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2. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: BASES HISTÓRICAS E

2.4. Tradição européia

2.4.4. Da ciência à tecnociência

A tradição européia nos estudos sociais havia começado dando ênfase quase que exclusiva à investigação científica. Contudo, em meados dos anos 1980, esses estudos, de forma cada vez mais abrangente, começaram a incorporar a tecnologia em sua análise. O reconhecimento da impossibilidade e da inutilidade de uma distinção clara, (e um tratamento diferenciado) entre a ciência e a tecnologia, assim como a crescente transcendência dos assuntos tecnológicos no mundo contemporâneo, foram os motores desse novo enfoque que reconceituou a tecnologia como processo social e não mais como ciência aplicada e neutra. A rejeição do determinismo tecnológico possibilitou a aplicação da análise sociológica também à tecnologia (GARCÍA et al, 2000; NIINILUOTO, 1997 apud ACEVEDO DÍAZ, 2002b).

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desenvolvimento tecnológico. Entre esses estudos podemos citar Mackenzie (1990 apud GARCÍA et al, 2000), Collins (1990 apud GARCÍA et al, 2000), Bijker, Hughes & Pinch (1987), Bijker & Law (1992 apud GARCÍA et al, 2000) e Jasanoff et al (1995 apud GARCÍA et al, 2000). Uma grande quantidade de autores que até então tinham se dedicado à sociologia do conhecimento científico, passaram agora a incluir diversos episódios tecnológicos em seus trabalhos (VESSURI, 1991).

Essa nova tendência, segundo GARCÍA et al (2000) aponta, mostra a convergência das duas tradições. Isso porque autores da academia norte-americana começaram a mostrar interesse pelas origens sociais da tecnologia e autores europeus, começaram a dar importância aos instrumentos e técnicas no trato conjunto da ciência e da tecnologia. Como exemplo é possível citar a teoria da Rede de Atores de Latour & Callon, que mencionava que a ciência não consiste em teoria pura, assim como a tecnologia também não deveria ser encarada com aplicação pura. Muito pelo contrario, ambas poderiam ser fundidas no termo tecnociência, como algo vivo e diferente da nossa percepção comum: a ciência e a tecnologia. Desta forma, ambas passaram a ser vistas como sendo redes cujos nós eram formados por todo tipo de instrumentos relevantes. Os produtos da atividade científica, as teorias, não podiam, portanto, continuar sendo encarados de forma isolada e distante dos instrumentos que participam de sua elaboração (VESSURI, 1991).

Existem diversas tendências do estudo da tecnologia influenciados pelo enfoque construtivista desenvolvido para o estudo da ciência. O artigo de Trevor Pinch e Wiebe E. Bijker The Social Construction of Facts and Artefacts: Or How the Sociology of Science and Technology Might Benefit One Another (1994) é o pioneiro desta convergência de interesses e métodos entre a sociologia do conhecimento científico e a história da tecnologia. Neste trabalho os autores apresentam o programa SCOT (Social Construction of Technology) aplicando-o ao caso da construção da bicicleta. O SCOT foi baseado no EPOR, é um programa com enfoque na sociologia da tecnologia no qual o processo de desenvolvimento tecnológico se concebe como um processo de variação e seleção. Se trata de explicar, mediante a construção de modelos multidirecionais, porque alguns artefatos tecnológicos sobrevivem e outros não. É um processo de análise que leva em consideração quais são os problemas que cada variação tecnológica soluciona e, posteriormente, determina-se quais os grupos afetados (grupos sociais relevantes). O processo de seleção de variações de modelos tecnológicos se caracteriza, desta forma, como um

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processo claramente social, pois sustenta que a história da tecnologia não é produto de nenhuma necessidade (como aumento da eficácia), e o que é preciso explicar sociologicamente são os fatos que determinam a sobrevivência de um modelo, dentro de uma série de possibilidades. Assim, não sendo a sociedade uma entidade abstrata que determina univocamente o comportamento dos indivíduos mas sim uma entidade composta por seres humanos que, apesar de agirem através das regras sociais que lhes são impostas, também têm a capacidade de transformá-las através de comportamentos que nem sempre reproduzem os padrões estabelecidos, fica evidente que os indivíduos, com suas ações sociais concretas, são agentes responsáveis por mudanças. A partir desta perspectiva, as transformações, inovações e desenvolvimentos tecnológicos só ocorrem na medida em que existam agentes sociais (seres humanos, em última instância) que ajam de maneira a efetivá-los. É evidente que estes seres humanos vivem em sociedade. A tecnologia depende, pois, da sociedade para a sua existência e o seu desenvolvimento (CARVALHO, 1997; GARCÍA et al, 2000; COLOMBO & BAZZO, 2002).

Nos enfoques construtivistas aplicados ao estudo tanto da ciência como da tecnologia, cujo tratamento conjunto se denomina SCOST (Social Construction of Science and Technology), se analisam as controvérsias científicas e tecnológicas (muitas vezes, tecnocientíficas) para determinar a variabilidade da interpretação de dados (ciência) ou da interpretação de desenhos tecnológicos alternativos. O segundo passo consiste em estudar os mecanismos que impõem a redução das diversidades impondo determinados modelos ou interpretações. Finalmente, da mesma forma como acontecia com o EPOR, essas informações são relacionadas com grupos sociais relevantes, interesses profissionais, grupos de classe, etc (GARCÍA et al, 2000).

A teoria da rede de atores, desenvolvida por Latour e Callon também passou a ser aplicada à tecnologia. Philip Vergragt (1988 apud GARCÍA et al, 2000) elaborou um modelo de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) que reflete interesses e relações de poder entre os diferentes atores envolvidos no processo tecnológico e, portanto, uma linha de pesquisa não deixa de ser uma sucessão de decisões a respeito de um conjunto de opções. Entre os diversos momentos onde as decisões são tomadas entre diferentes opções, existem períodos de continuidade onde os problemas permanecem inalterados e não resolvidos e, durante os quais os cientistas e os tecnólogos trabalham para ganhar conhecimento e resolver as anomalias relacionadas com a

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definição do problema dominante. Como resultado de uma decisão entre alternativas, cria-se um nicho onde cientistas e tecnólogos trabalham seguindo determinadas regras. O conceito de nicho é muito parecido com o conceito kuhniano de paradigma8, porém inclui definições de possíveis aplicações, percepção de mercados potenciais e estratégias empresariais e corporativas. Desta forma, os atores não são somente os cientistas e os tecnólogos, mas também todos os gestores e todos os responsáveis pelos laboratórios de pesquisa, os engenheiros, os departamentos de vendas, os diretores de empresa, etc. Assim, uma linha de pesquisa é resultado de um processo de negociação entre atores, onde cada um dos quais tenta convencer os demais que de sua tese é a mais apropriada. No momento em que se estabelece uma definição dominante, o problema se estabiliza e um nicho se estabelece para cientistas e tecnólogos (RESTIVO, 1981; QUINTANILLA, 2001 apud OSORIO M., 2002). O ambiente externo à atividade científica, tal como é percebido pelos atores, pode conduzir a períodos críticos nos quais são reabertas as negociações sobre as diferentes alternativas de definição do problema. Essa linha de investigação mostra que a atividade científica-tecnológica é configurada por regulamentos administrativos, demandas de mercado, estratégias entre grupos competidores. A renegociação pode também determinar o fracasso da linha de pesquisa ou a mudança de organização, de dirigentes, ou apontar reformulações de estratégias comerciais.