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CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA AO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

CAPÍTULO 3 A INSERÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA AO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

A agricultura é a prática de subsistência mais antiga da humanidade. Pode-se reportar a sua origem à transição da sociedade primitiva, que pela escassez de alimentos naturais e pela necessidade de manterem-se vivos, perceberam que alguns alimentos poderiam ser cultivados para consumo próprio. No Brasil, a agricultura emerge, também, da necessidade

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Disponível em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/OMC.GATT/Anexo_1A-Acordo_sobre_agricultura. Acesso: 25/11/2014

de subsistência, sobretudo, pelos nativos indígenas que praticavam a agricultura para seu próprio consumo, fora da propriedade. Nesse sentido,

Suas origens podem remontar- como de fato remontam – aos primórdios do período colonial, mas o seu desenvolvimento endógeno e auto-sustentado só teve início depois da materialização das duas pré-condições que acabaram de ser mencionadas194.

A agricultura como atividade econômica permanente no Brasil é considerada bastante atual. Para essa compreensão, basta uma análise acerca do processo de colonização do Brasil. A verdadeira intenção dos colonizadores era, tão somente, a apropriação das terras por meio da utilização de mão de obra escrava. Buscava-se “extrair o máximo tanto da natureza como dos que trabalhavam para eles no menor tempo necessário”195, mediante a escravização, inicialmente dos nativos indígenas e, a posteriori, dos negros africanos importados para essa atividade.

No entendimento de SZMRECSÁNYI, as lavouras instaladas no Brasil apresentaram por muito tempo um modo essencialmente nômade e extrativista. A organização social do Brasil Colônia foi marcada por uma tríade, qual seja: a grande propriedade fundiária, a monocultura de exportação e o trabalho escravo. Foi com base nesta tríade que se assentaram todas as atividades econômicas do período colonial.

A exemplo da produção da cana-de-açúcar, que perdurou até o século XVIII, considerada como a primeira produção em grande escala, no nordeste brasileiro e, consequentemente, o carro-chefe da agricultura. Até aquele momento, a agricultura no Brasil tinha um caráter eminentemente extrativista, com técnicas de cultivo totalmente primitivas; o que comprometia o solo e, consequentemente, a própria produção.

Assim, a agricultura no Brasil só passou a existir como setor econômico diferenciado e autônomo a partir da independência política do Brasil, em 1822, quando o país, na condição de Império, elevou sua economia primário-exportadora; apesar da permanência da lavoura, através da mão de obra escrava; resquício da organização social do período colonial e do refluxo da mineração de ouro, que se constituía atividade em decadência.

Neste contexto, observa-se que a Independência trouxe “de um lado, a criação das condições institucionais requeridas para a formação de uma economia nacional e, de outro, a

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SZMRECSÁNYI, Tamás. Pequena História da Agricultura no Brasil. – São Paulo: Contexto.- 1998, p.11.

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internalização dos mecanismos decisórios e do sistema de poder”196. Poder este que pode ser explicado a partir do poder instrumental hobbesiano, que é aquele criado para adquirir poder, mediante poderes naturais. “Nesse sentido hobbesiano, o poder seria definido como uma soma de instrumentos197 que, tomados individualmente, construiriam poderes em si mesmos, com o objetivo de realizar a finalidade do poder, ou seja, alcançar um bem futuro”198. O bem futuro, naquele momento era, essencialmente, a consolidação da economia a partir de uma nova cultura de exportação. A exemplo da cultura do café, século XVIII e início do século XIX, cujo produto se constituiu a força motriz da economia brasileira.

Entretanto, no início de 1902 observou-se uma estagnação da economia, decorrente da queda de preço do café. Nesse momento, o Brasil havia produzido mais de 16 milhões de sacas de café, enquanto o consumo mundial tinha chegado, apenas, em 15 milhões, fazendo com que o preço do produto, que já estava em queda, chegasse a 33 francos (bem menos que os 102 francos de 1885)199. Mesmo diante da queda dos preços do café, a alternativa foi a expansão da produção e da exportação, utilizando-se, da mesma forma, a exploração do trabalho escravo. Situação perdurada até a abolição da escravatura.

Diante dessa nova realidade, há um crescimento significativo, principalmente, no sudeste do país, de mão-de-obra livre advinda da Europa, “cuja remuneração se vinculava parcialmente à produtividade alcançada na cultura”200. Oliveira acrescenta, afirmando que o “trabalho livre, nesse caso, definia qualitativamente uma nova relação entre fazendeiro e o trabalhador [...] [mas, essa relação] (grifo nosso) visava preservar e ampliar a economia historicamente voltada para exportação de mercadorias tropicais (café) para a Europa Capitalista”201. Apesar do termômetro da economia se constituir por meio da exportação do café; nesse período histórico, outras culturas já marcavam a economia nacional. Ressalta-se o cacau, que na metade do século XIX, passou a ser cultivada, definitivamente, no sul da Bahia; cultura até então cultivada na floresta amazônica até o ciclo da borracha.

A fim de estimular ainda mais a agricultura nacional, a medida intensificada após a Independência, foi o decreto, em 1808, “da Abertura dos Portos e da liberdade de cultivar

196 op.cit, p.18

197 Riqueza, reputação, amizade, ação de Deus (sorte) 198

BARETTO, Vicente de Paulo. As máscaras do poder. Rio Grande do Sul: Editora UNISINOS, 2012, p.26.

199 FARIA,Carolina. Agricultura brasileira. Disponível em: www.infoescola.com. Acesso em: 25/09/2014 200 SZMRECSÁNYI, Tamás, op.cit, p.25.

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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo Capitalista de produção e Agricultura. 4ª edição. – São Paulo: Ed. Ática.- 1995, p.39-40.

especiarias e outros produtos”202. O que deu ensejo ao primeiro curso de agricultura do Brasil em 1812.

Nessa linha de raciocínio, destaque-se que

[…] quinze anos mais tarde, atividades correlatas começaram a ser desenvolvidas, como apoio governamental, pela Secretaria de Auxilio da Industria Nacional [...], sediada no Rio de Janeiro. Datam dessa época a introdução no Brasil das culturas de chá, de cravo-da-índia e de outras especiarias. As maiores mudanças, entretanto, só iriam ocorrer na segunda metade do século XIX, incluindo-se entre as mesmas a criação, em 1860, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, mais tarde transformada no Ministério203.

Inicialmente, a participação desses órgãos para com a agricultura, se limitava à distribuição de sementes, mudas, introdução de novas variedades de plantas, importações de máquinas, equipamentos, implantação de novas técnicas de procedimento e, posteriormente, às pesquisas e assistências técnicas. Apesar de se demonstrar a importância que se dava à agricultura, desde a época supracitada, a sua expansão só se constituiu a partir da implantação e consolidação do setor urbano/industrial. Com o desenvolvimento industrial e, consequentemente, com o crescimento das cidades, a agricultura foi se transformando e adaptando-se.

Até o final da década de vinte, a economia brasileira era predominantemente rural, a partir de 1930, subsequente à crise, ela foi se transformando para uma economia urbana e industrial, apesar da industrialização e da urbanização não surgirem nesse período. De acordo com Marx, “Na esfera da agricultura, a grande indústria atua de modo revolucionário à medida que aniquila o baluarte da velha sociedade, o ‘camponês’, substituindo-o pelo trabalhador assalariado [...]. No lugar da produção mais rotineira e irracional, surge a aplicação consciente, tecnológica da ciência”204. Apesar de o momento demonstrar a união entre agricultura e indústria, Marx chama atenção, no sentido de explicar que o desenvolvimento dessa combinação – agricultura e indústria – carece da combinação entre a técnica e o processo de produção social, que se dar entre a terra e o trabalhador.

Com a evolução do capitalismo no Brasil, ao longo do século XX, marcado pelo processo de industrialização, a produção das economias capitalistas, predominantemente,

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Id., 25

203 SZMRECSÁNYI Tamás. op.cit., p.23.

204 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política (apresentação de Jacob Gorender , coordenação e

revisão de Paul Singer; tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe), 2ª Ed., São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 101 (Os economistas)

urbanas e industriais, passou a se destinar ao mercado interno, mediadas por agentes e instituições, marcando, assim, a emersão da agroindústria. Na visão de SZMRECSÁNYI,

Isto significa que a maior parte, se não a totalidade, da produção dos produtores e dos estabelecimentos agropecuários individuais é constituída [...] de mercadorias que são vendidas a terceiros, ou entregues seja ao proprietário da terra, seja ao comerciante ou ao industrial ao qual o produtor e/ou estabelecimento se acha subordinado. [...] tais vendas ou entregas são essenciais para garantir a subsistência dos produtores agrícolas.205

É notório que na agroindústria, modernamente, agronegócio, sempre houve a necessidade de uma relação dialética, em que produtores e consumidores se constituíram peças essenciais para a manutenção da atividade agrícola. Denominado no item posterior, do caráter sistêmico do agronegócio, cuja interação se constitui desde o plantio à entrega final do produto.

A integração funcional entre a agricultura e a indústria, na economia brasileira, se consolidou entre a década de trinta a setenta. Sobretudo na década de setenta, com a promoção da modernização da agricultura, pelo regime militar. Período de grande expansão da fronteira206 agrícola aliada à tecnificação do trabalho. Nesse ínterim, a produtividade encontrava-se dependente, cada vez mais, da força de trabalho e de meios de produção. O uso desses meios foi determinante para a expansão da agricultura brasileira; no entanto, apenas pelas culturas207 de exportação, o que deixou o mercado interno desabastecido.

Para PAULILLO, “muitos acreditavam que a geração de divisas possibilitaria a aquisição via importação dos alimentos básicos à população do País”208. Contudo, o que se observou foi um processo de crescimento unilateral, em que, apenas os grandes proprietários de terras, que praticavam a monocultura de exportação e as empresas de comercialização agrícola, se beneficiaram. Essa realidade acabou por agravar ainda mais a situação econômica e social da população brasileira, sobretudo, a parcela da população criada pelo processo de urbanização.

Na década de oitenta surgiram novos estudos sobre o desenvolvimento da agricultura brasileira. Se as décadas anteriores são marcadas pela modernização da agricultura; a de 1980 é marcada pelo crescimento no setor de serviços decorrente da integração agricultura-

205 SZMRECSÁNYI,Tamás. Op.cit., p.59 206

Naquele período, principlamente, Amazônia e o Centro-Oeste

207 Café e soja

208 PAULILLO, Luiz Fernando. Sobre o desenvolvimento da agricultura brasileira: concepções clássicas e

recentes. [Coord] BATALHA, Mário Otávio. Gestão Agroindustrial.- 3ª ed. – 7.reimpr. – São Paulo: Atlas, 2013, p.736.

indústria. O que origina o Complexo Agroindustrial (CAI), expressão criada por Graziano da Silva (1991); Kageyama et al (l990); Muller (1981 e 1982) e outros. No entendimento de Graziano da Silva,

Esse processo foi profundamente desigual, [...] até mesmo parcial; seja por região, produto, tipo de lavoura, tipo de cultura, tipo de produtor, principalmente; ou seja, aqueles produtores menos favorecidos tiveram menos acesso às facilidades de crédito, aquisição de insumos, máquinas, equipamentos etc. e apresentavam graus de menor evolução, especialmente, da sua produtividade. [...] Uma segunda característica desse processo é que ele foi profundamente excludente,[...]. Ele atingiu uns poucos e fez com que alguns poucos chegassem ao final do processo.209

Diante da constituição dos complexos agroindustriais, percebe-se que o desenvolvimento da agricultura se deu pela transformação do complexo rural em complexos agroindustriais, limitando-se ao aprofundamento da integração agrária, comercial, industrial e financeiro por, apenas, produtores já favorecidos pelo processo.

Mas, foi a partir da década de noventa, que a agricultura se inseriu em um novo processo; o de reestruturação globalizada, decorrente do boom das exportações dos produtos agrícolas e agroindustriais. Desde então, há a consolidação da transnacionalização da agricultura brasileira, permeada pelo agronegócio, mais marcadamente, nos anos 2000. A transnacionalização se configura por meio de instrumentos concretos da negociação coletiva transnacional, em que são celebrados acordos globais, também chamados de acordos marco internacionais, ou, ainda, contratos coletivos globais. Segundo definição da OIT, esses são instrumentos de negociação entre uma empresa transnacional e uma Federação de Sindicatos Internacionais, que tem por objetivo estabelecer uma relação contínua entre as partes e garantir que a empresa respeite os mesmos padrões sociais em todos os países onde atua. “No âmbito externo, as contínuas transformações ocorridas na sociedade levaram à expansão de transações sociais e econômicas, que ultrapassaram as fronteiras nacionais, surgindo, a partir de então, a necessidade de ordenamentos públicos globais, que se mostrassem capazes de disciplinar as novas relações transfronteiriças”210.

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SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. Ed. Brasiliense. 1994, p.138

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