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Derivação: sentido figurado.

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 66-72)

Marília, SP

2 Derivação: sentido figurado.

pessoa econôm ica e/ ou trabalhadora, diligente

Pela m esm a lógica da aproxim ação ( cuj o signo é ± ) , pode- se int erpret ar o piolho e a form iga com seus sent idos figurados e est abelecer a polaridade com os seguint es papéis t em át icos:

Piolho ± parasit a [ indivíduo que vive à custa alheia por pura exploração ou preguiça] versus

Form iga ± diligente ( pessoa econôm ica e/ ou trabalhadora)

A discussão ocorre no plano do j ulgam ento pessoal e a m ulher afirm a assert ivam ent e sua opinião ancorada na crença absolut a e no conhecim ent o ( eu conheço piolho) de que seu m arido é um parasita. Por isso, não há, aqui, m anipulação, som ent e asserção. Mas a m ulher, m esm o correndo o perigo de vida, m ant ém sua asserção. Font anille (1998: 223) afirm a que, apesar de ser um a diferença sut il, o saber não com port a int ervenção subj et iva na relação do suj eito com os obj etos cognit ivos, m as o crer, sim , diferença útil na definição da identidade do suj eito. O suj eito que visa ao obj eto cognitivo com a m áxim a obj etividade e a m ínim a subj et ividade é um erudito e sua atividade repousa sobre o saber; se fizer o contrário, com a m áxim a subj et ividade e a m ínim a obj etividade, é um fanático e sua at ividade liga- se ao crer.

Desse pont o de vist a, tant o o m arido com o a m ulher são fanáticos, extrem am ente subj etivos e, por isso, não conseguem est abelecer o cont rat o fiduciário. Com ent a Greim as & Court és ( 1986: 62) :

Ainda que os discursos-obj et os levem em si m esm os os disposit ivos dest inados a garant ir o dizer-verdade daqueles que os enunciam , o crer- verdade buscado do lado do enunciat ário pode igualm ent e derivar de um a relação fiduciária int ersubjet iva ( o cont rat o de confiança) est abelecido ant eriorm ent e a t odo "discurso de verdade": Diz verdade aquele em quem ( a priori) confio.

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O crer coloca- se em dois níveis sem ânticos: assumir, quando a relação com o obj eto é endotáxica, e aderir, quando a relação é criada j unto a um outro, exotáxica, com provando que o m arido e m ulher não form am a figura de um casal. Sendo am bos fanáticos, sua discussão não os coloca em nenhum a das posições do quadrado epist êm ico:

verossimilhança duvidoso

crer poder ser crer não poder ser

não crer não poder ser não crer poder ser

indubitável inverossímil

Para a m ulher o inseto é piolho, para o m arido é form iga. Am bos dizem sua verdade, o que nos leva a exam inar a isotopia espaço e tem po, j á que Greim as ( 1976: 27) afirm a "estam os inclinados a pensar que um

discurso "lógico" deve ser suportado por um a rede de anafóricos que, remetendo-se de uma frase a outra, garantem sua permanência tópica". E o hom em não deu out ra: am arrou a m ulher pelas m ãos e com eçou a jogar ela dent ro de um poço. A água bat ia num pé, ela grit ava: É piolho. A água bat ia no j oelho: É piolho. Batia na cint ura: É piolho , bat eu assim : ( põe a m ão próxim a ao queixo) É piolho. Daí ela chegou assim ... ( põe as m ãos sobre a cabeça e faz gest o de esprem er com os dedos e unhas) ( risos) Mas eu est ou cont ando essa hist ória não é pra falar que m ulher é teim osa de um jeit o assim pejorat ivo não. É porque é verdade. Tem que ter assim , ó, perseverança m esm o, opinião. Porque m ulher que não tem opinião... não é?

As anáforas ou m arcas t em porais criam um a continuidade form ada de seqüências crescendo em int ensidade de certeza e deliberação inabalável. O m esm o ocorre com as anáforas e as m arcas espaciais em que a m udança do plano horizont al para o vertical ocorre de form a cont ínua e conquistada cent ím et ro a cent ím etro. A com posição actancial estabelece um a estrutura explícit a: a certeza conform ada da m ulher que vai m orrer versus a cert eza obsessiva do hom em que vai m atar. O Dest inador de am bos é, port ant o, o fanat ism o.

A contigüidade sintagm ática explicit a a tensão term inativa e a sobredeterm inação obsessiva dos suj eit os em conj unção com a m orte e

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com o crim e, o que assegura o est ado patêm ico da obsessão, a paixão da preservação do Eu ident it ário fem inino que se contrapõe ao Eu identitário m asculino, m as no m esm o plano de valorização.

FAZER ARGUMENTATI VO

O ethos de um enunciador arethé, que age pelo falar franco ( apertis

verbis) , explica ( por um docere) , no processo narrativo, a escolha de

figuras estereotipadas: a m ulher com o portadora do m ovim ento obsessivo da paixão da t eim osia, e o hom em , suj eit o funcional marido, int im idador im itação de voz grave, com post ura aut orit ária Olha, se você falar que é piolho de novo, eu t e quebro a cara, e, t am bém , obsessivo em sua

verdade .

O processo de identificação do enunciador com seu audit ório consiste no uso da definição descrit iva, o sentido de pertença a um lócus qualificativo, a cidade ( Marília) com o aquela que supost am ente se dist ingue de out ras, o lugar do único, onde as coisas acont ecem e tem diferenças relevant es.

Agora, lá em Marília t am bém tem m uit o assim de m ulher m uit o t eim osa. Nunca vi t erra pra ter m ulher teim osa com o Marília.

Pelo lugar- com um da estereotipia convencionado socialm ent e, a m ulher teim osa, recobre as prim eiras expectativas e conform ações de um pensam ent o hiperbólico.

A m ulher, em seu dizer, que é const antem ent e interrom pida, m as sua tenacidade aponta que, m esm o sob am eaça, a superação do m edo para m anutenção de um ponto de vist a é válida. Segundo Perelm an, tais argum ent os insist em na possibilidade de ir sem pre m ais longe num certo

sent ido, sem que se entrevej a um lim ite nessa direção, e isso com um crescim ent o cont ínuo de valor. ( 1988: 327)

ô m arido, ó um piolho aí. O m arido falou (com voz grave) : É form iga m ulher. A m ulhê falou: É piolho, m arido. É form iga, m ulher. É piolho, eu conheço piolho.

Olha, se você falar que é piolho de novo, eu t e quebro a cara. A m ulher falou assim : Pode quebrar, m as que era piolho era. Olha, se você falar que é piolho eu t e m at o.

61 Pode m at ar, m as que era piolho era. E o hom em não deu out ra: am arrou a m ulher pelas m ãos e com eçou a jogar ela dent ro de um poço. A água bat ia num pé, ela grit ava: É piolho. A água bat ia no j oelho: É piolho. Bat ia na cint ura: É piolho , bat eu assim : ( põe a m ão próxim a ao queixo) É piolho. Daí ela chegou assim ... ( põe as m ãos sobre a cabeça e faz gesto de esprem er com os dedos e unhas) ( risos)

Um dos efeit os esperados na persuasão é dom inar o out ro pela força argum ent at iva, que é pret ensam ente levado a t erm o pelo j ogo de provas refut at ivas alegadas pelo adversário, e confirm ativas, em favor da própria posição. Tal j ogo revela a ironia, só perm itida pela adoção de um a hierarquia de valores pré- concebidos pelo grupo, o lugar de unidade do hom em e o da m ulher, reconhecidos e aceit os com o t ais e cont rapost os.

Reboul (1991) vê alegria sádica na ironia. No causo, quem a faz parece levá- la a sério, pois configura aspect os em ocionais, aglut inando num só m om ento um ethos part icipat ivo e evocando um pathos declarat ivo, e racionais, ressalt ando um argum ent o de incom patibilidade pelo ridículo da sit uação.

Mas eu estou cont ando esse causo não é pra falar que m ulher é t eim osa de um jeit o assim pej orat ivo não. É porque é verdade. Tem que t er assim ó, perseverança m esm o, opinião. Porque m ulher que não tem opinião... não é?

O enunciador, após confront ar as duas aut oridades, m asculina e fem inina, m anifesta declaradam ente seu ethos: suj eito ponderado ( phrônesis), que apresent a um a argum entação com força identitária ( m arcada pelo absurdo do exagero) indicadora do m odo com o suas palavras devam ser ent endidas e int erpret adas, a fim de t ornar o audit ório seu cúm plice na recusa dos procedim ent os do suj eito/ hom em ridicularizado, porque, ao invés da racionalidade de um ser pensante, usou a irracionalidade anim al.

A m ulher, figura exem plar, não se deixa int im idar, t om ando com o regra de condut a a busca da independência. A voz a m antém aut orizada para exprim ir o que pensa ser verdadeiro. O hom em , apesar de m ant er seu t urno, é ant im odelar porque agride. A m ulher é aquela que vence pelo senso com um . O causo choca, não pelo caráter sim étrico ent re gêneros hum anos para preservação da face no t urno de fala, m as pela

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cont raposição das at it udes, ou sej a, a dissim et ria da força física, const it uindo um a ret órica da obsessão.

DESVENDAR O I MAGI NÁRI O

O enunciador escolheu, entre as form as previstas por Durand, a teriom orfa, dois anim ais caract erizados, segundo seu m odo de vida, com o cont rários um do outro. O enunciador assum e o ponto de vist a da m ulher, pois a ident idade qualificada disforicam ente é a m asculina. Som ent e ele é configurado anim al pernicioso pela m ulher. A im agem do cabelo reporta à sexualidade ( com o a história de Sansão) e sua relação com o piolho denuncia falta de higiene, configurando traços disfóricos na m asculinidade. Do pont o de vista fem inino, a cont raposição do m arido é recusar a configuração disfórica, m as aceitá- la com o Mal, j á que para sim bolizar seu gênero conserva a figura de anim al, em bora figurativiza- a com o anim al eufórico, diligent e.

No im aginário do enunciador, o causo discut e apenas o valor do hom em na visão da m ulher, não configurada com o anim al, port anto, sua ident idade não contém o Mal, não é disfórica, com o confirm am os últim os enunciados do t ext o.

É para reproduzir esse im aginário fem inino que o enunciador conta que o m arido am arrou a m ulher pelas m ãos, sim bolizando que est á am arrando sua pot encialidade de t rabalho, para fazê- la penet rar no seio da terra, m atéria fem inina, espaço da germ inação, para fazê-la im ergir na água, sím bolo do ( re) nascim ento e ouví- la confirm ar obsessivam ente sua opinião. O gesto obsessivo do m arido (o verbo jogar, com o sentido de int erm it ência) anuncia o desej o de devolver a m ulher à sua condição única e exclusiva de ser capacit ada para a m aternidade e a criação, sem as luzes do pensam ento ou da indúst ria, na profundidade obscura do poço, buraco na terra m ãe. Mas a m ulher desce em pé, na posição vertical, com

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as m ãos capazes ainda de m ost rar a identidade e a com pet ência do poder fem inino.

O em bat e de idéias, o confronto de palavras, as determ inações e ações rápidas, decisivas, os im pulsos m ortais, constituem caract erísticas do regim e diurno, em que lut ar sem m edo e vencer o Mal é a tarefa principal do ser hum ano, qualquer sej a o resultado do confronto ou sua natureza: m asculina ou fem inina. Tal conclusão é confirm ada pela com unicação sucint a, direta, sem adj etivação ou descrição e cont ext ualização espacial ou t em poral.

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Causo nº 3

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 66-72)