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CAPÍTULO 2. UM CENTRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS PARA UMA REGIÃO

2.4 Cursos, seminários, palestras e conferências: debates sobre educação

2.4.2 John Dewey e uma filosofia da experiência

Em 1959233, John Dewey se estivesse vivo faria 100 anos. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Recife, então promoveu a conferência 1960 para ‘homenagear’ suas ideias. Essa conferência, proferida por Newton Sucupira, intitulada de John Dewey: uma filosofia da experiência, foi publicada neste mesmo ano com o prefácio de Gilberto Freyre pelo CRR, num total de 500 exemplares. Tanto o prefácio feito por Freyre234 quanto a conferência feita por Newton Sucupira foram publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos235. As práticas anisianas e freyreanas neste momento possibilitaram o contato com as ideias de John Dewey. Freyre pela sua articulação, direcionamento do CRR que propiciou a homenagem, o local e a circulação das ideias deweyanas que conheceu236 na Universidade de Columbia e Anísio Teixeira porque sempre deixou explícito que suas bases filosóficas advinham de John Dewey, filósofo que lhe ensinou também na mesma Universidade nos Estados Unidos.

Em algumas passagens, tanto Freyre quanto Anísio e Sucupira foram unânimes em afirmar que muitas vezes as ideias de John Dewey não merecem

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Neste ano Anísio Teixeira traduziu o livro de Dewey: Vida e Educação. Ver mais em TEIXEIRA, Anísio. Tradutor de DEWEY, John. Vida e educação. 5a. ed. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1959. 165p.

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Este prefácio de Gilberto Freyre foi publicado também em: FREYRE, Gilberto. Ainda a propósito do Centenário de Dewey. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1960. 01/10.

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FREYRE, Gilberto. Uma conferência sobre John Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 34, n. 80, p. 193-194, 1960, out./dez. SUCUPIRA, Newton. John Dewey: uma filosofia da experiência. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 34, n. 80, p. 78-95, 1960. out./dez.

Marcus Cunha e Débora Garcia desenvolveram um estudo sobre a apropriação de John Dewey na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Os autores mostram quantas vezes e as formas que Dewey foi apropriado na Revista desde 1944 até 1964. Ver mais em: CUNHA, Marcos; GARCIA, Débora. A apropriação de John Dewey

na Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos( 1944-1964). Disponível em: <http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/1225/1187 >. Acesso em: fev. 2013.

236 Freyre (1960, p. 10) disse no seu Quase Prefácio: “Foi na Universidade de Columbia que conheci nos meus dias de estudante, o já velho glorioso que era então, John Dewey. Ouvi dele lições inesquecíveis [...]”

devida atenção e muitas vezes são mal compreendidas. Em 1959, num artigo para o Boletim da CAPES: Dewey e a filosofia da educação, Anísio Teixeira (In.: BVANISOTEIXEIRA, 2012) comentou:

A designação mais corrente de "pragmatismo" e a identificação dessa filosofia com a frase saber é o que é útil concorreram para incompreensões, deformações e críticas as mais lamentáveis. John Dewey, a quem coube a formulação mais demorada e mais completa dêsse método de filosofia (mais do que sistema filosófico), muito se esforçou para afastar as confusões e desinteligências, e a sua contribuição foi decerto das maiores, se não a maior, na empresa de integrar os estudos filosóficos de nossa época no campo dos estudos de natureza científica, isto é, fundados na observação e na experiência, na hipótese, na verificação e na revisão constante de suas conclusões237.

Já Freyre (1960, p. 07) no seu Quase Prefácio, reclamou que “a indiferença do Brasil intelectual pelas recentes homenagens à memória de um Dewey que quase viveu o bastante para ele próprio assistir às comemorações, quase todas pouco entusiásticas do seu século de vida.”. O Mesmo sentido foi pronunciado por Newton Sucupira (1960, p. 15,16) afirmando que se por um lado Dewey tem adeptos e seguidores por outro:

[...] Muitos de seus críticos acusam-no de se achar ainda vinculado ao individualismo caótico de uma cultura desintegrada Protestante- Capitalista. Isto sem falarmos dos adversários tendenciosos e simplistas que pretendem responsabilizar Dewey por todos os desacertos e deficiências da educação americana atual.

Foi com esse sentido que Sucupira (1960) foi enfático em afirmar que mesmo com todas as críticas feitas a Dewey não se pode deixar de identificar toda sua proposta direcionada aos problemas humanos. Foi neste caminho pronunciado, através desta instigante conferência, que Sucupira anuncia a filosofia de John Dewey, base para se chegar à educação, à formação humana. Estudar a filosofia, para Sucupira (1960) é a condição necessária para entender a educação proposta por Dewey.

O primeiro aspecto enfatizado para entender Dewey, é apreender o significado de “experiência” que ele aborda. Se a filosofia sempre se voltou para o

237Ainda diz Anísio: “Dewey, cujo centenário de nascimento se celebra neste ano de 1959, continua a

ser um simples precursor, não se revelando sua influência no sistema educacional dos Estados Unidos, onde nasceu e viveu, nem muito menos em outros países, senão em aspectos superficiais e secundários. Não há maior erro do que supô-lo seguido e, ainda menos, dominante no sistema escolar norte-americano”.

mundo contemplativo238, na qual a experiência está num estágio ‘inferior’, para Dewey não; a filosofia deve-se voltar para a experiência, para o mundo, para os problemas do homem. Não deve assim existir um “dualismo”, “traço comum” de muitas concepções filosóficas. Sucupira, afirma sobre esta característica de Dewey:

Sua filosofia, toda ela nascida dos problemas concretos que angustiam nosso século, filosofia eminentemente “engagée”, que quis sempre ser participante, e não apenas especulativa, toca-nos muito ao vivo para ser objeto de uma valoração rigorasamente imparcial (SUCUPIRA, 1960, p. 16)

Ora, o que se torna característico da filosofia de Dewey é que, segundo ele, a noção de experiência, que é ao mesmo tempo ponto de partida e ponto de chegada de seu filosofar, permitiria transceder todos os dualismo que devidem a filosofia ocidental e que se devem ao fato de que elas se afastam de uma maneira ou de outra do terreno da experiência (SUCUPIRA, 1960, p. 26).

Neste caminho de união entre a contemplação e o mundo concreto, a proposta filosófica deweyana vai conduzir, no dizer de Sucupira (1960, p. 32), à reunião “em si, dialeticamente, de todos os contrários, de todas as oposições e dualismos da tradição filosófica”.

A experiência239 nos leva a outra questão trazida por Dewey, pois se o homem não deve só contemplar se faz necessário que ele esteja em constante atuação no mundo. O agir, o engajar, o atuar. Para Dewey o homem:

[...] se encontra engajado num processo sem fim de adaptação e readaptação porque a vida exige continuamente uma reorganização das experiências e não existem valores ou verdades situadas num mundo transcendente e eterno que se constituíssem objeto de contemplação.

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Platão dividiu o mundo entre o mundo sensível e o mundo das ideias, valorizando só o último; Aristóteles mesmo reabilitando o mundo sensível, das coisas, vai hierarquizá-lo deixando a experiência sensível em ‘sengundo plano’. (SUCUPIRA, 1960). Ainda no Boletim da CAPES Anísio (TEIXEIRA, 1959 In.: BVATEIXEIRA) vai expressar: “Este pensamento, porém, na sua mais fecunda parte original, no seu esforço de conciliação das contradições e conflitos da vida moderna, ainda não logrou implantar-se e está mesmo ameaçado de se ver submergido por um refluxo das velhas doutrinas dualistas, de origem platônica, hoje em franca popularidade no Leste e no Oeste”.

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Segundo Sucupira a forma de Dewey compreender a experiência associando às questões trazidas por Darwin, dá margens para que Dewey receba muitas críticas. Diz Sucupira (1960, p. 30) sobre isso: “Esta maneira de conceber primariamente a experiência humana em termos de uma relação entre ser vivo e ambiente em seu esforço incessante de adaptação procede da influência decisiva que Darwin exerceu na sua doutrina filosófica. Daí porque a concepção deweyana de experiência se ressente de um certo biologismo que tem suscitado as mais fortes críticas.

Esta conferência também exala um pouco das práticas (escolhas, estratégias, engajamento) de Anísio Teixeira, seu principal seguidor, “discípulo” como acentua Gilberto Freyre (1960)240.

Numa conferência proferida para o Centro Brasil-Israel, originalmente publicada em 1955 na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos241: Bases da Teoria Lógica de Dewey, Anísio Teixeira faz circular as práticas deweyanas, fazendo o leitor ou o público que assistia a ele compreender o significado da “lógica” de Dewey. Para Anísio, lógica é a forma de conduzir o “processo de pesquisa”, na qual são solucionadas as “situações indeterminadas, que se criam nas relações entre o organismo e o meio”. Compreende as situações da investigação: “situação indetermindada (problemática), localização do problema, sugestão da solução, ensaio (experimentação), solução (satisfação) ou determinação da situação” (TEIXEIRA, 2006, p. 108). Essa forma basicamente se dá pelo esforço filosófico de conciliação entre “tradição e o conhecimento científico”, “o que já foi e o vir a ser”, “do velho no novo”, na qual o “presente” é uma conexão entre um “teimoso passado” e um “insistente futuro” (TEIXEIRA, 2006, p. 88, 89). Foi neste caminho que Anísio faz apuradas críticas, citando Dewey, a uma tradição de separar ou desaprovar a “lógica do senso comum” diante da “lógica da investigação científica”: “Não negamos – diz ainda Dewey – as diferenças entre a pesquisa científica e a pesquisa de senso comum; mas tais diferenças não importam em conflito, senão em tratamento diferente dos objetos diferentes de investigação, num e noutro caso” (TEIXEIRA, 2006, 114).

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Para Clarice Nunes (2000, p. 14) apesar de Jonh Dewey ter possibilitado a não improvisão de Anísio diante das questões educacionais, a assimilação de Anísio Teixeira não foi irrestrita. Por exemplo: “Se Dewey peramaneceu como pensador independente, não se filiando a qualquer partido, para defender a reformar do governo municipal carioca, Anísio Teixeira chegou até a redigir um programa partidário. Se Dewey nunca entrou na polêmica entre escola confessional e escola pública, Anísio Teixeira mergulhou, em cheio nela.”. Ver mais em: NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: A defesa da educação como direito de todos. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 73, Dez/2000. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: jan. 2013.

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TEIXEIRA, Anísio. Bases da Teoria Lógica de Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 23, n.57, p. 3-27. Jan/mar. 1957

2.4.3 Simpósio Educação para o Brasil

O simpósio Educação para o Brasil ocorreu em setembro de 1960. Foram oito “sessões de estudo” apresentadas por conferencistas com temáticas que correspondiam ao tema mais amplo: Educação para o Brasil242.

Estas palestras foram publicadas em 1960 trazendo o mesmo título do simpósio, constando 178 páginas com todas as palestras apresentadas, foram ainda distribuídas 200 exemplares243 (CADERNOS REGIÃO E EDUCAÇÃO, 1963). Com exceção desta publicação, um dos participantes, Paulo Freire, publicou sua conferência na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos de 1961. O tema trazido foi Escola Primária para o Brasil. Esta temática foi uma das temáticas recorrentes nas práticas discursivas identificadas diante de outros cursos promovidos pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Recife, como, por exemplo, no Curso Problemas de Política e Administração Escolares no Nordeste Brasileiro. Esta temática foi a temática discutida, debatida muitas vezes pelo autor Anísio Teixeira, então diretor do INEP.

No entender de Anísio Teixeira o ensino primário, a escola primária era o mínimo que o Brasil deveria oferecer de maneira universal para a população. Num de seus livros que fala sobre o assunto, Educação não é privilégio publicado em 1957 e em 1968 reeditado, foram acrescentados, pelo próprio Anísio textos publicados em outras instituições de 1958 e 1962 (2007a). Num de seus capítulos: A Escola primária – a mais importante escola do sistema de educação, Anísio reclama que a escola primária tem que ser reconhecida como a “mais importante do Brasil”, não que a “média” e a “superior” não sejam importantes, mas que no momento ‘atual’, “para aceleração do progresso”, a escola primária é a prioridade (TEIXEIRA, 2007a, p. 117).

Para falar da Escola primária para o Brasil aos participantes do Simpósio Educação para o Brasil promovido pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais

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Luís Delgado conferenciou sobre Tarefas do Pensamento Brasileiro; Paulo Frederico Maciel falou sobre: Ideologia e Grupos ideológicos; Um Humanismo Brasileiro e o seu papel como educacional foi o tema da palestra de Newton Sucupira; Rômulo Almeida falou sobre O estado da questão do desenvolvimento Levy Cruz apresentou o tema: Tendências de Mudanças no Nordeste e a Educação; Uma política Educacional para o Brasil foi o tema de Aderbal Jurema; Escola Primária para o Brasil foi o tema escolhido por Paulo Freire; Itamar Vasconcelos falou sobre Considerações em torno do Ensino Médio e Maria Antônia Mac Dowell sobre Ensino Secundário para o Brasil.

243 Como não encontrei este “Livro” Simpósio Educação para o Brasil, só tive acesso a um texto, o da conferência de Paulo Freire, publicado na Revista Brasileira de Estusos Pedagógicos.