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Dominar gêneros é agir politicamente

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 42-49)

L. A. Marcuschi (2004)

questão do gênero tem , ultim am ente, suscitado bastant e int eresse e, m esm o, controvérsias, em bora sej a t em a bast ante antigo. Os gregos perceberam sua problem ática quando celebravam os heróis ( gênero épico e epidíctico) , procuravam entender os enigm as ( m itos) e fazer poesia, form alizando os gêneros épico, lírico e dram át ico. Bakht in ( 1965: 282) com ent a:

A vont ade discursiva do falant e se realiza ant es de t udo na escolha de um cert o gênero de discurso. Essa escolha é determ inada pela especificidade de um dado cam po da com unicação discursiva, por considerações sem ântico- obj et ais ( t em át icas) , pela sit uação concret a da com unicação discursiva, pela com posição pessoal dos seus part icipant es, et c. A int enção discursiva do falant e, com t oda a sua individualidade e subjet ividade, é em seguida aplicada e adapt ada ao gênero escolhido, const it ui- se e desenvolve-se em um a determ inada form a de gênero. Tais gêneros existem ant es de t udo em t odos os gêneros m ais m ult iform es da com unicação oral cot idiana, inclusive do gênero m ais fam iliar e do m ais ínt im o.

Falam os apenas at ravés de det erm inados gêneros do discurso, ist o é, os nossos enunciados possuem form a relat ivam ent e est áveis e t ípicas de construção do todo. Dispom os de um rico repertório de gêneros de discurso orais ( e escrit os) . Em t erm os prát icos, nós os em pregam os de form a segura e habilidosa, m as em t erm os t eóricos podem os desconhecer int eiram ent e a sua existência4.

Bazerm an ( 2004) com preende o gênero não com o cristalização form al num determ inado t em po, tam pouco com o conj unt o de traços text uais, um a vez que, assim , não levariam em conta o papel prim ordial dos indivíduos no uso e construção de sentidos. Há diferenças de

4 Itálico no original.

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percepção e com preensão e o uso criativo da com unicação visa sat isfazer novas necessidades de acordo com a dinâm ica social. Os gêneros são t ipificações dinâm icas, interat ivas e hist óricas, fenôm enos de reconhecim ent o psicossocial e partes de processos socialm ent e organizados.

Assim , na visão socioint erat iva, os fat os sociais que se refletem nos gêneros

são as coisas que as pessoas acredit am que sejam verdadeiras e, assim , afet am o m odo com o elas definem um a sit uação. As pessoas, ent ão, agem com o se esses fatos fossem verdadeiros ( Bazerm an, ibid.: 23) .

As situações que geram os fatos são definidas pelas pessoas que as vivenciam , os fat os sociais estão associados int ertext ualm ente aos t em as que são m atéria fundam ent al da com preensão social, pois afetam as palavras que se falam ou escrevem , bem com o a força que tais enunciados possuem .

As referências int ert extuais criam a com preensão com part ilhada, com alusão ao que foi dito e à situação atual. A intert ext ualidade est abelece os fat os sociais sobre os quais o cont ador t ent a fazer um a nova afirm ação. Se est es forem realizados apropriadam ent e, as palavras serão consideradas com o at os com plet os e reconhecidos no gênero. Para que os at os de fala na cont ação coordenem as int enções do falant e, torna- se necessário que sej am pronunciados ou descritos de m odo t ípico, para rápido reconhecim ent o dos int erlocut ores na prát ica com unicat iva.

Tal tipificação segue padrões com unicat ivos com form as reconhecíveis e padronizadas, não apenas sua m anifest ação text ual com o t am bém as sit uações de produção e os gêneros.

Podem os chegar a um a com preensão m ais profunda de gêneros, se os com preendem os com o fenôm enos de reconhecim ent o psicossocial que são part e de processos de at ividades socialm ent e organizadas. Gêneros são tão- som ente os t ipos que as pessoas reconhecem com o sendo usados por elas próprias e pelos out ros. Gêneros são o que nós acredit am os que eles sej am . I st o é, são fat os sociais sobre os t ipos de at os de fala que as pessoas podem realizar e sobre os m odos com o elas os realizam . Gêneros em ergem nos processos sociais em que pessoas t ent am com preender um as às out ras suficient em ente bem para coordenar at ividades e com partilhar significados com vistas a seus propósitos práticos.

36 Os gêneros t ipificam m uit as coisas além da form a t extual. São part e do m odo com o os seres hum anos dão form a às at ividades sociais. ( Bazerm an, ibid.: 31)

O gênero particular serve com o expressão de identidade e dá sent ido ou assent am ento à vida diária. No causo, bastant e preso aos ditam es do texto falado, fortem ente m arcado pela oralidade, há preocupação com as habilidades lingüíst icas e perform áticas que criam e reconst roem o event o narrado.

É com um , nas contações, iniciar o texto incitando à crença na verdade do fat o narrado, pois o próprio contador parece confiar nele. O parecer real é um pilar de sust ent ação da narrat iva, para o hum or ou para o m edo, e um de seus prim eiros elem ent os é a confirm ação da procedência do fat o m ot ivador do causo.

Para Todorov ( 1970) , apesar de se aproxim ar de out ros gêneros, com o o conto de fadas, a narrativa fantástica não se volt a para um int erlocut or infant il: seu audit ório não são as crianças. Para o autor, o fant ást ico caract eriza- se pela hesitação do suj eit o que só conhece as leis naturais, diante de um acontecim ent o sobrenat ural. Seu conceit o está baseado nas dicotom ias real/ im aginário, nat ural/ sobrenatural. O fant ást ico, nut rindo- se de t al hesitação, está no lim ite de dois gêneros : o estranho e o m aravilhoso. O prim eiro refere- se a acontecim ent os que podem ser explicados pelas leis da lógica, pela razão, m as que, de um a form a ou de outra, são incríveis, ext raordinários, insólitos, pois se ligam a sent im ent os, em oções e não a um acontecim ent o concreto que desafie a razão. O fantástico- est ranho dom ina t odo o cont exto e é solucionado com um a explicação racional.

No cont o m aravilhoso puro, o sobrenatural não provoca qualquer surpresa, com o nos contos de fada, pois se refere a personagens explicitam ente não verdadeiras, cuj o est ado sobrenatural é aceito nat uralm ent e.

O m edo é sust entáculo m otivacional de text os longos ou curtos, em prosa e verso, acom panhando o hom em desde seu nascim ent o, com o as

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cantigas de ninar que as m ães cant am para o filho dorm ir ( Tutu marambá,

Boi da cara preta...) . O m edo povoa rom ances, peças teat rais, film es,

quadrinhos, folclore e séries de TV, sem se prender a um ou outro fenôm eno. Circulando em um gradient e narrat ivo, reflet e os elem entos do plano m etafísico, as incom preensões e aflições do suj eito em relação aos seus lim it es e ao desconhecido.

O riso é a m anifestação m ais cont undente do plano físico, incorporando aspectos ligeiros, irônicos ou sarcást icos da cot idianidade, dos prazeres da vida e beleza da natureza e do m undo. A opção pelo hum or, ou pelo risível, não é exclusividade de determ inado gênero, pois, desde a Ant igüidade clássica, o riso foi ent endido com o int egrante da concepção do m undo, força capaz de propiciar a cura e o renascim ent o, privilégio da espécie hum ana, j á que o hom em é o único ser vivente que

ri, com o assevera Arist ót eles, cit ado por Bakt hin ( 1965) .

O Medievo expurgou o riso da ideologia oficial e vinculou- o à cult ura popular, o que originou a necessidade de dem arcar o território do côm ico, sobret udo em um cont exto em que os hom ens são sufocados pela rigidez cristã. Com o apont a Bakhtin ( op. cit .) , o riso t orna- se sacralizado pela cristianização de fest as pagãs e celebração de ritos públicos ligados à m at erialidade e à corporalidade, instituindo- se com o fator de equilíbrio social, paradoxalm ente alcançado pela inversão burlesca de valores no im aginário popular sonho de um m undo perm eado de renovação e irresignação libert adora. Assim , para Bakt hin ( ibidem .: 57) ,

( ...) o riso t em um profundo valor de concepção do m undo, é um a das form as capit ais pelas quais se exprim e a verdade sobre o m undo na sua t ot alidade, sobre a hist ória, sobre o hom em ; é um pont o de vist a part icular e universal sobre o m undo, que percebe de form a diferent e, em bora não m enos im port ant e ( t alvez m ais) do que o sério; por isso a grande lit erat ura ( que coloca por out ro lado problem as universais) deve adm it i- lo da m esm a form a que ao sério: som ente o riso, com efeit o, pode ter acesso a cert os aspect os ext rem am ente im portantes do m undo.

Para Propp (1969) , o riso é um a das m elhores m aneiras de transgredir, no plano físico- biológico, det erm inada situação, pois em

certas circunst âncias pode se t ornar côm ica a transgressão de norm a de ordem pública, social e política.

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Bergson ( 1939) considera a insensibilidade um a das pré- condições para o riso, não havendo m aior inim igo do riso que a em oção, a solidariedade ou a ident ificação. Além de traço som ent e hum ano, o riso tem carát er social, exige cum plicidade, é grupal. Quanto à sit uação, o côm ico é t odo arranj ado de ações e acontecim entos que art iculam duas im pressões: a ilusão da vida e a sensação nít ida de um desencadeam ento m ecânico. Para o autor, a sociedade aceit a o riso contra as im pert inências do hom em que se isola, distrai e enrij ece. Dessa form a, o riso é vist o com o o fruto de um m ecanism o m ontado por um a longa prática de vida social.

Em Freud ( 1921) , o hum or é definido com o um processo defensivo cont ra o sofrim ent o, m ais aparent ado do côm ico do que dos chist es. Ao ult rapassar o sent ido t rágico, com caract eríst icas idealizadas e adm iráveis, o aut or coloca- o no plano do Narcisism o I deal do Ego. O hum or não- resignado, rebelde, significa não apenas o t riunfo do ego, m as t am bém o

do princípio do prazer, que pode aqui afirmar- se cont ra a crueldade das circunst âncias reais, m ecanism o de defesa face às necessidades e

angúst ias hum anas, com o o é t am bém o sonho.

No contos de m edo, o fant ást ico não se sit ua som ente na narrat iva, m as, sobretudo, na experiência particular do enunciat ário, pois um conto é fant ástico, se o leit or experim enta profundam ente um sentim ento de tem or, a presença de m undos e poderes insólit os. Para os contadores, o m edo não parece algo distant e, m as part e do real im aginário; não é abstração, nem t em existência independente, pois só com eça a existir em relação a algum a coisa, ao "desconhecido" ou ao conflit o com o sagrado.

O m edo é o propulsor da superação, sobret udo na busca de um significado para a vida. O hom em é, ao m esm o tem po, o centro e a periferia na construção de um sistem a coeso. O m edo im pulsiona a coragem , reforçando o apego às crenças, à religiosidade e ao m ist icism o. O pont o de part ida é a incógnita, o desconhecido, o que há por t rás de cada fenôm eno. Cada passo dado é um conhecer- se, depois conhecer o

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que exist e no ent orno, chegando a ver o m istério tornar- se rot ina e o m edo dom est icar- se.

Na m ediação do m edo e da coragem est ão as forças do Bem e do Mal , o binôm io Deus/ Diabo, representados por seres ou sím bolos fant ást icos, o que não im pede a exist ência de seres híbridos, com o o Saci- Pererê, que t em funções ou represent ações do Bem e do Mal.

Toda narrativa funda-se nest a polaridade que não consegue explicar ou resolver: a int errogação da m orte, cuj o t em or deve ser superado, eufem izado, pelos que acreditam ou não, fiéis ou ateus. No int ercurso do cont o eles m edem forças e cada um conta com recursos próprios, m as em t odos prevalece o m edo.

Marcuschi apont a um suport e que orient a e facilita a com preensão dos gêneros

I nt uit ivam ent e, entendem os aqui com o suport e de um gênero um lócus físico ou virt ual com form at o específico que serve de base ou am bient e de fixação do gênero m at erializado com o texto. Num a definição sum ária, pode- se dizer que suport e de um gênero é um a superfície física em form at o específico que suporta, fixa e m ostra um texto. ( 2003: 12)

O suporte não alt era o conteúdo da narrativa, m as int erfere na relação do enunciatário. O conteúdo de um livro é diferente, quando no teat ro, cinem a ou t elevisão, porque há a possibilidade de o enunciat ário int ervir na narrativa com o a de o enunciador intervir no enunciat ário. Com ent a Zum t hor ( 1990: 90) :

O corpo é ao m esm o t em po o pont o de part ida, o pont o de origem e o referent e do discurso. O corpo dá a m edida e as dim ensões do m undo; o que é verdade na ordem lingüíst ica, na qual, segundo o uso universal das línguas, os eixos espaciais direit a/ esquerda, alt o/ baixo e out ros são apenas projeção do corpo sobre o cosm o. É por isso que o t ext o poét ico significa o m undo. É pelo corpo que o sentido é aí percebido.

Dessa form a, a gest ualidade, que ut iliza o corpo com o um a ext ensão do processo de leit ura, assim com o a im it ação da voz das personagens, são form as int erpret at ivas que dão conotações diferent es ao sent ido do cont eúdo. Os suportes são m olduras m óveis e flexíveis do gênero. O suporte papel pode contribuir para a perm anência da voz, com o afirm a

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Zum t hor. Ainda que não aprisione a voz do enunciador, é um receptáculo ou m em orial das vozes originais.

A noção de gênero ancora- se na noção de grupo social e resulta da m em ória das sit uações de out ros discursos e de seus m ecanism os de com unicação ou m odos de dizer, com o se fora um contrat o socioint eracional.

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Análises

Caracterização do Gênero Causo

No documento INÁCIO RODRIGUES DE OLIVEIRA (páginas 42-49)