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CAPÍTULO 2 – A INSERÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA DA CHINA

2.2 A INTEGRAÇÃO REGIONAL ASIÁTICA

2.2.1 O papel da China no processo de Integração Regional

Como se disse oportunamente, a Integração Regional é uma expressão bastante nova para o mundo asiático, iniciando-se apenas, com pouca aplicabilidade, a partir da década de 1960, como resultado de acordos políticos entre Estados vizinhos, cujo objetivo era a obtenção de desenvolvimento para a região, em especial nas áreas de cultura, saúde, meio ambiente e economia. Uma das primeiras iniciativas de assegurar a estabilidade política e promover o desenvolvimento regional foi a criação da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) , em 08 de agosto de 1967, guiada pela Tailândia e composta, inicialmente, por cinco países111 asiáticos, os quais apresentavam pouca notoriedade política e econômica.

O interesse desse bloco era o de proteger seus territórios das grandes potências, bem como, o de criar uma união econômica que viabilizasse a circulação de bens, serviços e capital. Inicialmente, os países que fazem parte da ASEAN “evitaram desenvolver um determinado modelo integracionalista e, na verdade, deixaram de lado o uso do termo ‘integração econômica’, substituindo-o somente por cooperação, não importa se esta seja política, econômica ou funcional”112.

A ASEAN buscou de forma específica, a promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural da região, por meio de programas de cooperação, garantindo, assim, a sua estabilidade política e econômica. Em 1977, a ASEAN apresentou a primeira tentativa de integração econômica com o Acordo de Preferências Comerciais, se muito êxito, pois os produtos que obtinham tratamento preferencial, não tinham importância nas importações para os demais países. Em 1980, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial pressionam a ASEAN para maior abertura comercial. Mas, somente em 1992, a fim de obter a integração econômica dos países-membros da ASEAN, foi proposta a Asean Free Trade Area

111 Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia. Hoje, mais cinco países foram incorporados ao bloco:

Vietnã, Laos, Camboja, Brunei e Myanmar.

112 BIJOS, Leila Maria Da’Juda. Análise do Modelo de Integração do Leste Asiático. ETFG – Vol. 5 nº 4 –

(Afta), cujo objetivo era reduzir a tarifa nas importações. A proposta apresentava um caráter prospectivo de eliminação até 2010 para a ASEAN6113 e para a ASEAN-CLVM114, até 2015.

A partir de 2003, a ASEAN115 procurou expandir as negociações, acelerando o livre comércio. Segundo BALASSA “numa área de livre comércio as tarifas e restrições quantitativas entre os países participantes são eliminadas, entretanto cada país mantém suas próprias tarifas contra os não membros”116. Das trinta maiores economias do mundo, no ano de dois mil, apenas o Japão, China, Coréia do Sul, Taiwan e Hong Kong não participavam de nenhuma área de comércio e sequer, tinham estabelecidos acordos dentro desta perspectiva117.

Neste contexto, registra-se um dos mais importantes acontecimentos para o sistema multilateral do comércio: a admissão da China pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Esta, “colaborou para o processo de integração desse país à economia mundial, e demonstrou sua perseverança em converter-se em um país de economia de mercado”118 . O primeiro empreendimento da China, antes mesmo de entrar no cenário mundial foi a mudança de mentalidade. Buscou se emancipar social, cultural, econômico e politicamente:

A sua autoconsciência possibilitou que aprendesse até com países que durante muito tempo tinham sido considerados inimigos ou com visões ideológicas totalmente contrárias. A China estendeu as mãos e mudou de seu isolamento para tornar-se parte do tecido econômico, político e cultural do mundo. [...]. Desde 1978, o país tem-se envolvido em muitas atividades, para acompanhar o passo do mundo119. A partir de então, evidencia-se um processo de crescimento e desenvolvimento da China, o qual se constitui tema de grande notoriedade no mercado mundial, sobretudo, quando ela ressurge das constantes crises que a assolavam, e assume papel de liderança no contexto do regionalismo asiático. Neste interim, a China propôs uma

área de livre comércio – ASEAN-China – que foi, preliminarmente , endossada pelos líderes dos países da ASEAN em 2001. [...]. Em 2002, a China e a ASEAN assinaram um acordo geral de cooperação econômica, abrangendo intenção não

113 Refere-se aos conjunto dos países Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia Tailândia e Brunei 114 Camboja, Laos, Miamar e Vietnã

115 Hoje, o bloco representa um mercado de 527,9 milhões de pessoas e um PIB de US$ 888,3 bilhões, com

exportações da ordem de US$ 293,1 bilhões e importações alcançando os US$ 257,9 bilhões. (Disponível em:

www.aseansec.gov: Acesso: 16/09/2014)

116 BALASSA apud MIYASAKI, Sílvio , 2005, p. 129 117MIYASAKI, Silvio. op cit, 2005

118CHRISZT, Michael. O Crescimento Econômico da China. Disponível em:

www.frbatlanta.org/pubs/econsouth. Acesso: 05/09/2014, p.03

119 NAISBITT, John. China Megatendências: os oito pilares de uma nova sociedade. [tradução Celso Roberto

somente de cooperação, mas também de investimentos diretos e desenvolvimento econômico120.

No início dessa década, o País buscou controlar uma das maiores inflações “implementando controles de capital e um programa de austeridade fiscal que foi mais tarde considerado responsável por poupar a China dos piores efeitos da crise financeira asiática em 1997-1998” 121.

A China era uma grande nação unilateral que buscou, depois de séculos de humilhação e derrotas pós Guerra Fria, construir uma ordem multipolar. No contexto atual, pode-se afirmar que a China foi uma grande potência regional que se transformou em global.

É nesse âmbito que se verificou a notória reação da China, peculiarmente daqueles que se encontravam no limiar dos discursos governamentais, no sentido de movimentar de forma coletiva os recursos regionais, bem como, de minimizar efeitos de crises futuras. A partir dessa reação tornou-se evidente a mudança do regionalismo asiático, demonstrando, assim um país cada vez mais independente de usas próprias soluções, constituindo uma fonte para outras economias, principalmente, as em crise.

Tal mudança estava embasada na filosofia política interna chinesa, a partir das reflexões de Jiang, que buscou ampliar, dentro das primeiras reformas de Deng, a concepção de comunismo, de maneira a estender a representatividade dos interesses de seus inimigos ideológicos, democratizando o governo interno comunista. Apesar da China ter incorporado, a partir da expansão, práticas capitalistas, manteve no poder seus ideários comunistas.

Diante do regionalismo asiático, três mudanças ocorreram:

Em primeiro lugar, no final dos anos 90, a maioria avassaladora dos elos que ligavam a Ásia era de natureza econômica, mas do que política, e era fortemente dominada por empresas sediadas no Japão. Em segundo lugar, as poucas instituições formais que existiam, além e acima desses elos econômicos e corporativos, a mais notável das quais a Associação das Nações do Sudoeste da Ásia (ASEAN), o Fórum econômico da Ásia do Pacífico (APEC) e o Fórum Regional da ASEAN (ARF), estavam tenuemente institucionalizados e desempenhavam papéis limitados na ligação dos vários estados entre si. Em terceiro lugar, os laços regionais da Ásia estavam longe de ser asiáticos.122

A frase “os laços regionais da Ásia estavam longe de ser asiáticos” expõe as incabíveis interpretações da época no entanto, vale mencionar que as relações asiáticas voltavam-se

120 MIYAZAKI. Id, 2005,p. 113 121 KISSINGER, Henry. Id, p.460-461

122PEMPEL, T. J. A China e o Emergente Regionalismo Asiático. In: III Conferência Nacional de Política

Externa e Política Internacional – III CNPEPI “ O Brasil no mundo que vem aí”. Seminário: China – Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2008, p.268

diretamente aos países importantes, do outro lado do Pacífico. Em especial, os Estados Unidos, lugar onde a China cada vez mais investia suas reservas cambiais em títulos do Tesouro norte-americano, assumindo, dessa forma, um novo papel no cenário mundial.

No contexto atual, o regionalismo asiático demonstra cada vez mais um aspecto governamental, político e econômico, voltado aos interesses nacionais, comprovando um caráter Chinacêntrico. No entendimento de NOGUEIRA, o regionalismo asiático passou por dois períodos distintos, os quais impulsionaram o processo de consolidação:

na virada da década de 1980 para a de 1990, quando os desapontamentos com os mecanismos multilaterais do comércio- paralisados por conta da relutância dos países desenvolvidos em liberalizar a agricultura e abrir o setor têxtil – e o impulso na formação ou fortalecimento de outros blocos de cooperação econômica [...] já na segunda metade da década de 1990, além novamente dos impasses nas rodadas multilaterais de negociação [...] , a crise asiática (1997-98) transformou-se num dos maiores propulsores do regionalismo da região.123

Inicialmente, a preocupação dos líderes políticos asiáticos estava voltada apenas para os problemas internos e para o mercado doméstico. Com a crise asiática, no final da década de 1990, a APEC124(Cooperação Econômica da Ásia–Pacífico), que tinha como meta a aproximação dos países asiáticos aos do banhados pelo Pacífico, perdeu sua credibilidade decorrente da expansão de membros, o resultou em dificultades no progresso da liberalização comercial. “A crise deixou evidente o despreparo da APEC para lidar com crises financeiras e desafios da coordenação produtiva e monetária, bem como a fraqueza da ASEAN, formada apenas por países sem expressão política ou econômica” 125 .

Diante deste fato, iniciam-se os primeiros acordos bilaterais regionais entre os países do leste asiático, em especial com aqueles detentores do poder. Nesse contexto, surge a ASEAN + 3; conhecida como processo de integração entre a ASEAN, Japão, China e Coréia do Sul. A ASEAN +3126foi criada em resposta à crise financeira asiática de 1997, iniciada na

123 NOGUEIRA, Isabela. A Política Regional da China e os Processos de Integração na Ásia. In: III Conferência

Nacional de Política Externa e Política Internacional – III CNPEPI “ O Brasil no mundo que vem aí”. Seminário: China – Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2008, p.290

124 Países que fazem parte da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico:

- Estados Unidos da América, Japão, China, Rússia, Peru,

- Formosa (também conhecida como Taiwan), Coréia do Sul, Hong Kong (região administrativa especial da China), Cingapura, Vietnã, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova Zelândia, Papua, Nova Guiné, Canadá, México e Chile

125 NOGUEIRA, Isabela. Id, p.312

126os países ASEAN+3 acordaram em maio de 2000, na cidade tailandesa de Chang Mai, a constituição de

acordos bilaterais de crédito cambial recíproco (bilateral currency swap arrangements) que, fora das condicionalidades impostas pelo Fundo Monetário Internacional, fomentasse a estabilidade financeira na região, mas desta vez por asiáticos e para asiáticos. O acordo foi aprofundado em 2010 com a criação de um fundo multilateral de reservas cambiais de 120 mil milhões de dólares, alargado dois anos depois, em maio de 2012, em

Tailândia e tinha como meta primordial a formação de uma zona de livre comércio no leste asiático, de maneira a acelerar o intercâmbio comercial através de acordos, e revitalizar as economias, evitando assim, novas crises. O protocolo de intenções de uma área de livre- comércio Asean-China, proposta pela China foi assinado em novembro de 2002. “Nesse acordo, houve a concordância em estabelecer uma área de livre-comércio entre a Asean6 e a China até 2010, com tratamento especial e diferenciado, e com flexibilidade aos membros mais recentes da Asean de forma a ser implantado o livre-comércio entre China e a Asean- CLMV em 2015”.127

Este processo contribuiu sobremaneira, para o crescimento econômico e modernização da China. Durante esse período “o comércio chinês com países vizinhos era florescente e desempenhava um papel econômico regional cada vez mais central” 128. Apesar de o Leste Asiático ser o foco de interesses das grandes potências mundiais.

Isto porque, a “ASEAN foi criada com base no princípio defensivo, uma vez que buscava, por meio do agrupamento de pequenas nações no sudeste asiático, ganhar algum peso político que evitasse disputas entre as grandes potências (Estados Unidos, União Soviética e China)” 129. Talvez este tenha sido um dos motivos de fraqueza da ASEAN durante a crise financeira asiática. Dentre outros princípios que fundamentam o regionalismo asiático, destaca-se o da não-intervenção em questões internas, evidenciado principalmente a partir da criação da área de livre comércio com a China.

Há um duplo interesse da China quanto à criação de uma área do livre comércio com os países do sudeste asiático: o aumento da sua influência política na região e a garantia de suprimentos de matérias-primas, bens agrícolas e componentes para industrialização. Tais interesses demonstram claramente que o objetivo da China é garantir a liderança regional, utilizando da sua influência econômica.

No entanto, os interesses da China nem sempre coadunaram com os dos outros países que compõem a ASEAN +3, principalmente no que se refere à abertura do setor agrícola por parte do Japão e Coréia do Sul. Enquanto o Japão se preparava para criar o Fundo Monetário Asiático; a China caminhava para desenvolver seus interesses econômicos. A disputa pelo

Manila, para 240 mil milhões. (A integração regional da Ásia. 2013. www.oretornodaasia.wordpress.com. Acesso em: 25/09/2014.

127 MIYAZAKI, Silvio Yoshiro Mizuguchi . Associação das Nações do Sudoeste Asiático. Org: MIYAZAKI,

Silvio Yoshiro Mizuguchi e SANTOS, Antônio Carlos Alves dos. Integração Econômica Regional. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013

128 KISSINGER, Henry. Id, p.460 129 NOGUEIRA, Isabela. Op cit, p.293

exercício de poder por esses dois países, dentro do bloco, afetou a sustentabilidade da ASEAN +3.

Mesmo assim, a ASEAN encampou propostas a fim de estreitar as relações comerciais e econômicas tanto interna quanto externamente. Como exemplo, a relação estabelecida entre ela e o Nordeste Asiático, através da iniciativa de Chiang Mai, que propunha a expansão da integração monetária da Ásia. Desde então, criou-se o procedimento de troca bilateral, em que geraria “uma rede de empréstimos para fornecer moeda na quantidade necessária em eventuais crises futuras” 130 .

Importante mencionar, no bojo dessas negociações, a criação da ARF131 (ASEAN Regional Fórum) pela ASEAN, em 1996, como foro de discussão multilateral acerca de questões políticas e de segurança. Essa era o foco da preocupação dos países asiáticos: a história de disputas territoriais. Os “laços políticos e de segurança da China com a ASEAN avançaram mais rapidamente por outras vias regionalistas que não o ARF, em especial por meio de diálogos na ASEAN + 3, um foro essencialmente econômico”132; como na cúpula entre China, Japão e Coréia sediada em Fukuoka- Japão, no dia 13 de dezembro de 2008, momento em que os três países responderam juntos por 75 % da economia da Ásia Oriental.

2.3 MOMENTO EM QUE A CHINA MUDOU: A OMC E SEUS REFLEXOS NA