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2.2 A PASSAGEM PARA A TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL

2.2.1 Escolha e Escolha Envolvendo Risco

Neste tópico, pretende-se analisar brevemente os aspectos que envolvem a tomada de decisões pelos indivíduos e, conforme o caso, a sua aplicação para a questão da litigância tratada neste trabalho. A racionalidade econômica é, nesse sentido, um pressuposto da teoria econômica pela qual os indivíduos são capazes de realizar escolhas que maximizam o seu bem-estar, cuja análise se dá a partir dos instrumentos acima apresentados, quais sejam: preferência, utilidade e análise marginal.

Nesse contexto, inicialmente, tem-se que preferências, para a teoria econômica, seriam o conjunto de gostos de um indivíduo que o levam a escolher uma cesta de bens em detrimento de outras. A expressão reiterada dessas preferências, sempre que as escolhas se dão entre o mesmo conjunto, refere-se à racionalidade do indivíduo e apresenta uma das características das preferências, a estabilidade. A mudança das escolhas implicaria, nesse sentido, em alterações externas, mas não nas preferências das pessoas. O incremento de custo ou a alteração dos recursos disponíveis pode levar à modificação das escolhas, sem que isso implique em instabilidade na estrutura de preferências do agente.

A segunda característica das preferências é serem elas completas, ou seja, independentemente da quantidade de escolhas possíveis a um indivíduo, ele será sempre capaz de escolher entre as opções disponíveis ou ser indiferente a elas, o que significa que qualquer uma das opções oportuniza ao agente o mesmo nível de bem-estar. As opções do agente não precisam estar associadas a uma mesma questão. Por exemplo, pode ser ele submetido a escolher entre comer macarrão no almoço ou optar por ver um filme naquele horário. Nesse caso, o recurso escasso seria o tempo e o agente deve ser capaz de ordenar, entre as preferências, aquela que lhe traria o maior bem-estar.

A terceira característica das preferências é a transitividade, que implica em ser o indivíduo capaz de ordenar suas preferências entre quais ele prefere em relação às demais e uma vez que A é preferível a B e B é preferível a C, então A também é preferível a C. Admitir que C pudesse ser preferível a A impossibilitaria o indivíduo de fazer uma escolha, posto que,

se A é preferível a B, B a C e C a A, sempre existirá uma opção em que o indivíduo alcançaria um resultado superior.

Registre-se, ainda, que, às preferências, podem ser associados valores que não exprimem o quanto um individuo prefere uma opção à outra, mas serve, tão somente, para ordenar as preferências entre elas. Por exemplo, digamos que a estrutura de preferência de um indivíduo seja, litigar = 10, não litigar = 10,1 e comprar um sorvete = 100. Isso apenas significa que o individuo prefere comprar um sorvete a não litigar e prefere não litigar a litigar, não sendo possível inferir que ele prefere o sorvete dez vezes mais do que litigar.

Aplicando esse tema à questão do litígio, a parte, ao escolher litigar, deve decidir entre litigar e não litigar, considerados os custos relativos ao litígio, como advogado, custas processuais, entre outros; e os relativos a não litigar – perda do direito – e, ordenando-as, decidir qual das opções irá trazer um resultado maior.

A utilidade, por sua vez, é a expressão matemática e numérica das escolhas de um indivíduo e representa a satisfação obtida pelo consumo de uma determinada cesta de bens, satisfação essa que não está diretamente relacionada ao aspecto monetário, podendo incluir, também, outros aspectos. É possível organizar as utilidades obtidas de diferentes cestas de bens de modo a estabelecer uma curva de utilidade na qual todos os bens que estão naquele mesmo nível ocupam um papel de indiferença para o indivíduo, isso pode ser útil, por exemplo, para aferir a indenização ótima para um evento danoso irreparável11.

O terceiro dos conceitos, da análise marginal, introduz na teoria econômica a preocupação com as escolhas realizadas pelos indivíduos que envolvem pequenos ajustes na margem, uma vez que as decisões se dariam sobre a escolha entre alocar um pouco mais, ou menos, de recursos em determinada atividade ou com a aquisição de certo bem e, nesse contexto, rege-se pelo princípio de que a utilidade marginal é decrescente, ou seja, de que os ganhos de utilidade adicional ou na margem são decrescentes para cada unidade adicional. Considerar-se-ia, então, a utilidade extra de se adquirir uma unidade adicional de determinado bem.

A teoria econômica desenvolveu, ainda, noções acerca da tomada de decisão pelo individuo nas situações em que determinados aspectos não estejam claros para o tomador de decisão, é o que se chama de escolha envolvendo risco ou sobre incerteza. Mas-Collell, Whinston e Green (1995, p. 167) afirmam que “Na realidade, entretanto, muitas decisões econômicas importantes envolvem um elemento de risco. [...] Alternativas incertas possuem

uma estrutura que nós podemos utilizar para restringir as preferências que os indivíduos 'racionais' podem possuir”12 (tradução livre).

Considerando que a utilidade procura indicar para o indivíduo a expressão matemática de sua escolha, em casos de decisão envolvendo risco, deve a função utilidade exprimir as diferenças relacionadas à probabilidade, passando, pois, a contemplar em seus termos a probabilidade de cada um dos eventos ocorrer. Imagine-se, pois, um jogo de moedas em que o indivíduo receberá um dado retorno financeiro na hipótese de, entre cara ou coroa, sair o resultado por ele escolhido. Ao tomar a decisão entre cara ou coroa, o indivíduo deverá analisar os retornos esperados pela escolha, que envolve multiplicar a probabilidade de o lançamento da moeda resultar em cara ou coroa pelo retorno financeiro anteriormente especificado.

Nesse contexto, torna-se possível a comparação entre retornos certos, como os custos de não perseguir judicialmente o cumprimento de uma obrigação, custo esse que seria representado pela própria obrigação que não será adimplida, e o retorno esperado de apresentação de uma ação judicial com o objetivo de compelir a outra parte a cumprir sua obrigação, que, por uma infinidade de motivos, pode resultar em retorno inferior ao que se tinha como certo, que é a perda do direito. Entretanto, com a teoria da escolha envolvendo risco, é possível ao tomador de decisões corretamente avaliar cada uma das situações.

Mencione-se, neste ponto, que, no dia-a-dia, as pessoas realizam essas escolhas utilizando probabilidades subjetivas, ao invés de probabilidades objetivamente determinadas, o que pode gerar diferenças na análise e resultados distintos do que prevê a teoria, entretanto, é possível incorporar tais aspectos no estudo dos processos de tomadas de decisão, como se verá no tópico 2.4.1 deste capítulo.

Kreps (KREPS, 1990, p. 71), a seu turno, exemplifica a diferença existente entre os dois modelos de escolha e a importância da teoria da escolha envolvendo risco, transcreve-se:

Até este ponto, nós estivemos pensando em pacotes ou objetos entre os quais nosso consumidor tem escolho como ‘coisas certas’ – quantas garrafas de vinho, quantas garrafas de cerveja, quantas doses de uísque. Muitas decisões de consumo importantes envolvem escolha cujas consequências são incertas no momento da decisão. Por exemplo, quando você escolhe um curso de estudo, você não tem certeza sobre suas habilidades, oportunidades futuras, competência dos seus

12 No original: “In reality, however, many important economic decisions involve an element of risk. [...]

Uncertain alternatives have a structure that we can use to restrict the preferences that 'rational' individuals may hold”.

professores, etc. Tanto em mercados financeiros, quanto reais, bens com características de risco ou incerteza são trocados o tempo todo [tradução livre].13

Ante o que foi exposto, para a Análise Econômica do Direito, as pessoas optariam por litigar se os benefícios esperados fossem superiores aos custos. Exemplificativamente, portanto, se os custos de um litígio são da ordem de R$ 2.000,00, enquanto que os benefícios esperados são de 20% de chance de ganhar R$ 10.000,00, então, ao final, o retorno esperado é de 20% x 10.000,00 – 2.000,00, o que resultaria em 0, implicando que o agente não teria incentivo para litigar, sendo indiferente, uma vez que, para a economia, os agentes maximizam o retorno esperado das suas condutas, pressupondo-se que o resultado certo de não litigar também seja igual a zero.

A despeito do que foi exposto, tem-se que, no senso comum dos operadores do direito, usualmente, está presente uma falsa noção de que a economia está interessada apenas em dinheiro e nas relações daí decorrentes, entretanto, uma definição mais apurada para esse ramo do conhecimento humano é o de que Economia “[...] é a ciência que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências” (GICO JR., 2010, p. 8).

Pode-se, ainda, acrescentar a esse conceito o estudo da estrutura de incentivos dos indivíduos como consequência da análise da tomada de decisões, podendo responder questões que, em uma primeira análise, são esdrúxulas e sem qualquer relação com a Economia, como, por exemplo, “o que os professores e os lutadores de sumô têm em comum?” ou “em que a KuKluxKlan se parece com um grupo de corretores de imóveis?” (LEVITT e DUBNER, 2007). Ainda que tais questões pareçam estar distantes do objeto da Economia, a resposta pode ser encontrada pela aplicação dos instrumentais desenvolvidos por séculos pelos estudiosos dessa Ciência.

Nesse sentido, o Direito, enquanto conjunto de normas que regulam a conduta humana e estabelecem uma série de sanções para a sua inobservância (KELSEN, 1999, p. 22-23), pode se utilizar dos instrumentais econômicos criados para estudar a tomada de decisão pelos indivíduos a fim de permitir melhor endereçar as proposições legislativas e orientar a aplicação das normas existentes. Surge, então, a Análise Econômica do Direito com o

13 No original: “Up to this point, we’ve been thinking of the bundles or objects among which our consumer has

been choosing as “sure things” – so many bottles of wine, so many cans of beer, so many shots of whisky. Many important consumption decisions concern choices the consequences of which are uncertain at the time the choice is made. For example, when you choose an education, you aren’t sure about your abilities, later opportunities, the skills of your instructors, etc. Both in financial and real markets, commodities of risk or uncertain character are traded all the time”.

objetivo de incorporar esses instrumentais no estudo do Direito, possuindo duas vertentes, uma positiva, que orienta na interpretação e aplicação das normas, e uma normativa, que pode auxiliar na proposição de políticas normativas (GICO JR., 2010, p. 19-21).

A finalidade, portanto, da aplicação dos instrumentais econômicos ao Direito é permitir, entre outros, o estudo e a compreensão das estruturas de incentivos dos indivíduos a fim de que o formulador de políticas públicas possa decidir quais medidas devem ser utilizadas para incentivar o comportamento desejável e desestimular os indesejáveis.

Nesse sentido, o próprio Ihering (2003 [1872]) demonstrou que a abordagem econômica do litígio é importante para a sua compreensão, ainda que fundamentada em bases diferentes das que ora se apresentam, uma vez que, tanto os aspectos monetários, quanto os não monetários, deveriam ser considerados na análise da motivação. Dessa forma, tem-se que:

[...] a questão da luta pelo direito se resolveria num simples exercício de matemática, onde se comparariam as vantagens e desvantagens de cada uma das alternativas para chegar a uma solução [...]

Ninguém ignora que na vida real as coisas não se passam assim. A experiência diária nos mostra processos em que o valor do objeto do litígio não guarda a menor proporção com o dispêndio provável de energia, aborrecimentos e custas. Ninguém que tenha deixado cair à água uma moeda gastará duas para recuperá-la. Para essa pessoa, a questão de quanto poderá gastar nesse mister representará um simples problema de matemática. Por que não se arma a mesma equação quando se trata de um processo? Nem se diga que o litigante conta com a vitória, caso em que as custas correrão por conta do adversário. Qualquer jurista sabe perfeitamente que por vezes nem mesmo a perspectiva de pagar um preço bem elevado pela vitória demove a parte do propósito de aventurar-se ao processo. Muitas vezes o advogado, ao expor os pontos desfavoráveis da questão e recomendar ao interessado que se abstenha do processo, ouve deste a resposta de que está firmemente decidido a processar o adversário, custe o que custar (IHERING, 2003 [1872], p. 37).

A resposta de Ihering (2003 [1872], p. 41-44) para essa contradição, ainda que superficial, parece endereçar bem o problema que ora se analisa. Nesse sentido, o autor expõe que o valor que a pessoa atribui ao próprio direito violado acaba por influenciar a decisão de litigar e, se o direito violado é de extrema importância para o indivíduo, como a honra para o comerciante, ele estará disposto a exaurir seus bens para defender o direito, ainda que, em outros casos, opte por não litigar.

O que se passa, então, a investigar são os aspectos monetários e não monetários que levam a pessoa a buscar o Poder Judiciário, uma vez que, uma abordagem clássica do Direito apenas considera a busca pela reparação do direito violado ou a satisfação de um sentimento de justiça, entretanto, o que se deve indagar são os motivos que realmente levam as pessoas a litigarem judicialmente.