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agrupamento de pessoas que, munidas de mantimentos, bagagens etc.

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 54-62)

Trêm bão é ser mineiro ua

1 agrupamento de pessoas que, munidas de mantimentos, bagagens etc.

acompanham outra(s) em jornadas ger. longas; comitiva, séquito, caravana..

O sent ido de com panhia e de agrupam ent o refere- se, contudo, som ente a espaços, o do grupo social ocupando a posição de englobante ( cidade, m undo) e o do quarto do doent e, com o englobado, delim it ado, com o a im pedir um encont ro com a m ort e, razão por que o prim eiro espaço pode ser dit o bão, m as com a condição im portant e de ser m ineiro

...uai..

Pois bem . Com o ele não sabia da m ort e próxim a, a m uié dele é que não era louca de chegar nos seus ouvidos de m oribundo e lascar: Óia, bem . Ocê hoj e num passa da m eia- noit e . O que ela fazia, e isso j unt o com a fiarada t oda, era chorar nos cant os da casa, escondida.

O grupo social do espaço englobant e tem o saber cognitivo da im inência da m ort e, o englobado não, está delim itado cognitivam ente. Apesar de conhecerem a configuração cognit iva da m ort e, do tem po e espaço de sua ocorrência, cont raditoriam ente, os grupos, fam iliar e social, não querem saber de sua realidade pat êm ica, visto que t odos procuram isolar- se, os am igos no consolo da reunião no velório, e a fam ília, no choro nos cantos da casa, escondida.

47 um a seqüência narrat iva m ais ou m enos crist alizada, relat ivam ent e fechada em si m esm a, parcialm ent e aut ônom a, reconhecível pela est abilidade de sua est rut ura e pela variabilidade das m anifest ações figurativas que ela possibilita.

O m otivo, raiz da paixão, é que leva o suj eito à ação e sustent a todas as m anipulações necessárias para o sucesso dessa ação. Com ent a Font anille ( 1998: 207) ,

A paixão poderia, nessa perspect iva, ser considerada o princípio da coerência ( ou da incoerência) int erna do sujeit o: ela dissocia ou ela m obiliza, ela seleciona um papel e suspende t odos os out ros, ela conjuga os papéis em torno de um único et c.

O m otivo, eixo paradigm ático e arquetípico, dest e causo é a eufem ização do percurso m ostrado na const rução do quadrado sem ântico que focaliza o obj eto- valor existência hum ana form ado pela polaridade, vida e m ort e.

SER HUMANO vida m orte

MORIBUNDO CADÁVER

não- m orte não-vida

FANTASMA

O m ineirinho está em situação que pressupõe vida + não- m ort e, com o m oribundo, suj eit o de estado cuj o program a de base está prestes a se realizar: ent rar em conj unção com a m ort e. Os out ros at ores at uam em program as de uso que possibilit em a realização dest e.

A sem iót ica denom ina program a narrativo as seqüências de relações lógicas responsáveis pelos estados e transform ações pelos quais passa o suj eito principal de um a narrativa. Distingue dois program as: de base, que reporta às t ransform ações do suj eito em term os de um a ação fundam ent al para a constituição de sua identidade; de uso, as t ransform ações secundárias, m as necessárias para realização do prim eiro. Assim , as funções próprias do grupo social e fam iliar constituem as m odalidades que devem facilit ar e sancionar a realização do program a de

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base do m ineirinho, a fim de evidenciar: o papel t em ático da m ulher, a esposa que cuida do bem estar e da parte afetiva tanto do m arido com o dos filhos ( arrastando os m ininos com ela que era pro pai dorm ir um

pouco) , do grupo de am igos na cidade, que se pressupõe vão ao velório; e

do filho que, em sua condição de criança ingênua do perigo da m orte, espera, surpresa ou curiosa, o desenlace ( um dos m enores da casa, que

devia ter uns 4 aninhos)

Focalizado do pont o de vista do nível narrativo da eufem ização, tais papéis tem át icos m anifest am -se com o papéis act anciais, isto é, m ovem a ação e o fazem segundo um fazer cognit ivo não nort eado pelo páthos da dor da perda, m as por um fazer pragm át ico im posto por um a est rut ura cont rat ual ( valores sociais) e m odal ( valores individuais) , resultant es de um processo de m anipulação com quatro possibilidades de ação no confront o com a m ort e:

fazer- fazer fazer não-fazer ( intervenção) ( im pedim ento)

não fazer não- fazer não fazer- fazer ( deixar fazer) ( não intervenção)

O enunciador optou pelo não fazer- fazer, ou m elhor, não int ervir no processo de ent rar em conj unção com a m ort e e dar à nat ureza o privilégio de agir. Nessa perspectiva, o Dest inador do program a de base do m ineirinho é a natureza im perfeita do hom em , que o m anipula com o obj et ivo de levá- lo a um fazer- saber ( com o hum ano, ele é m ortal) e adm it ir um não poder- fazer nada ( não ser aceit ar o cont rat o propost o) , ou sej a, suj eitar- se à condição de sua im perfeição e conform ar-se com a m ort e, com o fazem a m ulher, os filhos e os am igos.

Eis que, num determ inado m om ent o em que a m ulher dele vai pra cozinha arrast ando os m ininos com ela, que era pro pai dorm ir um pouco ant es de dorm ir dum a vez, com o se diz, um dos m enores da casa, que devia ter uns 4 aninhos, encost a no port al que dava da cozinha pro quart o do doente. Est e, ainda acordado e vendo o filhinho ali parado a olhar pra ele com o dedinho indicador na boca, e sent indo no ar um cheirinho gost oso de pão de queijo, pergunt a: Oh, fio! Tô sent indo um cheirinho de pão de queij o, A m ãe t á

49 fazendo pão de queij o, fio? . O m ineirinho de 4 anos responde, num a fala arrast ada e prolongada: Tááá... .

E ele, o doent e, pede: Oh, fio, vai lá pedir pra sua m ãe um pão de queijo. Eu quero com er um pão de queij o. Eu gost o m uit o de pão de queij o, fio .

O m enino, obedecendo, vai à cozinha e logo volt a. Com o dedinho indicador na boca, diz para o pai m oribundo: A m ãe falô que os pão de queij o é só pro velóóóório .

O enunciador interrom pe a realização do contrat o, prom ovendo alterações no j ogo sem iótico: faz um a incisão na tem poralidade ( Eis que

num det erm inado m om ento) , na espacialidade, deslocando a fam ília ( a m ulher vai pra cozinha arrastando os mininos) ; e, destaca a int eração

espacial da cozinha com o quart o ( portal que dava da cozinha pro quarto) . Greim as & Courtés ( 1979: 270) ao desenvolverem a noção de m anipulação, afirm am que:

Quando se t rat a de um a m anipulação segundo o saber, o m anipulado é levado a exercer correlat ivam ente um fazer int erpret ativo e a escolher necessariam ent e ent re duas im agens de sua com petência: posit iva, no caso da sedução, negativa na provocação.

O Destinador m anipulador a que se refere o enunciador, nest e causo, com o j á se referiu, é a nat ureza im perfeit a do hom em , que m otiva a criança a olhar o pai e a esperar o m ist ério da m ort e, despertando um fazer interpretativo do espanto ou curiosidade infant il. O m ineirinho não sabia que ia m orrer, m as sabia- se vivo, ainda acordado, ( d) esperto para observar o filho curioso que ( com o dedinho indicador na boca) o fez atualizar sua m em ória, reviver a infância, o tem po de com eçar tudo, opost o ao de tudo term inar. O olhar sobre o olhar do out ro, criança, cham ou a capacidade sensorial de reagir ( sentindo no ar um cheirinho de

pão de queij o) . Sua ainda não- int eligível percepção da aproxim ação da

m ort e esvaiu- se pela porta aberta para a cozinha em busca da m em ória do prazer das boas sensações: Eu quero com er um pão de queij o. Eu

gosto muito de pão de queijo, fio.

Redefinem - se, pois, os papéis tem át icos. A criança, à espera de conhecer a m orte, faz o pai reconhecer a vida. Com entando o saber- fazer narrat ivo e tem át ico, Greim as ( 1976: 180) recom enda dist inguir um do out ro afirm ando: .

50 a) de um a part e, um saber- fazer narrat ivo consist e na exploração da m em ória narrat iva em vist a da const rução de "proj et os", ist o é de novos program as virtuais ou narrativos. [ ...]

b) de out ra part e, um saber- fazer t em át ico deve com plet ar a com petência narrativa de nat ureza lógico- gram at ical. O saber t em át ico é, com efeit o, de pouco auxílio, se não for explorado com o um t esouro cuj os elem entos são suscet íveis de ent rar em com binações sint agm át icas, const it uindo out ros tantos percursos tem áticos possíveis.

As redefinições do t em a parecem a descobert a do "t esouro" a que se refere Greim as: a sensorialidade provocada pelo cheiro do pão, sím bolo tradicional do alim ent o indispensável ao corpo, m anipula o suj eito m ineirinho para instalar um novo program a narrativo: aproveitar o que lhe resta de vida, explorar sua condição de m ineiro e, entrando em conj unção com o obj et o valor da m ineirice, t ent ar reviver. Entret anto, o proj et o encontra um anti- program a, j á em andam ento, a elaboração do lut o, a conform ação da m ulher com as regras estabelecidas pelo grupo social em conform idade com o contrato da aceit ação da im perfeição hum ana, a m ort alidade.

O espaço englobant e do m undo surge com o o espaço tópico, o lugar da ação, que im plica considerar dois out ros: o paratópico, a cidade int eriorana, onde a m ulher m ineira adquire a com petência para criar sua receit a de pão de queij o, e o ut ópico, a cozinha, onde realiza a ação, assar o pão, cuj o poder m anipulatório m anifesta-se com o a t ent ação para o m arido querer continuar a viver. Contrapondo-se aos dois, cidade e cozinha, há outro espaço, o heterotópico, o quart o do doent e, onde ocorre a sanção efet ivada pelo (o doente isolado dos am igos e da fam ília do espaço virtual do velório) , que sent iu o efeito benéfico do, fazer o pão, despert ando para os prazeres da vida.

Para o enunciador não interessa contar se houve a sanção pelo prêm io ou pelo cast igo ( a ingest ão do pão pode im pedir ou acelerar a m ort e do m oribundo) , m as colocar- se com o observador da m aior im perfeição hum ana, a m ortalidade, e procurar eufem izá- la por m eio do riso, da cena quase absurda e das int erações intersubj etivas côm icas no j ogo da proxêm ica dos at ores. O que im porta é construir sintagm as que rem et am isotopicam ente ao paradigm a da im perfeição da nat ureza

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hum ana e que m anipulem o enunciat ário para t irar o m elhor partido de t udo, com o sent ir que trem bão é ser mineiro... uai.

FAZER ARGUMENTATI VO

Causo m arcado pela oralidade, desde o tít ulo, traça um perfil lingüístico valorizado pela t radição, um lócus do falante, o interiorano geograficam ent e definido pelas expressões trêm bão e uai. Esta segunda expressão t em por função argum entativa reforçar o dit o, para que não haj a dúvida para o audit ório, pois a isot opia inicia- se posit iva.

O enunciador se coloca no causo de form a tam bém positiva, pois os t erm os conj ugados gosto de contar´ confirm am sua post ura frente ao dito. O dim inut ivo m ineirinho traça um a valoração afetiva em relação às personagens. O ethos de um enunciador eunóia, que age pelo gosto, pelo agrado, é m anifestado pelo encantar ( delectare) no processo narrativo, ao escolher figuras reconhecíveis, entre elas, a criança com o port adora do m ovim ent o das paixões.

Dá sust entação à construção do hum or o argum ent o do sacrifício que a fam ília tem que passar, para criar um sim ulacro de pesar, que constit ui a aura prim eira dos m ecanism os de convencim ento, para garant ir surpresa a fortiori.

Pelo recurso m etafórico, a partir da falência do espaço pela falta de lexicalização explicita, há a possibilidade de um a const rução ressem antizada, com o recurso retórico, em que o espaço é o suj eit o. A separação dos côm odos por um portal alim entam o direcionam ent o de um a leitura de pret ensa ingenuidade com o traço arquetípico da fam ília int eriorana, o espaço det erm inado com o ligação sim bólica.

Tal delim it ação é m arca ideológica, em que o curto espaço entre quart o e cozinha, separados pelo port al, denot ando a conform idade do lar, constrói a picturialidade: o m eio é com o um a pintura, um j ogo cênico. Abre-se a possibilidade de reconhecer o paradigm a social da sim plicidade, reverberada no arquét ipo das casas da roça.

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Os elem entos pragm át icos do convencim ento são focalizados em ironia com o arm a argum ent at iva, que dispara o hum or, que, segundo Reboul (1991) desarm a a cont ra-argum ent ação. Assim , o causo term ina com a sua deflagração que possibilit a rir da m orte e coloca lado a lado as figuras do páthos e do ethos ( aproxim ação de quem ri) num único logos argum ent at ivo com intenção de ressaltar a incom pat ibilidade da m orte com o riso. Tal hum or prevalece com o elem ent o eufem izador, m anifest ado pela ret órica da sim plicidade.

DESVENDAR O I MAGI NÁRI O

A m aior angústia do hom em é devida à continua passagem do tem po e ao confrontam ent o com as diversas m ort es. Este enunciador cent ra-se na m orte biológica, na decadência de órgãos, qualquer sej a sua causa, explorando o tem a por m eio de im agens da segregação ( m ovim entos proxêm icos) , da saudade ant ecipada ( choros) e do espanto ( olhar da criança) , im agens do regim e not urno, pois privilegiam a t ensão em ocional.

O enunciador com bate a t ensão, ut ilizando os recursos do discurso int im ist a e, sobret udo, aqueles que m ost ram a passagem dos m ovim ent os de luta para os de aceitação harm oniosa dessa perda, utilizando o hum or sensível, delicado, quase m íst ico por m eio da valorização do fazer de um grupo social, a reunião no velório e, sobret udo, de um obj eto- valor, o pão de queij o. É o sim bolism o do pão que dá sentido quase m ístico ao hum or do causo, pois o alim ento hom ologa, naqueles que o ingerem , o sim bolism o eufórico de sua natureza de nutriente, com o at esta a etim ologia do t erm o "com panhia" ( segundo Houaiss: "lat .vulg. companìa, form ado de cum 'com ' + panis 'pão', conj unto de pessoas que com em seu pão j unt am ent e") .

A im agem da criança tam bém participa da criação do m ist icism o, com o o elo sim bólico na est rut ura da figura do adulto, que deve partir, com a do (in)fante, que não sabe falar ou com preender os m istérios da

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vida e, por isso, deve aprender a decifrá-los para dar continuidade à linha das gerações. Nessa perspect iva, t ransm it ida ao pai tal qual um anj o da anunciação, a int erdição do pão, decret ada pela m ãe e sociedade ( m édicos) , ao invés de configurar a tragédia da m orte, torna- a côm ica, seguindo a regra da inversão, previst a no regim e not urno.

Esse regim e est á expresso nas estruturas discursivas por m eio da proxêm ica: espaços englobante/ englobado, contigüidade no cenário ( quart o e cozinha) , m ovim entos de aproxim ação e distanciam ento ( fam ília e am igos) , nas est ruturas narrativas que colocam os at ores e os enunciat ários em conj unção com a ilusão de o indivíduo, dom inando o espaço e o tem po no ritual do velório, poder dom inar e aceitar a m orte, convivendo de m odo harm onioso com Tânat os ( m ort e) .

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Causo nº 2

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 54-62)