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Agronegócio: o âmago das relações entre o Brasil e a China

CAPÍTULO 2 – A INSERÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA DA CHINA

2.4 CHINA E BRASIL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS E COMERCIAS

2.4.1 Agronegócio: o âmago das relações entre o Brasil e a China

A gênese da relação entre o Brasil e a China no setor do “agronegócio” remonta ao período imperial, por volta de 1812, com a chegada da família real portuguesa, quando D. João VI, ao aportar no Brasil, fez os primeiros contatos com os chineses, para que esse povo viesse ao país desenvolver a cultura de plantação de chá. No posicionamento de Shin, “junto com a vinda da corte portuguesa à Colônia, desembarcaram hábitos europeus sofisticados, dentre eles o de tomar chá chinês (dito inglês)”160. Um dos interesses de D. João VI era o de abolir as importações de chá e desenvolver o seu cultivo no Rio de Janeiro. Ademais, o objetivo maior da corte era o de lucrar “com o comércio do chá, replicando o sucesso das

157

MARQUES, Eliana. O milagre econômico da China: paralelo entre crescimento brasileiro e o chinês. – São Paulo: Saint Paul Editora, 2009, p. 69

158 Op cit, p.70

159 ABDNUR, Adriana Ethal. O XII Plano Quinquenal da China: Consequências para o Brasil. In: Brasil e

China no reordenamento das relações internacionais: desafios e oportunidades, , p.175

vendas para a Europa feitas por Macau, colônia portuguesa na época (tomada da China no século XVI e devolvida em 1999)”161.

Não obstante, o projeto de cultivar chá no Rio de Janeiro não logrou êxito, devido à falta de experiência, dos chineses, na agricultura, como também, do solo brasileiro não propenso ao cultivo do chá, o que o deixou com paladar diferente, não agradando, dessa forma, a clientela europeia. Além disso, “o problema maior, porém, foi devido à concorrência com o café, cuja introdução na produção e consumo foi muito bem-sucedida no Brasil”162. Assim, ficou evidenciado que seria muito mais vantajoso e lucrativo, importar o chá da China com a sua qualidade e baixo custo, que cultivar no Brasil.

Muitos dos chineses que vieram ao Brasil com o objetivo de desenvolver o cultivo do chá acabaram permanecendo. Em 1900, mais de cem imigrantes chineses vieram para esse país; período em que a China, segundo Kissinger, “abraçava um estado de guerra contra todas as potências estrangeiras simultaneamente”163. Mas, foi no ano de 1949, período da Revolução Comunista, que muitos chineses acabaram se refugiando em outros países, inclusive, no Brasil. Nesse ano, a China

se unificava outra vez, sob a recém-proclamada República Popular da China. A China comunista se lançava em um novo mundo: estruturalmente, uma nova dinastia; [...] os novos líderes chineses enfrentavam o envolvimento dos Estados Unidos nos assuntos asiáticos, que haviam saído da Segunda Guerra Mundial como confiante superpotência, insatisfeita com a sua passividade ao ser confrontada com a vitória comunista na guerra civil chinesa164.

Com o advento da nova Dinastia de Mao Zedong, a China se desponta como uma das maiores potências mundiais. Momento em que, a partir de um ato deliberado de política estatal, busca extinguir com as tradições chinesas, a fim de se erguer-se diante do mundo.

A partir de então, as relações entre o Brasil e a China, voltadas ao agronegócio, começaram a evoluir gradualmente. O marco é o ano de 1978, com a assinatura do primeiro Acordo Comercial sobre produtos primários como algodão, açúcar e farelo de soja, os quais figuraram entre os mais exportados para China naquele momento (50% do total). O interesse da China, sob o comando de Deng Xiaoping, era o desenvolvimento econômico. Por isso, nesse período, a China introduz “um programa de reforma da economia que aos poucos mudaria o funcionamento da estrutura econômica do país. Primeiramente, suas reformas

161 Id, p. 03

162 Id, p.04

163 KISSINGER, Henry. Sobre a China; Tradução Cássio de Arantes Leite. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 164 KISSINGER, Henry. Sobre a China; Tradução Cássio de Arantes Leite. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p.

focaram o setor agrícola”165. Este militante acabou por dar sequência aos investimentos que Mao tinha feito no setor da agricultura. Na visão de SYDOW, “os produtos rurais assumiram o compromisso de produzir entre outros produtos, trigo, soja, algodão, leite, carne, hortifrutigranjeiro e aves. Estimulados pela possibilidade de obter maiores lucros, acabaram por elevar a produção que, no fim da década de oitenta havia triplicado”166.

O ano de 1980 marca definitivamente a ascensão da China perante as grandes potências. Nesta década “a euforia da abertura original seguira seu rumo; as pungentes preocupações da Guerra Fria do passado recente estavam sendo superadas. As relações sino- americanas assentaram nesse tipo de interações que as grandes potências têm uma com a outra mais ou menos rotineiramente, com altos e baixos”167.

Todas essas mudanças serviram para que o Brasil e a China, nesta década, começassem a explorar outras formas de cooperação em Pesquisa Agropecuária, com vistas à aquisição e dominação de novas tecnologias, em especial, as voltadas para a agricultura: Cooperação em Pesquisa Agropecuária Brasil-China:

Em 1982 foi assinado o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica; 1984, o Protocolo de Cooperação Científica e Tecnológica; 1984, o Ajuste Complementar aos Acordos de Cooperação Científica e Tecnológica; 1995, o primeiro Memorando de Entendimento entre os Ministérios da Agricultura dos dois países; 1996, o Acordo sobre Quarentena Vegetal, seguido do Acordo de Quarentena e Saúde Animal; 1995, o Memorando entre os Ministérios que deu início às visitas de delegações chinesas à Embrapa.

Na década seguinte, os acordos se ampliaram: em 2001 e 2002, a Realização da

Trade Fair Brasil-China, em Shangai, com participação da Embrapa e MAPA; 2003, o

Memorando entre a Embrapa e a Chinese Academy of Agricultural Sciences (CAAS) e o Projeto de Cooperação Técnica em Pesquisa com a Embrapa; no mesmo ano, o Protocolo de Cooperação Técnica com a Província de Tianjin em arroz; 2004, o Intercâmbio de germoplasma; 2004, o Projeto de Cooperação Técnica em Recursos Genéticos Vegetais e Biologia Avançada; 2005, a Reunião Sino-Brasileiro de Cooperação Agrícola, com assinatura do Memorando; 2005, o Memorando de Entendimento entre a Embrapa e a Universidade de Logyan (pesquisa cogumelos); 2006, o Memorando Embrapa e China National Rice Reserch

Institute; 2007, o Protocolo de Acordo de Cooperação a Longo Prazo em Pesquisa com

Algodão; 2008, a Visita da Embrapa para identificação de oportunidade de implantação de

165 KISSINGER, Id

166 SYDOW apud MARQUES. Eliana. O milagre econômico da China: paralelo entre o crescimento brasileiro e

chinês. – São Paulo: Saint Paul Editora, 2009, p. 51

uma unidade do Labex no continente asiático; 2009, Plano de Trabalho nas áreas de Bioenergia e Biocombustíveis, Anotecnologia e Ciências Agrárias; em 2010, a finalização do Memorando de Entendimento que estabelece as bases para a implantação do Laboratório Virtual da Embrapa na China (Labex China); Em 2011, há assinatura dos três Memorandos de Entendimento com três Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento da China168.

A admissão da China pela Organização Mundial do Comércio, em 2001, dilatou o mercado de importação e exportação; desde então, em termos econômicos, o Brasil vem se destacando no cenário internacional. Na concepção de PRIMO, o Brasil se constituiu “a sétima maior economia do mundo em 2010, com perspectiva de se tornar a quinta maior em 2025, de acordos com estimativas de consultorias internacionais”169. O destaque é o setor do

agronegócio. Na discussão em tela, tem como destaque da exportação para a China, a soja.

Este país se tornou o “maior consumidor mundial de soja” 170.

Em 2003, o Brasil apresentou à China uma proposta no sentido de formar uma comissão para estudar estratégias de parceria na área do Agronegócio, já que a China, embora tenha uma grande extensão territorial, “dispõe de uma parcela relativamente pequena de terras agricultáveis [...], pois sua geografia é marcada por cadeias de montanhas e vastos desertos. Já o Brasil, além de contar com a melhor e mais eficiente agricultura tropical do mundo, ainda dispõe de milhões de hectares a serem explorados”171.

Observa-se a vantagem que o Brasil apresenta sobre a China, calcada nos recursos naturais que possibilitam, como afirma FRISCHTAK, “estabelece uma plataforma única em

agricultura (grifo nosso), energia, mineração e serviços ambientais”172. Apesar dos estudos demonstrarem que a China caminha cada vez mais a se constituir a primeira economia mundial; o Brasil vem se posicionando no sentido de demonstrar que a sua força reside nos seus recursos energéticos e naturais. Na concepção desse autor, “o Brasil é uma potência

agrícola (grifo nosso), energética, mineral e ambiental, propiciada pela dimensão territorial,

insolação, oferta de fontes de energias renováveis”173. No aspecto sinalizado, vale mencionar,

168

MONTE, Demares de Castro. Cooperação em Pesquisa Agropecuária Brasil-China: Oportunidades e Desafios. In: Brasil e China no Reordenamento das Relações Internacionais: Desafios e Oportunidades, 2011

169 PRIMO, Adilson A. Competitividade, ambiente dos negócios e inovação no Brasil. Coordenador João Paulo

dos Reis Velloso; Edmundo S. Phelps [et al]. – Rio de Janeiro: José Olympio: INAE, 2011, p.61

170 TACHINARDI, Maria Helena. Op Cit, p.02 (grifo nosso)

171 ECONOMIA DO BRASIL. Acordos e Alianças: a China. Disponível em:

www.economibr.com.br/Eco?Eco_acordos_china.htm. Acesso: 05/09/2014.

172 FRISCHTAK, Cláudio R. China e Brasil: singularidade e reação. Coordenador João Paulo dos Reis

Velloso; Edmundo S. Phelps [et al]. – Rio de Janeiro: José Olympio: INAE, 2011 p.70

que a soja responde, atualmente, por quase metade das exportações brasileira à China. O Brasil exporta para a China anualmente por volta de 30 mt de soja.

A corrente de comércio do agronegócio entre Brasil e China vem apresentando expressivo crescimento nos últimos anos. Enquanto o volume comercializado em 2008 foi da ordem de US$ 9 bilhões, em 2011 o comércio bilateral relativo ao agronegócio ultrapassou os US$ 18 bilhões, um crescimento de 107% em relação a 2008. A representatividade do agronegócio no comércio entre Brasil e China é crescente. Enquanto em 2008 perfazia 24% do volume total comercializado entre os países, nos primeiros seis meses de 2012, o peso do agronegócio na corrente de comércio foi de 31% do total (e 51% da pauta de exportações do Brasil para a China)174.

O exemplo do crescimento de comércio do agronegócio entre o Brasil e a China é o da região Oeste da Bahia, localizada a 947 km de Salvador e 540 km de Brasília que apresenta um pujante crescimento econômico resultado do seu agronegócio, que começou a se intensificar a partir da década de oitenta, principalmente com o segmento produtor de grãos (discussão ampliada no IV capítulo). A região Oeste da Bahia é apenas um dos exemplos. O cultivo de soja, no Brasil, desenvolve-se em abundância nas regiões do centro-Oeste e Sul do país.

De acordo com a Superintendência de Política do Agronegócio (SEAGRI) “O Oeste da Bahia, até a década de 70, caracterizava-se por um modelo de agricultura de subsistência [...]. A partir da década de 80, com a implantação e expansão da sojicultura, a região ganha uma nova dinâmica de desenvolvimento”175.

Assim, o Oeste Baiano é uma das regiões que mais cresce economicamente no Brasil, de maneira que se tem no agronegócio o suporte do seu desenvolvimento. Hoje, a cadeia do agronegócio na região é altamente explorada com grãos e demais produtos. A região já é um grande pólo exportador de grãos, de maneira que mais de 50% da sua produção se destina ao mercado internacional.

A entrada da China como mercado importador de grãos, acabou por impulsionar ainda mais a produção na região.

A China é o principal destino de produtos como: óleo de soja, óleo de amendoim, algodão, pasta de madeira e celulose. No entanto, deve-se salientar que as vendas de soja para a China já superaram as vendas de soja para o resto do mundo. Enquanto,

174 FRISCHTAK, Cláudio e SOARES, André. Carta Brasil-China: Especial agronegócio Brasil- China. A relação comercial entre Brasil e China no agronegócio - 6ª Edição. 2012. Disponível em: www.cebc.org.br Disponível em: 07/2012, p.04

175 SECRETARIA DA AGRICULTURA E IRRIGAÇÃO- SEAGRI. Superintendência de Política do

em 2008, 48,6% do total da soja exportada pelo Brasil foi para a China, em 2011, a participação chinesa nas vendas de soja cresceu para 67,1%. Pode-se evidentemente questionar a elevada concentração das exportações de soja para um único mercado, porém, é provável que este padrão se acentue nos próximos anos, na medida em que se eleva o nível de vida e a demanda de alimentos da população chinesa176.

A China, apesar de se constituir como produtor de soja, não há produção suficiente para abastecer o seu consumo interno. Segundo SHIN, esse consumo aumentado muito devido crescimento da renda da população177. Por isso, as importações de grãos, em especial, de soja, atendem mais da metade do consumo chinês. A China é considerado o mercado promissor da atualidade, mesmo estando atrás dos três maiores produtores mundiais de soja: Estados Unidos, Brasil e Argentina.