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2.3 OS MOTIVOS QUE LEVAM AS PESSOAS A LITIGAR E A LEGISLAÇÃO

2.3.2 Perspectiva de ganho

Os litígios decorrentes dessa motivação têm por trás a perspectiva de ganho real em detrimento da reparação de danos sofridos ou do efetivo exercício de um direito, assim, o

direito violado não é o que move o indivíduo ao litígio, mas a possibilidade de ganho econômico. No caso das pessoas físicas, a perspectiva de ganho assume destaque nos casos em que se têm a ocorrência de conflitos repetitivos, como a inscrição indevida do consumidor em cadastro negativo, sobrepondo-se, inclusive, à ocorrência de violação a direito.

Nesse sentido, a informação de que um conhecido foi bem sucedido naquele tipo de demanda atua como um incentivo para a apresentação de demandas semelhantes, ainda que o agente não tenha certeza ou conheça efetivamente qual o direito que teria sido violado, movendo-se, assim, não pela indignação ou senso de reparação, mas pela possibilidade de acréscimo patrimonial. Nesse sentido, tem-se a seguinte resposta obtida pelos entrevistadores (SANTOS FILHO e TIMM, 2011, p. 58):

PF1RS: Bom, [...] vamos dizer que eu sinta lesado, mas não veja perspectiva de correção disso aí, a única coisa que vejo é me incomodar mais ainda, né, tô fora, tá, é. Então tem que ter a questão que eu me sinta mais uma boa perspectiva de [...] efetivamente ganhar a ação e ganhar a execução. [...] O que, a questão das custas? Bom, as custas, tá no cálculo de eu ver se eu vou receber alguma coisa.

Observa-se, nessa assertiva, que o tempo dispendido com o litígio é um fator que também influencia a motivação para litigar, uma vez que, o exercício do direito de ação obriga o agente a juntar documentos, comparecer em audiência, lidar com testemunhas, entre outros. Considerando-se, portanto, o tempo que já foi dispendido e o tempo que o próprio litigio levaria, é necessário que a perspectiva de ganho compense esse fato para que o agente se proponha a litigar.

No caso das pessoas jurídicas, a utilização do Poder Judiciário é mais pragmática e perpassa por considerações mais apuradas da relação custo-benefício, tendo sido observado nas entrevistas que tais pessoas veem o Judiciário como um negócio que pode trazer resultados positivos em outras áreas, além dos decorrentes diretamente do litígio, que seriam efeitos marginais, como a adição de capital de giro na empresa ou incentivo para que o devedor cumpra com suas obrigações em outro caso.

Nesse contexto, o cálculo do resultado do litígio incorpora, tanto os efeitos diretos, como os indiretos, do processo judicial, influenciando, inclusive, a realização de acordos, hipótese em que se tem o adiantamento de um determinado valor apesar de ser possível um ganho maior após o decurso de todo o processo judicial. Oportuna, nesse sentindo, a transcrição do seguinte trecho de uma das entrevistas coletadas em que se observam todos os aspectos acima referidos sobre as pessoas jurídicas neste tópico:

PJ3RS: Nós na Y vemos o processo, como negócio, o jurídico é um negócio aqui dentro, que tem que dá resultado positivo, vale a pena abrir processo, não vale!? Se eu tenho uma questão lá que eu já provisionei contabilmente que eu sabia que eu ia perder, e o fisco vem e me diz o seguinte: isso aqui, se tu pagar a vista tem 30% de

desconto. Esses 30% eu vou reverter da minha provisão, é lucro pra empresa naquele mês, eu vou lá e pago! É lucro, ah, mas poderia discutir, daqui a quinze anos podia ganhar os 100%, não me dá os 30% agora e resolve mais uma.

Nas entrevistas com advogados, os pesquisadores notaram “[...] o surgimento de uma ‘indústria’ - expressão que quer denotar a convicção dos entrevistados de que muitos casos não têm como referência um dano que efetivamente ocorreu e precisa ser reparado, mas uma expectativa de ganho sem lastro” (SANTOS FILHO e TIMM, 2011, p. 60), com a perspectiva de ganho sobrepondo-se à avaliação do dano. Essa situação fica bem marcada na seguinte entrevista:

Adv2RS: hoje, muitas vezes as ações em massa, hoje ocupam um lugar importante no judiciário, nós tivemos aqui no Rio Grande do Sul, as ações da Z por conta das linhas telefônicas; se perguntasse pras pessoas por que elas estavam litigando, [diriam que é] porque um advogado me ligou que talvez eu tivesse direito, publicou no jornal eu fui lá tentar, não tinha nenhum risco, não ia perder nada, fui tentar. Então muitas vezes as pessoas não têm nem convicção dos direitos, estão lá porque é uma loteria, paga um premiozinho mínimo e pode vir uma bolada (SANTOS FILHO e TIMM, 2011, p. 61).

Observa-se, nesse sentido, que os próprios advogados têm um importante papel no incentivo à ocorrência desse tipo de demanda e que os agentes são levados à litigar, não pelo dano efetivamente ocorrido, mas pela possibilidade de ganhar algo. Entretanto, essa utilização acaba associada com os baixos riscos que envolvem o litígio. Dessa forma, a análise realizada é a de que existe alguma possibilidade, ainda que pequena, de ganhar algo e o risco de ser obrigado a pagar alguma quantia é nulo. Essa situação em muito se assemelha ao jogo de loteria (exemplificado à p. 52), o que foi observado pela pesquisa nas entrevistas realizadas com os magistrados.

Um diferencial importante é captado na análise das entrevistas dos magistrados em que fica demonstrada a convicção de que “[...] a própria falta de unanimidade nas decisões torna o litígio uma ‘loteria’ na qual se aposta; ela pode render um grande ganho, e não ser apenas a reparação de um dano” (SANTOS FILHO e TIMM, 2011, p. 62). Por outro lado, nas entrevistas com os Juízes, ficou clara a noção de que o litígio é por vezes utilizado como um negócio, com a intenção de ter lucro ou de postergar o pagamento de uma obrigação.

A legislação nesse caso atua como incentivo, não por disposições específicas existentes, mas pela falta de sistematização e pela existência de múltiplos diplomas normativos que tratam do mesmo tema, gerando incerteza sobre o direito. Além disso, a garantia de independência do magistrado, previstas nos arts. 25 a 29 da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979, entre outros dispositivos, favorece o surgimento de jurisprudências divergentes entre magistrados de mesmo grau de jurisdição, entre tribunais e entre magistrados singulares e tribunais.

Por outro lado, a aplicação desenfreada do neoconstitucionalismo15 e dos princípios, sejam eles explícitos ou implícitos, em detrimento das normas positivadas e, muitas vezes, sem critério, acaba incentivando a visão do Poder Judiciário enquanto loteria, incentivando ainda mais o litígio e os recursos, uma vez que a tese ali defendida pode vir a ser aceita em alguma instância.