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3. AS FACETAS DA TECNOLOGIA: MITOS E REALIDADES

3.11. Afinal, o que é tecnologia?

Diante da diversidade de opiniões, uma definição nesse momento seria demasiada pretensão. O que se busca é apenas mostrar o norte que está sendo seguido dentre ricas e variadas possibilidades para orientar todo o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. Isso é de fundamental importância para a síntese de idéias e a posterior criação do instrumento de pesquisa, bem como para conduzir a linha de raciocínio a ser seguida em análises e interpretações futuras.

E ainda, tendo em vista que em nossa sociedade é comum a confusão quando se fala em tecnologia e sabendo que diversas associações contraditórias são estabelecidas, fica evidente a necessidade de se tentar buscar uma definição já que o objetivo final é educacional. Em virtude do não conhecimento do tema ou pelo simples fato que crenças ou formas teóricas distintas de análises e estudos, a confusão permeia toda a sociedade não se fazendo presente somente no discurso do senso comum.

Em documentos atuais oficiais, como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados para inspirar a prática das escolas de educação infantil e fundamental, podemos constatar a tendência de introduzir conceitos e proposições ligados à tecnologia sem deixar claro o que realmente o conceito significa. Isso foi constatado por Veraszto (2004) nos PCNs destinados ao Ensino Fundamental. Ainda no âmbito dos documentos, temos o Plano Nacional de Graduação (BRASIL, 1999), que busca basilar os cursos de graduação no território nacional, que apresentam a necessidade de uma atenção à formação de novos profissionais frente ao processo tecnológico, no sentido de capacitá-los para acompanhá-los a não ser apenas um “pião no tabuleiro social”. Neste documento, em doze páginas, usa-se por dezessete vezes a palavra tecnologia. Algumas vezes com sentidos equivocados ou incompletos, quando, por exemplo, fala de educação à distância:

Implantar o acesso a modernas tecnologias criando programas que estimulem o uso de vídeo-conferências e outras tecnologias, como um passo fundamental no desenvolvimento do necessário conhecimento do processo pedagógico, essencial para implantação de centros de ensino a distância (BRASIL, 2001).

Na citação acima fica nítida a confusão existente entre o artefato tecnológico e a tecnologia. Uma concepção comum, conforme mostramos anteriormente. Aqui existe a idéia de

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que, possuir ou simplesmente fazer uso de um novo equipamento, seja suficiente para fazer os novos profissionais apoderarem-se do conhecimento que permite o desenvolvimento de novas soluções. Por exemplo, se alguém procurasse um fabricante de veículos automotivos e propusesse a compra de tecnologia de um automóvel popular, com toda a certeza não sairia dirigindo um carro! E muito menos gastaria pouco mais de uma dezena de milhares de reais! Esta confusão, presente no discurso de muitos, sobretudo na mídia jornalística, tem gerado um distanciamento de uma discussão mais crítica (SILVA et al, 2000; SILVA & BARROS FILHO, 2001).

Ao invés de tentar obter representações fragmentadas devemos considerar a tecnologia como um corpo sólido de conhecimentos que vai muito além de servir como uma simples aplicação de conceitos e teorias científicas, ou do manejo e reconhecimento de modernos artefatos. Precisamos deixar bem claro que o conhecimento tecnológico tem uma estrutura bastante ampla e, apesar de formal, a tecnologia não é uma disciplina como qualquer outra que conhecemos, nem tampouco pode ser estruturada da mesma forma. Como afirma Herschbach (1995), o conhecimento tecnológico não é algo que pode ser facilmente compilado e categorizado da mesma forma como o conhecimento científico. A tecnologia poderia ser apresentada como uma disciplina, mas sabemos que é mais bem qualificada como uma forma de conhecimento, e por isso adquire formas e elementos específicos da atividade humana. Dessa forma podemos dizer que o caráter da tecnologia pode ser definido pelo seu uso.

Retomando a revisão já abordada em capítulo anterior, vimos que a tradição americana buscou identificar e avaliar os efeitos sociais das tecnologias enquanto que a tradição européia procurou estabelecer os estudos do caráter dos processos de mudanças científicas. Ambas as tendências tinham ferramentas potenciais práticas que poderiam utilizar de forma adequada, somente através da soma de esforços. A tradição americana denunciava os impactos da tecnologia, mas não sabia explicar como poderiam ser evitados com a construção adequada dos complexos científicos tecnológicos. A tradição européia, por sua vez, oferecia “reconstruções sociológicas”, mas não sabiam avaliar e sugerir mudanças. A convergência de ambas as tradições ao processo de desenvolvimento tecnológico, assim como a novas concepções de tecnologia que levavam em conta as características de organização social, foram passos cruciais para que crítica social promovida pela tradição americana pudesse ter conseqüências práticas na reorientação, planejamento e avaliação dos paradigmas científico-tecnológicos.

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Reflexões simples mostram a complementariedade da duas tradições assim como as importantes conseqüências derivadas da mesma. Se as C&T se constituem como um podruto social (segundo a tradição européia), de díficil análise como a ciência pura ou a técnica teorizada e, se os complexos científicos tecnológicos implicam conseqüências sociais (segundo a tradição norte americana), então deveríamos promover a avaliação e o controle social do desenvolvimento científico tecnológico como um compromisso democrático básico.

A terceira tradição que mostramos anteriormente, nascida dos programas STPP (Science, Technology and Public Policy) desempenha também um importante papel no processo de convergência e na sua aplicação prática. Os programas STPP, que tinham interesse inicial na formação de especialistas em economia e política científico-tecnológica com enfoques bem mais tecnocráticos, viram suas propostas básicas sendo questionadas no que diz respeito às relações entre tecnologia e economia graças ao surgimento de orientações evolucionistas. O evolucionismo na economia da mudança tecnológica, mantém importantes pontos comuns com o construtivismo da sociologia: ambos os enfoques descritivos consideram os fatores sociais (aspectos econômicos, políticos, curriculares) como elementos decisivos no surgimento, desenvolvimento e consolidação das tecnologias. Traz a morte do modelo linear de inovação e, a complementariedade de ambas orientações influenciando na formulação e gestão de políticas científico-tecnológicas.

O desenvolvimento convergente dos enfoques descritivos e valorativos proporcionados pelas três tradiçôes conduzem, portanto, a uma nova forma de entender a formulação de políticas de C&T. Recentemente, autores das diferentes tradições começaram a reconhecer os resultados obtidos por outras tendências integrando-os aos seus discursos. Dessa convergência nasceram novas orientações e perspectivas que tem contribuido para enriquecer os estudos sociais das C&T, assim como suas implicações sociais e políticas. Assim, os estudos sociais das C&T não se reduzem, então, a um mero exercício acadêmico ou a uma nova moda, mas sim apresenta um interesse prático de criação e implementação de mecanismos democráticos de participação pública em política de C&T e ambiental que se correspondam de maneira adequada com o caráter social e político que existe na objetividade, neutralidade e linearidade das C&T.

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A avaliação de tecnologias e a ação política constituem, portanto, o espaço onde as tradições podem convergir. É sabido que que muitos obstáculos derivados de certas concepções limitadoras ou interesses particulares precisam ser superados, mas neste trabalho o que existe é o interesse de mostrar como diferentes teorias podem auxiliar na construção de um modelo de avaliação de concepções e na busca por relações de causa e efeito entre essas concepções e as esperanças depositadas no futuro que de uma forma ou de outra depende das C&T.

Nesse sentido a tecnologia se distingue da ciência também nos seus modos de avaliação (LACERDA NETO, 2002). O valor da pesquisa e da atividade tecnológica é o da utilidade e eficácia dos inventos e da eficiência no processo de produção (RODRIGUES, 2001). Portanto, não é também uma simples invenção. Enquanto um inventor trabalha no mundo de suas idéias como um artista, o profissional de tecnologia trabalha geralmente em equipe com objetivos determinados (HILST, 1994; MITCHAN apud RODRIGUES, 2001).

Temos que reconhecer que, atualmente, a tecnologia utiliza métodos sistemáticos de investigação semelhantes aos da ciência, porém não se limita a tomar emprestadas as idéias para dar resposta a determinadas necessidades humanas, vai, além disso, combinando teoria com produção e eficácia, um saber fazer eficiente. Os conceitos das ciências são utilizados na tecnologia, porém, depois que já se tenha reduzido o nível de abstração de conceitos individuais (ACEVEDO DÍAZ, 1998). Os conceitos das distintas áreas da ciência se combinam entre si para cobrir as necessidades dos problemas que solucionam a tecnologia, e redefinem os conceitos individuais para tratar os contextos da mesma (LAYTON, 1988). Não obstante, da mesma maneira em que a tecnologia utiliza elementos das ciências, as ciências também se beneficiam das concepções e criações tecnológicas (VERASZTO, 2005c).

Temos ainda que considerar que a tecnologia é concebida em função de novas demandas e exigências sociais e acaba modificando todo um conjunto de costumes e valores e por fim, agrega-se à cultura. E, apesar de fazer parte dos artefatos e dos produtos que nos cercam, a tecnologia é o conhecimento que está por trás desse artefato, não apenas o resultado e o produto, mas a concepção e a criação (GRINSPUN, 2001; SILVA et al, 2000; BOSCH, 2002). E isso envolve muito mais elementos sócio-culturais do que se possa imaginar. Uma forma de ver isso é nos remetermos a colocações precedentes, onde foi citado que algo que diferencia

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substancialmente a espécie humana do restante dos seres vivos é a sua capacidade para criar esquemas de ação sistemáticos e representacionais, aperfeiçoá-los, ensiná-los, aprendê-los e transferi-los para grupos distantes no espaço e no tempo, com o objetivo de avaliar os fatores prós e os contra, para assim poder tomar decisões de conveniência que irão apontar qual direção se deve seguir. E isso não se aplica somente à capacidade de desenvolver utensílios, aparelhos, ferramentas, etc, mas também a capacidade de desenvolver as tecnologias simbólicas (ou tecnologias da inteligência segundo Lévy, 1993) como a linguagem, a escrita e os mais diferentes sistemas de representação e de pensamento; tudo isso fazendo parte da potencialidade criadora e intelectual do homem. Neste sentido podemos dizer que a tecnologia é uma produção basicamente humana (SANCHO, 1998; BOSCH, 2002).

Não se deve reduzir a tecnologia a nenhuma visão limitante visto que a mesma não é um ator autônomo, separado da sociedade e da cultura, que seriam apenas entidades passivas sendo afetadas por uma agente exterior. Muito pelo contrário. Tanto as técnicas como as tecnologias abrangem de maneira indissolúvel, interações entre pessoas vivas e pensantes, entre entidades materiais e artificiais e, ainda, entre idéias e representações (LÉVY, 1999). Cada sociedade cria, recria, pensa, repensa, deseja e age sobre o mundo através da tecnologia e de outros sistemas simbólicos. A tecnologia é impensável sem admitir a relação entre o homem e a sociedade (LION, 1997). O desenvolvimento de novas tecnologias,sejam elas produtos, artefatos ou sistemas de informação e comunicação, constitui um dos fatores-chave para compreender e explicar todas as transformações que se processam em nossa sociedade (LIGUORI, 1997). E, desta maneira, podemos dizer que a tecnologia está intrinsecamente associada aos valores humanos (LAYTON, 1988; SIMON et al, 2003, BARROS FILHO et al, 2003).

Em sua totalidade, a tecnologia abrange não somente os produtos artificiais fabricados pela humanidade, assim como os processos de produção, envolvendo máquinas e recursos necessários em um sistema sócio-técnico de fabricação. Além disso, engloba também as metodologias, as competências, as capacidades e os conhecimentos necessários para realizar tarefas produtivas, além é claro, do próprio uso dos produtos colocados dentro do contexto sócio- cultural (ACEVEDO DÍAZ, 1996a, 1996b). Sendo assim, não podemos dizer que a tecnologia determina a sociedade ou a cultura dos homens. As verdadeiras relações, portanto, não são criadas entre a tecnologia (que seria da ordem da causa) e a cultura (que sofreria os efeitos), mas

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sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas, tecnologias e também, de ciência. A técnica produzida pelas ciências transforma a sociedade, mas também, retroativamente, a sociedade tecnologizada transforma a própria ciência (MORIN, 1996, p. 16). A tecnologia emerge do meio em que está inserida, carregando consigo projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais bastante variados, fazendo parte inerente da vida do ser humano. A tecnologia, uma vez colocada à disposição da sociedade ou do mercado, passa a ter seu valor determinado pela forma como vai ser adquirida e usada, e quem define esse valor (de bem ou de consumo) é a própria sociedade em desenvolvimento. (MORIN, 1996; LÉVY, 1999; GRINSPUN, 2001; COLOMBO & BAZZO, 2002). Sendo o desenvolvimento um elemento dentro de uma cultura, a tecnologia se torna produto da sociedade que a cria. Daí o fato de que, ao ser importada, ela pode levar a uma dominação cultural, pois trás consigo valores de avaliação e eficiência criados em outra sociedade (CUSTER apud LACERDA NETO, 2002).

Na medida em que muda padrões, a tecnologia também cria novas rotas de desenvolvimento. Portanto, trabalhar com tecnologia é trabalhar com algo dinâmico. O que hoje é ponta, amanhã é obsoleto, exigindo novos procedimentos, conceitos e atitudes para inovar. A tecnologia faz parte do acervo cultural de um povo, por isso existe na forma de conhecimento acumulado, e por essa mesma razão está em contínua produção. É devido à dinâmica das culturas que estas se nutrem das contribuições permanentes da comunidade social em espaço, tempo e condições econômicas, políticas e sociais (LION, 1997; LACERDA NETO, 2002). A tecnologia em si constitui-se, portanto, como uma forma de conhecimento e todas as tecnologias são produtos de todas as formas de conhecimento humano produzidas ao longo da história (VERASZTO et al, 2003a, 2003b, 2003c, 2003d, 2004, 2005c).

Colocadas as diferentes idéias e concepções que se tem acerca da tecnologia ao redor do mundo, nesta ordem de idéias e não como ponto final senão como ponto de partida na posterior abordagem do tema educativo, neste trabalho assumimos também a idéia defendida por Acevedo (1998) em seu artigo, onde este coloca que tecnologia como o conjunto de saberes inerentes ao desenvolvimento e concepção dos instrumentos (artefatos, sistemas, processos e ambientes) criados pelo homem através da história para satisfazer suas necessidades e requerimentos pessoais e coletivos.

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O conhecimento tecnológico é o conhecimento de como fazer, saber fazer e improvisar soluções, e não apenas um conhecimento generalizado embasado cientificamente. Para a tecnologia é preciso conhecer aquilo que é necessário para solucionar problemas práticos (saber fazer para quê), e assim, desenvolver artefatos que serão usados, mas sem deixar de lado todo o aspecto sócio-cultural em que o problema está inserido (LAYTON, 1988).

Diante de tudo o que abordamos até aqui, podemos concluir este capítulo dizendo que a tecnologia tem tanto seu aspecto cultural, que inclui metas, valores e códigos éticos, acredita no progresso e na criatividade humana, assim como possui um aspecto organizacional, que abrange a economia e as atividades industriais, profissionais, além dos usuários e dos consumidores (PACEY, 1983 apud LAYTON, 1988). A tecnologia não é uma mercadoria que se compra e se vende, é um saber que se adquire pela educação teórica e prática, e, principalmente, pela pesquisa tecnológica (VARGAS, 2001; VERASZTO, 2005c).

Em resumo, este breve panorama sobre as concepções da tecnologia permite evidenciar alguns pontos recorrentes e talvez imprescindíveis em uma concepção ampla de tecnologia. Homem, cultura, saberes e necessidades, trabalho e instrumentos, se encontram de alguma maneira mencionados na concepção da tecnologia, onde a invenção é um fator chave e a criatividade corresponde a uma atividade tanto individual com social (ACEVEDO, 1998).

Seria plausível afirmar, em um sentido mais amplo, que existem tantas tecnologias específicas quantos são os tipos de problemas a serem resolvidos, ou mais, se considerarmos que cada problema apresenta mais de uma solução possível. Como ressalta Grinspun (2001), poderíamos dizer que a tecnologia abrange um conjunto organizado e sistematizado de diferentes conhecimentos, científicos, empíricos e intuitivos. Sendo assim, possibilita a reconstrução constante do espaço das relações humanas (ECHEVERRIA, 1998).

As considerações desse tópico podem ser resumidas apontando que uma ou outra concepção que existe a respeito da tecnologia é aquela que prioriza o desenvolvimento tecnológico como sendo fruto interdisciplinar, pois o processo de criação e desenvolvimento da tecnologia deve ser encarado de maneira sistêmica (ACEVEDO DÍAZ, 2002b; VERASZTO, 2004). Segundo Osorio M. (2002), autores como Hughes (1983), Wynne (1983), Quintanilla (1988, 2001), Pacey (1983) e Sutz (1998) são refências que seguem essa linha de pensamento.

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4. OS DESAFIOS DA TECNOLOGIA NO CENÁRIO MUNDIAL

CONTEMPORÂNEO

Nesse capítulo a atenção será centrada em dois focos: um geral, abordando diversas áreas de atuação da tecnologia e outra mais específica, relacionada com a questão ambiental. Essa última justificada não somente pelo fato de que o as implicações ambientais do desenvolvimento tecnológico tem sido muito discutidas em nossa atual sociedade, mas também, e principalmente, pelo fato de que essas mesmas implicações devem ser encaradas de forma séria e colaborativa. A garantia da sustentabilidade é dever de todos e descobrir como as pessoas pensam a respeito do assunto, como agem e o que esperam, é fator crucial para o desenvolvimento de novas políticas públicas de gestão tecnológica, gestão ambiental, gestão educacional e curricular.

A partir do momento que se pretende verificar quais as expectativas em relação aos desafios que a tecnologia enfrentará nesse novo milênio, priorizando a questão ambiental, faz-se necessário comentarmos um pouco mais a respeito dessas questões.