, trouxeram, com exceção do Código Penal de 1940 e do Código de Processo Penal de 1941, a previsão do exame do condenado “que compreenderia um estudo clínico morfológico, fisiológico e

neuropsiquiátrico; a análise da inteligência, sentimentos, instintos, tendências e aptidões; e uma pesquisa do ambiente familiar, vida pregressa, circunstâncias do fato cometido, grau de conhecimentos, nível de cultura e formação religiosa”.45

Dada à clareza da retificação dos estudos da criminologia positiva, as características dos criminosos são distintas e, portanto, suscetíveis às análises também distintas. E criminalistas importantes acreditavam que o exame das características pessoais do indivíduo contribuiria para uma correta e moderna política criminal. Alípio Silveira, como grande exemplo, destacou-se ao fomentar a proposta pelo fato de ter frequentado congressos internacionais pelo mundo e ter tido contato contumaz com ideias de Lombroso, Ferri e Garófalo.46

O objetivo primordial do exame alegado pelos autores do projeto era traçar o grau de periculosidade do criminoso por tendência, habitual e o do indivíduo suscetível à medida de segurança. Além disso, seria aplicável em situações em que o magistrado tivesse a obrigação de apreciar problemas relacionados com as já citadas medidas de segurança ou com a aplicação de penas indeterminadas.47

Com a proposta de se aplicar penas indeterminadas, já é possível perceber a relevante carga de influência de Ferri

no surgimento de tal exame. Proposta essa que não obteve grandes exaltações negativas por parte da população da época, pois já estava em voga a adoção do sistema do duplo binário (pena + medida de segurança).48

44 BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Temas relevantes de direito penal e processual penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 6.

45 Idem, ibidem, p. 6.

46 Ibidem, p. 7.

47 Ibidem, p. 8.

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O que cabe salientar é que, a partir de um anteprojeto realizado por Benjamin Moraes Filho, que previa a aplicação do exame, suas ideias foram inseridas na Lei contemporânea, como deixa claro o professor Alexis Couto de Brito:

“Em 1984, com a edição das Leis 7.209 (nova parte geral do Código Penal) e 7.210 (que regulamenta a Execução

penal no país) é que o exame criminológico surgiu como algo definitivo em nosso sistema normativo. Mas, o que poucos percebem, é que o anteprojeto de Frederico Marques e principalmente o de Benjamin Moraes Filho praticamente

serviram de base para a atual Lei 7.210/84, o que demonstra que a atual Lei é na verdade fruto do pensamento de mais

de quatro décadas. E pior, a Lei 7.210/84 manteve no ordenamento jurídico-penal um exame originariamente pensado para o perigoso, como algo viável para o criminoso culpável.”49

Com a manutenção do exame criminológico ao criminoso culpável, há a tendência de eliminar de vez a lógica de que ele teria fundamento apenas no que tange à aferição da periculosidade; e, como consequência, retoma-se e retifica-se o pensamento do século XIX, à luz de uma investigação pericial baseada em métodos científicos, físicos, psicológicos e comportamentais. Talvez por ser mais fácil simplificar a complexidade do fenômeno da criminalidade imputando-se a culpa ao indivíduo criminoso por causas naturais oriundas de seu organismo biológico ou de seu meio social.

Antes da entrada em vigor da Lei 10.792/2003, o exame criminológico era facultativo para a progressão do regime; atualmente, ele foi expulso do ordenamento e, portanto, sua exigência para progressão gera constrangimento ilegal por ausência de previsão para tal ato.

A forma para se realizar o exame, ademais, nunca foi detalhada, como explica o professor, “Em nenhum momento

dos projetos ou mesmo de suas exposições de motivos há uma orientação de como o exame deverá ser feito e quais as técnicas possíveis que seriam adotadas para se chegar às conclusões esperadas por tal exame, talvez porque sempre se soubesse que tais conclusões fossem apenas especulações, ou mesmo um ato de fé no fato de que a ciência pudesse dar causas tratáveis à criminalidade.”50

Em suma, a questão se põe à reflexão é: como um exame realizado por “médicos especialistas” que não tem uma forma específica, detalhada, pormenorizada em lei, poderá definir a possível “melhora” ou não do criminoso, isto é, sua capacidade de retornar ao convívio social, a partir de constatações tão abstratas como tal exame propõe? Frisa-se que, com essa abstração, ocorre um possível constrangimento ilegal, pois submeter o indivíduo a algo não detalhado no ordenamento jurídico parece ferir, danificar as bases democráticas de um Estado de Direito. O risco de arbitrariedades e

49 Idem, ibidem, p. 9

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jogos de interesse político parece ser de uma obviedade transparente. Ademais, com sua instituição, a possibilidade de se verificar a realidade dos fatos torna-se quase inalcançável, indemonstrável.

3.2 Medidas de segurança no Brasil – A (des)necessidade de prazos mínimos