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2. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: BASES HISTÓRICAS E

2.3. Antecedentes dos estudos CTS

Conforme foi apontado no capítulo anterior, no século XVI, teve início o que pode ser considerada a primeira grande revolução científica da história, tendo como protagonistas personagens como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e Francis Bacon entre outros. Esse período marcou o confronto entre dois conhecimentos de grande influência: o religioso e o científico. Galileu procurava aproximar os dois através da argumentação (PAGANI & LUCIANI, 1993), enquanto Bacon priorizava a tentativa de romper com os ideais religiosos e propondo que só o conhecimento cientificamente comprovado deveria ser aceito. Este seria o início de uma trajetória ascendente de poder da ciência perante a sociedade e praticamente inabalado até os dias de hoje.

No final do século XIX temos o auge do que podemos denominar de cientificismo. Numa espécie de retorno aos ideais de Bacon, Auguste Comte encabeça a corrente filosófica denominada de positivismo. Foi seguindo as propostas de Comte, que a ciência conquistou sua independência metodológica. Não era mais preciso legitimar o conhecimento científico perante a igreja, pois este é superior aos ideais clérigos. Na ciência, a busca por conhecimentos ocorre em sua forma mais bruta, sendo as observações indispensáveis para o seu desenvolvimento.

No início do século XX surgiram os primeiros trabalhos de contraposição à visão positivista dominante na academia. A principal inquietação se centrava no aspecto acumulativo da ciência que o anacronismo praticado pelos historiadores da época propiciava. A argumentação

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era de que ao se situar na época do desenvolvimento de determinada lei ou teoria científica não haveria como se separar esta dos conhecimentos pseudocientíficos ou mesmo das teorias consideradas posteriormente “erradas” (não aceitas). Ambas advinham dos mesmos métodos e se consolidavam pelas mesmas razões, não havendo motivos plausíveis para, aos olhos do passado, diferenciá-las (KUHN, 1982).

Nesse aspecto, a influência de fatores externos à ciência surgiu como resposta para se determinar as razões para que certas idéias permanecessem aceitas e outras fossem descartadas. Iniciou-se, assim, uma nova corrente na história das ciências: a externalista. Pesquisadores como Boris Hessen, John Desmond Bernal e Joseph Needham marcam presença no II Congresso Internacional de História das Ciências e das Tecnologias em Londres de 1931, considerado como um marco no surgimento da corrente externalista (ALFONSO-GOLDFARB et al, 2004; SALDAÑA, 1993). Hessen, por exemplo, proferiu neste congresso a palestra intitulada As raízes sócio-econômicas dos Principia de Newton na qual, conforme o próprio título já insinua, propõe que os conteúdos científicos presentes no Principia foram demandados de necessidades advindas da economia da época, em específico, o transporte por água (marítimo), a indústria da mineração e a indústria da guerra. Acrescentou também em sua palestra uma análise da visão filosófica de Newton se referindo aos ideários religiosos vigentes em sua época e local (HESSEN, 1985).

A influência de Marx nos trabalhos desses historiadores se faz presente ao enfatizar a questão econômica, em destaque as forças produtivas, acima de todas as outras, como condutor do desenvolvimento científico e tecnológico (SALDAÑA, 1993). Deve-se enfatizar que, neste momento, se inicia o processo de influência da sociedade no desenvolvimento científico, ainda que se centre principalmente em fatores econômicos. Entretanto, estes fatores não incidiam no conteúdo científico propriamente dito, pois ainda o consideravam como racional e lógico. Ou seja, assumia-se que o meio na qual se produzia a ciência sofria influência de fatores externos à comunidade científica, como interesses militares e industriais, porém descartava-se a influência destes fatores no denominado “núcleo duro” da ciência, o seu conteúdo (FOUREZ, 1995). De qualquer forma, pode-se considerar que surgia assim uma abertura para que os sociólogos pudessem estudar o trabalho científico, ou seja, a possibilidade de surgimento da área de estudo denominada Sociologia da Ciência.

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Tendo contato com historiadores da ciência no início da década de 1930, como George Sarton, fundador e, por muitos anos, editor da Isis, Robert Merton, importante nome da sociologia norte-americana, demonstrou interesse pelas relações entre os contextos sociais e sua influência na produção das idéias, principalmente as científicas. Seus primeiros trabalhos, publicados entre a década de 30 e 40 do século XX, se aproximaram da sociologia do conhecimento, avaliando nestes as contribuições de Émile Durkheim e Karl Mannheim (RESTIVO, 1981; VESSURI, 1991).

Com uma base sociológica formada e com interesse pelas idéias científicas, Merton direciona seus trabalhos a partir da década de 1940 para a análise da estrutura social da ciência. Entre os seus trabalhos mais famosos encontra-se Os imperativos sociais da ciência (MERTON, 1974; 1979).

Segundo Bunge (1991), uma das teses de Merton é que a investigação científica tem características particulares, que a distingue de todas as outras atividades humanas. Mas como é possível Merton realizar trabalhos em sociologia se considera a ciência uma instituição autônoma? Nísia Lima (2002) argumenta que nem mesmo Merton acreditava em uma ciência autônoma. Sua idealização seria uma reposta à crescente hostilidade sofrida pela ciência na época (MERTON, 1979; LIMA, 2002).

Hostilidade esta que também repercutiu na filosofia da ciência com trabalhos em prol da racionalidade científica. Um autor com grande impacto nesta área foi Karl Popper que em seu livro A Lógica da Pesquisa Científica propõe a falseabilidade como critério de demarcação entre o que é ciência e pseudociência. Popper, bem como os racionalistas da época, se centraram em justificar o desenvolvimento científico a partir de uma visão lógica e interna à ciência tendo como foco o conteúdo científico sem interferência de fatores sociais (POPPER, 1975; GIL, 1979).

Com estas rápidas linhas, podemos perceber que os estudos sociais das C&T começaram a tomar rumos diferentes. Para podermos entender melhor quais foram os caminhos seguidos, vamos agora às duas tradições dos estudos CTS.

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