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Raíssa Zago Leite da Silva

4. Consequências do estigma na vida do indivíduo marginalizado

Edwin M. Lemert,11 um autor muito relevante para o Labelling Approach, destaca que são dois os tipos de desvios

existentes: o primário e o secundário.

Com isso, ele estabelece que o desvio primário ocorre por fator sociais, culturais ou psicológicos. O indivíduo delinque por circunstâncias sociais, como observamos no paradigma da reação social.

9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130.

10 Dados extraídos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça.

11 Apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.

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Já o desvio secundário é consequência da incriminação, da estigmatização, da reação social negativa a respeito daquele

outsider. Os efeitos psicológicos causados pela rotulação são tão danosos ao indivíduo que ele se torna marginalizado e

excluído da sociedade. Ele passa a entrar na carreira criminosa.

Sobre a consequência do desvio primário e o desencadeamento no desvio secundário, vale transcrever o pensamento de Shecaira:12 “Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente

repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e as carreiras criminais”.

Baratta13 escreve a respeito do desvio secundário, quando cita Lemert em seu livro: “(...) sobre o desvio secundário

e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (...) pode-se observar, as teorias do labelling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social (...)”.

Com isso, podemos observar que, além do efeito do desvio primário trazido pelas instâncias de controle sob o indivíduo marginalizado, o desvio secundário somente afirma essa marginalização, fazendo com que o agente infrator, excluído da sociedade pela pena privativa de liberdade, consolide seu status de criminoso que o perseguirá além dos muros da prisão.

Esse status de criminoso influenciará a vida do indivíduo, que poderá não ter outra forma de sobreviver em sociedade senão dentro do crime, pois, em decorrência do rótulo, esse agente dificilmente conseguirá se reposicionar na sociedade, por já ter sido um “desviante”.

12 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. p. 291.

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Conclusão

Diante de todo o exposto, resta claro que as instâncias de controle, tanto informais, quanto formais, descritas na teoria do Labelling Approach, estigmatizam o indivíduo que não se enquadra na sociedade, fazendo com que ele se torne um desviante, o que traz graves consequências na vida daquele que recebeu o rótulo.

Tendo em vista esse primeiro desvio, o outsider chega até o submundo dos presídios, que faz com que ele se consolide como um criminoso, como alertam os pensadores dessa teoria de desvio secundário. Ao entrar nesse segundo ciclo, o criminoso não consegue retornar à sociedade, uma vez que dela já foi anteriormente excluído, e, assim, recorrerá mais uma vez ao crime.

Isso nos leva a pensar sobre a função das prisões na sociedade. Diz-se que uma das funções da pena privativa de liberdade é a ressocialização. Primeiramente, não se pode ressocializar alguém que nunca foi socializado e alguém que está sendo excluído pelos muros da prisão, pois, se observarmos a teoria dos desvios primários e secundários, o indivíduo que foi preso já era um desviante na sociedade, ou seja, não era socializado. Com isso, não há como conceber que a função da pena privativa de liberdade, materializada na prisão, seja ressocializadora.

Além disso, se observarmos o ciclo supracitado a prisão só consolida a exclusão do indivíduo da sociedade. Ao passar pela prisão, aquele indivíduo que já era marginalizado pela sociedade por não se enquadrar, ganhará mais um rótulo e será ainda mais excluído. O desvio secundário é essencial para a formação criminosa daquele agente. Com isso, temos que, além de não ser possível ressocializar alguém que nunca foi socializado, a prisão só dessocializa ainda mais o indivíduo, fazendo com que sua personalidade ganhe outros rótulos e pontos desviantes, o que o exclui cada vez mais.

Assim, a prisão não é a solução para uma “ressocialização”. Primeiramente, seria necessário incluir os desviantes primários na sociedade, a partir dos projetos sociais e políticas públicas, fazendo com que se sentissem membros pertencentes do seio social, e não excluídos, rejeitados. Além do processo de inclusão, ou seja, da própria “socialização”, há a necessidade de uma reforma nas instâncias de controle formais, de modo que o tratamento dispensado aos indivíduos fosse o mais igualitário possível, valendo, assim, a lei para todos, sem distinção de classe social ou de tipo de crime.

Ainda, para aqueles que já cometeram crimes, a prisão deveria ser a alternativa, e não a regra. Desse modo, o ideal seria que o direito penal fosse utilizado como ultima ratio e que as penas alternativas fossem mais aplicadas pelo Poder Judiciário. Porém, como esta não é a realidade existente e não parece ser um caminho factível, deveria, ao menos, existir uma melhoria e expansão nos projetos de reintegração social.

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Sendo assim, se o desvio primário fosse reduzido, o preconceito e o estigma das instâncias de controle, amenizados, e o desvio secundário, evitado ou diminuído, os indivíduos passariam a se sentir mais pertencentes e poderiam ter uma vida bem mais integrada uns com os outros, o que, consequentemente, diminuiria a criminalidade e o ciclo da estigmatização dos agentes desviantes.

Referências Bibliográficas

bArAttA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed.

Rio de Janeiro: Revan, 2002.

becker, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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molinA, Antonio García-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: RT, 2002.

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