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CAPÍTULO 3. A EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE DO RECIFE: ENTRE A CIÊNCIA E A

3.2 Conciliando para inventar um sistema

3.2.1 Tentando institucionalizar uma prática

3.2.1.1 UM “SISTEMA” CONCILIADOR

3.2.1.1.1 AINDA O ENSINO PRIMÁRIO

O foco das práticas anisianas era a obrigatoriedade de a educação pública no Brasil oferecer o ensino primário, a escola primária, para toda a população. É na defesa dessa escola primária, tentando constituí-la e instituí-la que Anísio Teixeira vai-se comprometer.

O “sistema” Paulo Freire também vem atender à educação primária. O diferente da prática já instituída foi que, nesse, das três etapas (do total de seis etapas) que se referem ao ensino primário, duas delas tratava da educação de adultos e uma da “alfabetização infantil”. A partir do próprio texto de Paulo Freire (ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS, 1963, nº 4) observa-se que as práticas do “sistema” tiveram ‘origem’ nas experiências dos “círculos de cultura” do MCP, já que ele mesmo não se propõe a falar do “sistema” e sim do “método” de alfabetização, utilizando como exemplo os procedimentos feitos nos “círculos de cultura”.

Das etapas propostas pelo sistema, a “alfabetização infantil” estava apenas na “primeira etapa”, na época, em “estágio experimental”. A segunda etapa, segundo Maciel (2003, p. 130) encontrava-se em atividade pelo SEC, dedicava-se à “alfabetização de adultos” em “28 a 40 horas”:

[...] um método de alfabetização rápida318, sem cartilha, sem o professor tradicional, fazendo de utilização ampla de ajudas audiovisuais (projeção fixa, atualmente) e da motivação a partir de situações existenciais dos grupos a alfabetizar, conscientizando pelo diálogo franco e informal. Parte, para isso, do levantamento do

universo vocabular dos alfabetizandos, de onde são retiradas as

chamadas “palavras geradoras” para alfabetização. Utiliza cerca de 8 slides (ou fichas projetadas em episcópio) para motivação e

317 Paiva (2000, p. 26) diz ainda sobre o assunto: “Alçado ao Conselho Mundial de Igrejas ele [Paulo Freire] foi instado a dar maior consistência a suas ideias e a reforçar o caráter católico-cristão progressista de sua pedagogia, pois essa era a condição para o lançamento e a propagação de suas ideias e de seus escritos em nível mundial.[...] Chegou a ser uma liderança tão importante e com tanto poder legitimador que ao longo de décadas e em diversas partes do mundo, muitos trabalhos educativos originais se desenvolveram localmente sob o mote de que “tudo é Freire”, sem reivindicar sua real originalidade”.

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conscientização, e mais 8 ou 10 para a alfabetização propriamente dita (MACIEL, 2003, p. 130).

Na terceira etapa, feita com os mesmo métodos, pretendia-se criar um “ciclo primário rápido”, que pudesse ser oferecido no período de 8 a 10 meses. Nesta fase, com os alunos já alfabetizados eram oferecidos outros textos, inclusive “pequenos manuais de capacitação cívica”319organizados pela equipe da “Campanha de

Educação Popular da Paraíba (CEPLAR)”. A quarta seria a experiência de uma “universidade popular” que se desdobraria aos níveis “secundário, pré-universitário e universitário”; nesta etapa, seriam aproveitadas as experiências dos “círculos de cultura”. A quinta etapa, já rascunhada, “desembocará” no “Instituto de Ciências do Homem320, da Universidade do Recife” e a sexta etapa, já delineada, seria uma ação do, na época, recém-criado “Centro de Estudos Internacionais (CEI)” também da universidade (MACIEL, 2003, p.130)

A ideia era que, através de um “método” de “alfabetização” (com “conscientização”), pudesse organizar-se um “sistema” a ser oferecido a todos os níveis de ensino, do infantil ao universitário, alcançando inclusive outros “países subdesenvolvidos”. De fato é que, pelas explicações de Maciel (2003), algumas dessas etapas eram apenas propostas. Não houve, assim, uma efetivação do “sistema Paulo Freire”, como se aponta321

, houve a efetivação do “método Paulo Freire”.

Em se tratando do “método” em si que permeia as etapas, houve a tentativa de fazer o desigual diante de práticas já instituídas e instauradoras: alfabetização com 28 a 40 horas e “ciclo primário rápido” com duração de 8 a 10 meses. O “método” Paulo Freire difere das práticas anisianas, que não pretenderam nem quiseram uma alfabetização “rápida”. Para Anísio, era absurda a ideia das escolas com vários turnos. Sua prática, mesmo sendo direcionada, ao ensino primário com crianças, queria inclusive estender os anos de alfabetização de quatro para seis322.

319 De título Força e Trabalho, este ‘manual’ continha: “noções básicas de legislação do trabalho, geografia econômica, sindicalismo, etc”. Vale a pena informar que a proposta era que nestes manuais “noções de arte popular e folclórica (mamulengos, dramatizações, poesia nordestina popular)” (MACIEL, 2003, p. 30).

320

É o atual Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFPE. 321

Como exemplo, ver Barbosa (2009) que não tensiona em nenhum momento os escritos da década de sessenta sobre o “sistema Paulo Freire”.

322 Anísio Teixeira (2007a, p.120) disse em 1958 sobre a Escola Primária: “com uma escola primária de seis anos de estudos, uma escola média com cinco ou seis anos de estudo, sem sanções específicas senão as da seriedade dos seus estudos [...]”.

Em 1958, numa reclamação sobre a realidade das escolas, Anísio Teixeira (2007a, p. 118) disse sobre isso: “Que estamos fazendo com as nossas escolas? Que espetáculo é este de escolas primárias de dois, três e quatro turnos, reduzindo o seu dia escolar a quatro, três e uma hora e meia, visando tão somente ao preparo para um sumário exame de admissão à escola média?”

Porém, ao fazer o desigual, a proposta do “sistema” freireano (e do método) tinha um fundamento: ele era economicamente mais barato e mais rápido, como disse Pierre Furter (REVISTA ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS, 1963, nº 4, p. 108):

Uma das exigências econômicas é economizar o tempo dos alunos e dos professores. É preciso, pois, reduzir ao mínimo o tempo da aprendizagem. Foi o que o Prof. Paulo Freire da Universidade do Recife, tentou realizar, elaborando um método de alfabetização em 30 horas.

Esta questão da economia de “tempo”, “sem o professor tradicional” e economia nas instalações das escolas, com “construção artesanal”, delimita, como os que tentam insituir o “sistema Paulo Freire”, suas diferenças das práticas anisianas.

Em 1953, nas críticas à escola brasileira Anísio (2007a, p. 52) disse:

Entre nós, “o professor” pode ser qualquer pessoa que saiba mais ou menos ler. Encurtamos o período de aula, encurtamos os professores. Nesta, escola brasileira, tudo pode ser dispensado: prédio, instalações, biblioteca, professores...

E Anísio Teixeira, prosseguiu enfatizando a necessidade de uma nova política educacional:

As escolas brasileiras estão, com efeito, a ser buscadas pelo povo com ansiedade crescente, havendo filas para matrícula, da mesma natureza das filas para carne. Os turnos se multiplicam, os prédios se congestionam, os candidatos aos concursos de admissão são em número muito superior aos das vagas e as limitações de matrícula constituem graves problemas sociais (TEIXEIRA, 2007a, p. 64). A escola primária que irá dar ao brasileiro esse mínimo fundamental de educação não é, precipuamente, uma escola preparatória para estudos ulteriores. A sua finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base, capaz de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns. Ela é que forma o trabalhador nacional em sua grande massa. É, pois, uma escola que é o seu próprio fim e só indireta e secundariamente prepara o prosseguimento da educação ulterior à primária. Por isto mesmo, não pode ser uma escola de tempo parcial, nem uma escola somente de

letras, nem uma escola de iniciação intelectual, mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar em uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão. (TEIXEIRA, 2007a, p. 66, 67)

Não se pode conseguir essa formação em uma escola por sessões, com curtos períodos letivos que hoje tem uma escola brasileira. Precisamos restituir-lhe o dia integral, enriquecer-lhe o programa com atividades práticas, dar-lhe amplas oportunidades de formação de hábitos de vida real, organizando a escola como miniatura da comunidade, com toda a gama de suas atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte. (TEIXEIRA, 2007a, p. 67)

Mesmo sabendo de toda problemática do professor - as práticas anisianas evidenciam ajudá-lo na sua formação - para Anísio “sem professores capazes, todas as reformas fracassarão” (TEIXEIRA, 2007a, p. 121). Tanto que no Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, instituído por Anísio, eram recorrentes os cursos (de inglês, de psicologia para criança, etc), as conferências, os seminários, os simpósios voltados para auxiliar os professores no seu aperefeiçoamento. O ponto IV do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife dizia: “Treinamento e aperfeiçoamento de administradores escolares, orientadores educacionais, especialistas em educação e professores de escolas normais e primárias”323

. A organização da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) que ocorreu em julho de 1960 veio para cuidar especificamente das questões de formação.

Quando a proposta do “sistema Paulo Freire” para escolas de “construções artesanais”, deprecia os gastos do CRR com a “luxuosa escola experimental” ou os gastos de Anísio com a “Escola Parque”, não está atenta que havia um projeto arquitetônico nas práticas anisianas em relação à construção das escolas. Em 1956, em São Paulo, no I Congresso de Educação Primária, Anísio (2007a, p. 87) ressalta sua preocupação de escolas com prédios mal aparelhados causados por uma ‘aparente’ expansão:

E o que vimos fazendo é, em grande parte, a expansão do corpo dos participantes, com o congestionamento de matrículas, a redução de horário, a improvisação de escolas de toda ordem, sem as mínimas condições necessárias de funcionamento. Tudo isto seria já

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gravíssimo. Mas, pior do que tudo está a confusão gerada pela aparente expansão, tumultuária, levando o povo a crer que a educação não é um processo de cultivo de cada indivíduo, mas um privilégio que se adquire pela participação em certa rotina formalista, concretizada no ritual aligeirado de nossas escolas. Está claro que tal conceito de escola não é explícito, mas decorre do que fazemos. Se podemos desdobrar, tresdobrar e até levar a quatro os turnos das escola primárias, se autorizarmos ginásios e escolas superiores sem professores nem aparelhamento – é que a escola é uma formalidade, que até se pode dispensar, como se dispensam, na processualística judiciária, certas condições de pura forma.

Para Anísio Teixeira escola era o “lugar da educação”, um lugar relacionado também à República, ao moderno, ao novo; tanto que empreendeu esforços de uma política de “edificações escolares” no Rio de Janeiro (1931-1935) e na Bahia (1947- 1951). Para ele “sem instalações adequadas não poderia haver trabalho educativo, e o prédio, base física e preliminar para qualquer programa educacional tornava-se indispensável para a realização de todos os demais planos de ensino propriamente dito” (DÓREA, 2000, BVANISIOTEIXEIRA).

Em Recife, as questões relacionadas à arquitetura da escola ‘anisiana’ também estavam presentes ou na construção da Escola de Demonstração do CRR, ou com recursos diretos do Governo Federal, vias INEP, para a construção de prédios escolares324.