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ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DO MODELO APRESENTADO

A partir do modelo apresentado, é possível destacar que, quanto maior for a discrepância entre as probabilidades subjetivas atribuídas pelas partes ao sucesso na demanda judicial (p. 70 e ss.), maior a probabilidade de os litígios ocorrerem, uma vez que poderá o autor supervalorizar sua chance de sucesso enquanto o réu subvaloriza a chance de sucesso do autor, diminuindo, assim, a distância entre os valores de ameaça de cada uma das partes e dificultando a negociação e partilha do excedente cooperativo.

Por exemplo, ao supor que o autor atribua à chance de vitória a probabilidade de 80% e o réu 10%, considerando que os custos de cada um deles seja R$ 500,00 e o benefício esperado R$ 1.500,00, ter-se-ia que, na Equação 7.2, para o autor, que o valor mínimo do acordo () ) seria de 0,8 x 1.500,00 – 500,00, totalizando R$ 700,00, enquanto que, para o réu, o valor máximo seria de 0,1 x 1.500,00 + 500,00, totalizando R$ 650,00 e, portanto, não haveria acordo entre as partes.

Por outro lado, caso a diferença entre as probabilidades subjetivas fossem reduzidas em 5%, ter-se-ia que, para o autor, o valor mínimo de acordo seria de R$ 625,00, enquanto que o valor máximo para o réu racional maximizador seria de R$ 725,00, dando margem para que as partes negociem e firmem acordo sem que o processo vá a julgamento. Quanto mais, dessa forma, puder o sistema jurídico permitir que as partes reduzam a assimetria de informações e estabeleçam mais objetivamente a probabilidade de sucesso da demanda, maior será a probabilidade de que o sistema efetivamente incentive a realização de acordos, não bastando, para tal fim, o estabelecimento de uma audiência de conciliação obrigatória sem que, previamente, as partes tenham a oportunidade de conhecer os argumentos e eventuais elementos probatórios que as partes possuem.

É claro que, ainda que o sistema jurídico permita tal alinhamento, os acordos não ocorrerão caso os benefícios não-monetários e extraprocessuais sejam de tal monta que inviabilizem o acordo. Seria o caso, por exemplo, de um autor que valoriza a condenação do

réu em valor bastante superior ao benefício monetário esperado com o litígio e, dessa forma, para o réu, seria mais vantajoso aguardar a condenação e realizar o pagamento do montante atribuído pela decisão do que buscar fazer frente a tais benefícios esperados pelo autor, ou, ainda, de diversas ações movidas pelo Ministério Público, em que o retorno monetário do litígio é mínimo ou inexistente.

Por outro lado, em um modelo em que seja impossível a redução das assimetrias nas probabilidades subjetivas atribuídas pelas partes à chance de sucesso da demanda, seria possível favorecer a realização de acordos pela estruturação de um sistema de custas judiciais que imponha baixos custos às partes para apresentação da ação e elementos gerais de instrução, mas que aumente os custos à medida que o julgamento da demanda se aproxime. Assim, a antecipação da solução da controvérsia pode reduzir os custos a que as partes esperam incorrer e, portanto, alterar o valor mínimo e máximo dos acordos.

Considerando os custos do autor para apresentar a demanda como R$200,00 e os custos para levar essa mesma demanda a julgamento em R$ 1.000,00, enquanto os custos para o réu sejam nulos se for realizado um acordo e de R$ 1.000,00 se o processo for levado a julgamento, ainda que o autor atribua à chance de vitória a probabilidade de 80% e o réu 10%, sendo o benefício esperado em R$ 1.500,00, ter-se-ia que, se o processo fosse a julgamento, o retorno esperado do autor seria de R$ 200,00, enquanto que, para o réu, o custo esperado seria de R$ 1.150,00, enquanto que, para a realização de acordo antes de o processo ir a julgamento, se teria como valor mínimo para o autor R$ 1.000,00 e para o réu ficaria mantido o custo esperado de R$ 1.150,00, uma vez que, até ali, não teria incorrido em custos.

Observa-se, nesse contexto, que é possível ao sistema jurídico permitir o amplo acesso ao Poder Judiciário, criando um sistema que favoreça a realização de acordos, pela estruturação de um modelo de prestação jurisdicional que reduzam os fatores que levam a diferentes probabilidades subjetivas atribuídas ao sucesso da demanda ou pela criação de um modelo diferenciado de cobrança de custas judiciais, em que a maior parte delas apenas seria incorrida pelas partes se o processo fosse a julgamento.

Por outro lado, os custos judiciais também podem servir como desestímulo à ocorrência de litígios a medida que, tanto para o autor, quanto para o réu, as custas integram suas funções de utilidade esperada e, portanto, maiores custos estimulam, por um lado, a realização de acordos e cumprimento espontâneo de obrigações e, por outro, a não apresentação do litígio ao Poder Judiciário.

Sob esse segundo aspecto, os custos judiciais podem ser prejudiciais sempre que funcionassem como impeditivo do acesso ao Poder Judiciário e, portanto, o valor dos custos

judiciais deve ser ponderado de forma a buscar o ponto em que o benefício alcançado representa o nível ótimo em relação aos custos sociais do litígio, conforme visto no item 2.4.1.2. Nessa hipótese, o desenvolvimento econômico de um país estaria garantido pela eficiente correlação entre custos marginais e benefícios marginais de cada litígio.

Registre-se, ainda, que o desenvolvimento do litígio até o seu termo final tem como importante variável a atribuição da responsabilidade pela instrução e apresentação de provas. Essa variável estaria compreendida nos custos com a contratação de advogado e demais custos de comprovação do direito arguido, que pode influenciar a decisão de apresentação da ação judicial, uma vez que, se o custo for atribuído ao réu, o autor não precisará se preocupar com eles, enquanto eles efetivamente integrarão a função utilidade do réu. Se, por outro lado, o ônus probatório for atribuído ao autor da demanda, sua função utilidade esperada deverá prevê-los, inclusive com reflexos no valor mínimo de eventual acordo.

Dessa forma, tem-se que o ônus probatório pode efetivamente influenciar a decisão de litigar das partes ou de fazer acordo, bem como os seus respectivos valores de ameaça na hipótese de eventual acordo, acarretando eventual aumento do excedente cooperativo por ventura existente e maximização do retorno das partes na realização de acordos, sendo, portanto, importante fator a ser considerado pelas partes e pelo gestor público e legislador.

Outro aspecto que pode influenciar a atribuição da probabilidade subjetiva pelos agentes interessados é a previsibilidade das decisões judiciais e o respeito às decisões firmadas em casos semelhantes por instâncias superiores ao do julgador. De fato, na hipótese de as decisões não seguirem um padrão observável, a chance de provimento da ação judicial proposta poderia ficar sujeita ao acaso, uma vez que dependeria de eventos incertos, tal como, a distribuição da ação para um determinado juiz ou a um tribunal.

Por fim, devem ser traçadas duas considerações sobre a apresentação de recursos pelas partes. A primeira relativa aos custos e a segunda relacionada ao momento para recorrer. Quanto ao primeiro tópico, considerando que já houve uma primeira atuação jurisdicional, poderia ser imposto um valor mais alto para os demandantes que objetivem apresentar recurso, a fim de que seja efetivamente calculado o benefício esperado com a apresentação do recurso em relação aos seus custos.

Nessa hipótese, a decisão de apresentar um recurso também estaria relacionada à probabilidade e ao benefício esperado pelo recorrente. Se, entretanto, o custo para recorrer é desprezível para as partes, qualquer possibilidade de revisão do julgamento funciona como incentivo para o recurso, podendo até ser o recurso uma aposta, em que, considerados os

baixos custos, o interessado paga o preço sob a perspectiva de um ganho muito superior, funcionando o recurso como uma espécie de loteria.

Supondo-se que a taxa de reversão da decisão de primeira instância pela instância superior seja de 5% e que o custo seja desprezível, o maximizador racional de utilidade irá optar pelo recurso a fim de buscar um provimento jurisdicional mais favorável, ainda que inexista na decisão recorrida um erro efetivamente a ser corrigido e que, caso o valor cobrado para recorrer fosse considerado, a parte optaria por não o fazer.

Uma alternativa seria obrigar que a parte fizesse o pagamento do valor do recurso e, em caso de reversão da decisão recorrida, parte desse valor seria restituída ao vencedor e, em caso de desprovimento, ficaria retida pelo Poder Judiciário a fim de arcar com os custos de processamento e julgamento do recurso judicial improcedente. A aplicação dessa proposta, no entanto, dependeria de tornar as decisões dos tribunais mais previveis para os jurisdicionados a fim de permitir a correta aferição da probabilidade de reversão da decisão recorrida.

Quanto ao segundo ponto, considerando-se a existência de um único momento para recorrer, o que representaria um jogo simultâneo, a estratégia dominante para os envolvidos é que todos apresentem recurso, se cabível, uma vez que, caso não apresente o recurso, perderá a chance de fazê-lo, tendo como resultado um payoff inferior caso a outra parte apresente o recurso ( 1 − , - − +; − 1 − , - ). Portanto, a estratégia dominante, considerando o

cabimento do recurso pela outra parte, é que ambas o apresentem.

Por sua vez, um modelo em que as partes possam optar por apresentar o recurso naquele momento ou fazê-lo posteriormente apenas se a outra parte o fizer parece mais adequado a fim de permitir a realização de uma análise de custo benefício pelas partes envolvidas e, portanto, mais eficiente.

2.6CONCLUSÕES DO CAPÍTULO

Os dados do primeiro capítulo mostram o crescente número de demandas submetidas ao crivo do Poder Judiciário, seus preocupantes índices e dão conta do desafio que se impõe ao gestor público, registrando-se a limitada capacidade de contratação de novos servidores, associada aos ganhos marginais decrescentes de produtividade. Nesse contexto, a solução dos problemas da morosidade do Poder Judiciário deve ser buscada em outras áreas que não a organização ou estrutura do próprio Poder.

Nesse contexto, inicialmente, no item 2.1, buscou-se analisar a contribuição da doutrina tradicional do Direito para analisar os motivos que levam as partes a buscarem a

solução dos litígios da vida civil no Poder Judiciário, ao invés de mecanismos privados de resolução de conflitos, como a mediação ou a própria negociação privada. Entretanto, para a doutrina jurídica as partes buscam o Judiciário para obter uma espécie de satisfação moral, seja com o intuito de vingança, seja para satisfazer princípios de Justiça.

Essa noção, da forma como apresentada pela doutrina, entretanto, é insuficiente para explicar diversos casos que os juristas experimentam no dia-a-dia, como o crescimento dos processos em que se postula a concessão de danos morais a partir de determinado período, para o qual os magistrados desenvolveram uma espécie de jurisprudência defensiva para evitar o abuso do direito de ação pelos jurisdicionados, mas, que, como será observado no quarto capítulo, nem sempre atingem o resultado pretendido.

Dessa forma, parece necessário buscar em outros ramos do conhecimento explicações para os motivos que levam as pessoas a litigarem a fim de melhor permitir que os gestores e formuladores de políticas públicas enderecem o problema do número de litígios submetidos ao Poder Judiciário e as questões de lentidão e efetividade da prestação jurisdicional.

Assim, a Análise Econômica do Direito pode direcionar o olhar do gestor e do formulador de políticas públicas para outras áreas, como ineficiências no processo ou o desestímulo de condutas não desejadas. Para tanto, deve-se, em um primeiro momento, entender quais os motivos que levam as pessoas a submeterem seus conflitos ao Poder Judiciário.

De acordo com a doutrina tradicional do direito, o Judiciário, ao resolver conflitos, tem a função precípua de garantir a realização dos princípios de justiça. No decorrer da história da humanidade, a forma de garantir essa realização foi se transformando, no entanto, para o estudioso do direito, parece permanecer essa associação entre direito e justiça, ainda que, na atualidade, a justiça esteja nas prescrições normativas, ao invés da própria atuação jurisdicional.

A despeito disso, mesmo na doutrina atual, o Poder Judiciário, como abordado na teoria de Alexy (2002 [1992]), tem uma importante função na garantia dos princípios de justiça, estando tal concepção tão presente no senso comum das pessoas que textos de outras origens acabam por perpetuar essa noção. Entretanto, como se observou, as pessoas não são guiadas por meras considerações de justiça ao decidir sobre o litígio.

Com efeito, para a economia enquanto ciência que estuda a estrutura de incentivos das pessoas e considerando o direito um mecanismo para a alteração desses incentivos, imprimindo custos para as escolhas ou outras consequências jurídicas, como a invalidade do

negócio jurídico, os indivíduos agem racionalmente ao optar pela submissão de uma questão ao Poder Judiciário.

Para tanto, os indivíduos ao fazerem uma opção analisam o retorno esperado com ela e os custos e, sendo os benefícios superiores aos custos, eles optam pela litigância. Entretanto, como observado por Ihering (2003 [1872]) há mais de um século a partir de suas próprias experiências, não deve essa análise estar restrita a aspectos monetários, mas, também, ter em consideração uma variável subjetiva, que é o valor que o indivíduo dá para aquele direito.

Ocorre, entretanto, que, por vezes, o indivíduo sequer tem conhecimento do direito que se postula, tampouco possui grau de indignação ou busca a satisfação de critérios de justiça. Nesse sentido, no último tópico, a partir de pesquisa empírica multidisciplinar, observou-se que os motivos que levam as partes a litigarem são quatro: baixos custos e baixos riscos do processo judicial, perspectiva de ganho, uso instrumental e por princípio ou justiça.

Dos quatro motivos, por outro lado, apenas o último possui correlação com a visão da doutrina tradicional do direito em que as pessoas litigam a fim de dirimir conflitos e obrigar aquele contra quem se litiga ao cumprimento das obrigações assumidas. Observa-se, portanto, que a doutrina do direito não pode ser a base para a implementação de reformas que visem a tratar problemas relacionados aos incentivos para litigar.

É nesse cenário que o estudo das motivações a partir de pesquisas que utilizam o instrumental econômico tem muito a acrescentar aos gestores públicos e aos encarregados de propor modificações ao atual sistema judicial brasileiro, selecionando os comportamentos desejados e, se for o caso, aprofundando os seus incentivos após sua correta identificação, ou desestimulando os comportamentos indesejados. Essa proposta, portanto, pode auxiliar os formuladores de políticas públicas a endereçarem o problema de forma mais efetiva a fim de resolver os problemas do que se tem chamado de crise do Poder Judiciário. Para tanto, deve- se, inicialmente, estudar as formas como as partes interagem e, posteriormente, tentar entender como as motivações apresentadas realmente atuam nessa interação.

O Modelo apresentado, por sua vez, permite ao gestor uma melhor compreensão do litígio e das diversas variáveis nele envolvidas, possibilitando o tratamento da litigância de maneira direcionada. Além disso, a modelagem proposta apresenta algumas previsões sobre a realização de acordos que podem auxiliar no seu estímulo.

3 POR QUE AS PARTES LITIGAM?

Neste capítulo, buscar-se-á aplicar o modelo apresentado no item 2.4 ao sistema judiciário brasileiro e aos motivos para litigar observados na pesquisa tratada no item 2.3. Para tanto, em um primeiro momento, faz-se necessária uma breve exposição acerca da estrutura do sistema Judiciário brasileiro para, a seguir, realizar a aplicação do modelo e, finalmente, apresentar considerações acerca das possibilidades de tratamento dos motivos para litigar vistos no capítulo anterior pela legislação e autoridades judiciárias.