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3. AS FACETAS DA TECNOLOGIA: MITOS E REALIDADES

3.5. Concepção de neutralidade da tecnologia

Afirma que a tecnologia não é boa nem má. Seu uso é que pode ser inadequado, não o artefato em si. Considera que os efeitos negativos que uma tecnologia possa vir a trazer para o meio não é culpa dela, mas sim de uma equivocada política social ou de uma falta de sofisticação que poderia ter sido empregada na melhor construção desses artefatos. Seria o mesmo que dizer que a tecnologia está isenta de qualquer tipo de interesse particular tanto em sua concepção e desenvolvimento como nos resultados finais (referências no Quadro 3.1).

A idéia da neutralidade do conhecimento científico tem sua origem nas próprias condições de seu surgimento como tal, a partir do século XV, como uma oposição ao conhecimento (ou pensamento) religioso. Para muitos ciência e religião compartilhariam o mesmo objetivo: a verdade. A diferença seria que a ciência admite só a autoridade da razão e da experiência. O Iluminismo foi o primeiro movimento importante que, ao mesmo tempo e não por acaso, questionou o pensamento religioso e potencializou a idéia da neutralidade. O positivismo, a partir do final século XVIII, e tendo como base o pensamento de Bacon e Descartes, contribuiu para reforçá-la. A idéia de que a ciência está livre de valores, que hoje desempenha um importante papel na compreensão e na imagem pública da tecnociência, está presente, segundo Koyré (1957 apud DAGNINO, 2007), já nos trabalhos de Galileu. Segundo este autor, a visão de

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Galileu, de que a natureza permanece surda e inexorável aos nossos desejos (p. 270), teria levado a que se passasse a [...] rejeitar através do pensamento científico todas as considerações baseadas em conceitos valorativos, tais como perfeição, harmonia, significado e desejo, e finalmente à desvalorização última do ser, o divórcio do mundo dos valores do mundo dos fatos (KOYRÉ, 1957 apud DAGNINO, 2007).

Os artefatos tecnológicos podem ser usados de forma boa ou má, mas é o seu uso que pode ser inadequado, não o artefato em si. Assim, as tecnologias podem ter alguns efeitos prejudiciais, mas isso não é culpa dela e sim de uma equivocada política social ou uma falta de sofisticação que poderia ter sido empregada na melhor construção desses artefatos. Seria o mesmo que dizer que a tecnologia está isenta de qualquer tipo de interesse particular, tanto em sua concepção e desenvolvimento, como nos resultados finais (CARRERA, 2001; GÓMEZ, 2001; OSORIO M., 2002). Estes são argumentos que determinam a rejeição a qualquer tipo de idéia que venha a defender o determinismo tecnológico, pois aponta que as opções tecnológicas nunca são únicas e a flexibilidade das mesmas permite múltiplas formas de aplicação e gestão.

Se considerada como independente de qualquer sistema político ou social, a tecnologia pode ser transferida de um país a outro sem dificuldade alguma. Essa visão reducionista da tecnologia impede sua análise crítica e ignora as intenções e interesses sociais, econômicos e políticos daqueles que a idealizam, financiam e controlam. Sabemos que a tecnologia não é neutra; um artefato aparentemente inócuo pode estar carregado de interesses políticos (e/ou outros) (WINNER, 1985 apud OSORIO M., 2002). A tecnologia, longe de ser neutra, reflete os planos, propósitos e valores da nossa sociedade.

S egundo García, fazer tecnologia é fazer política. E levando em conta que a política é um assunto de interesse geral, é fundamental que a sociedade tenha oportunidade de decidir que tipo de tecnologia deseja. Desta forma, manter o discurso que a tecnologia é neutra, favorece a intervenção de experts que decidem o que é correto baseando-se em uma avaliação objetiva e impedindo a participação democrática em discussões sobre planejamento e inovação tecnológica (GARCÍA et al, 2000).

Como exemplo, podemos citar três. Langdon Winner (1986) mostra que as pontes de Long Island, em New York, foram construídas muito baixas, com apenas três metros de altura.

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Robert Moses, arquiteto da cidade, responsável pela idealização das pontes, assim como de muitos outros parques e estradas nova iorquinas desde 1920, tinha um propósito claro ao projeta- las assim. Tratava-se de reservar a orla marítima e as praças aos brancos possuidores de automóveis. Os ônibus que transportavam pobres e negros, com seus quatro metros de altura, não eram capazes de passar por debaixo dessas pontes e chegar à orla ou às praças (WINNER, 1986 apud GARCÍA et al, 2000). Um edifício também pode refletir intenções políticas, como inúmeros projeto de edifícios da Espanha franquista: um pequeno número de vias de acesso, apesar de dificultar o trânsito em um edifício de público massivo, permite também melhor controle policial em caso de distúrbios (GARCÍA et al, 2000). Outra história que mostra o caráter político da tecnologia é a distribuição dos espaços escolares e dos hospitais do século XVIII, que seguiam uma concepção de desenho comum: eram projetados para gerar disciplina com métodos que permitiam o controle minucioso por diminuir as forças das operações corporais e por ainda para garantir espaço apropriado para a vigia constante por parte dos professores, dos guardas ou médicos. (FOUCAULT, 1978 apud OSORIO M., 2002).

Se as tecnologias são neutras, então não se pode atribuir responsabilidades aos cientistas quando estas são colocadas em prática e se tivesse que existir algum tipo de responsabilidade, essa deveria recair sobre quem faz uso da produção tecnológica.

Cientistas, engenheiros, políticos, habitualmente defendem a neutralidade da ciência e se esconde por detrás de sua autoridade para justificar determinadas ações. A ciência pura, com seus critérios de racionalidade e objetividade, está fora das influências de qualquer juízo de valor, prejuízos culturais ou interesses políticos, e não se relaciona sob nenhuma hipótese com os possíveis usos que se possam fazer dela (GARCÍA et al, 2000). Contudo, conforme já vimos, a ciência pura não passa de um mito.

3.6. CONCEPÇÃO DO DETERMINISMO TECNOLÓGICO: