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OS CUSTOS E REPERCUSSÕES DO EXCESSO DE FORMALISMO NA

A primeira questão que vem à tona, intuitivamente, para um falante de uma língua ao tratar dos problemas relacionados ao excesso de formalismo na linguagem é o rebuscamento

em excesso e, nesse quesito, ninguém pode superar os sermões do Padre Antônio Vieira ou o domínio sobre a língua para manejá-la como desejava de Olavo Bilac, como se observa no soneto abaixo, em que Olavo Bilac exalta a língua portuguesa a partir da história de sua formação e difusão:

Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Mas o que ambos os exemplos têm em comum é a sua finalidade, o gênero textual, ambos são textos literários, com um ideal de belo que passa pela linguagem hermética e pela necessidade de construções ricas que não podem ser imitadas pela grande maioria dos falantes da língua portuguesa na atualidade. No campo jurídico, a seu turno, um grande expoente da capacidade de utilizar a língua como ninguém foi, sem dúvidas, Rui Barbosa, que conseguia fazê-lo sem, no entanto, tornar-se excessivamente prolixo.

A questão que importa, portanto, é saber a que se serve o excesso de rebuscamento na linguagem forense e, mais especificamente nas decisões judiciais. Alguns poderiam defender que, por se tratar da mais alta Corte do país, algum rebuscamento se apresenta necessário e, até, indispensável, mas foi-se o tempo em que as decisões judiciais eram escritas apenas para juristas, acostumados com o hermetismo da linguagem jurídica, talvez, inclusive, por falta de opção.

Com a informatização e melhoria dos meios de comunicação, cada vez mais, os jurisdicionados têm a possibilidade de acompanhar as ações de seu interesse e até desejam fazê-lo. Por outro lado, as decisões do STF também passam a abranger mais aspectos da vida das pessoas em virtude do aforamento de questões que, 20 ou 30 anos atrás, eram consideradas políticas e sobre as quais não se manifestava o Tribunal. Some-se a isso o televisionamento das sessões do Supremo Tribunal Federal em canal aberto, o que possibilita, virtualmente, a qualquer um acompanhar as sessões.

Nesse contexto, os advogados e os juristas se tornam desnecessários para, depois de tomada a decisão, divulga-la. O hermetismo das decisões faz, no entanto, com que surjam problemas relativos à interpretação e aplicação da decisão, para dizer o mínimo. Entretanto, se os problemas residissem apenas nesse campo, a questão poderia, até, ser contornada, o que não ocorre. Algumas decisões do Supremo causam tantas dúvidas que o próprio STF precisa dizer qual é a interpretação da decisão que tomou. Isso aconteceu no processo da Extradição de Cesare Batisti, Ext 1.085, em que o Min. Eros Grau precisou, em outra sessão, explicitar qual teria sido o voto dele, pois os próprios Ministros não tinham certeza sobra qual voto era acompanhado pelo Min. Eros Grau.

Outro exemplo é a ADI/MC 3.395, em que o entendimento acerca do que tinha sido decidido pelo STF apenas se deu anos depois em sede de Reclamação, após inúmeros debates nas Cortes Estaduais e Trabalhistas acerca de qual teria sido o entendimento do STF sobre a competência para tratar de matérias relacionadas a contratos de terceirização e eventual anulação com o reconhecimento de vínculo de emprego.

Os custos, portanto, do excesso de hermetismo e formalismo das decisões transcendem o simples aspecto dos custos sociais, gerando, também, custos para o Estado e para a Administração da Justiça, como o foi nos dois casos mencionados, que, no entanto, não exaurem a questão. Na prática da advocacia, muitos advogados poderão contar alguns casos em que a decisão que transitou em julgado é impossível de executar porque ninguém consegue realmente entender o que foi ganho, sabendo apenas que a decisão foi favorável, mas resta saber em qual medida.

Nesse contexto, o próprio exercício dos direitos reconhecidos judicialmente podem se tornar impossíveis em virtude desse hermetismo linguístico, o que faz com que a questão referente aos custos do excesso de formalismo ultrapasse o aspecto monetário, implicando em própria violação ao direito. Observa-se, portanto, que o excesso de formalismo tem implicações, tanto nos custos do litígio, como pode ter implicações no número de litígios, com caráter multiplicador.

É o caso de uma decisão ter sido proferida em determinado caso e as partes não terem condições de, com clareza, determinar a quem foi atribuído o direito pelos Tribunais, hipótese em que surgirá um novo litígio a fim de permitir que o Poder Judiciário esclareça o conteúdo daquela decisão. Em tal hipótese, o excesso de formalismo incrementa a disparidade entre as probabilidades subjetivas, como visto à p. 83, de o litígio vir a ser bem sucedido atribuídas pelas partes, dificultando acordos e aumentado a probabilidade de o litígio vir a ocorrer. Essa situação tem o mesmo efeito multiplicador de litígios que a ausência de consolidação da

jurisprudência e de aplicação pelos diversos magistrados nas diferentes instâncias judiciais, como visto no item 2.5.

Com efeito, a decisão de litigar perpassa uma análise dos benefícios esperados com a ação e, como dito, é importante que as partes tenham condições de utilizar uma probabilidade subjetiva o mais próximo possível da realidade a fim de não haver supervalorização, ou ainda subvalorização, impedindo, nesse caso, que litígios sejam levados ao Judiciário, a fim de corretamente ponderar os custos esperados em relação aos benefícios.

Uma ação em que o autor subvalorize os seus benefícios esperados, nos termos da

Equação 8, reduz o excedente cooperativo por ventura existente e dificulta a realização de

acordos e o cumprimento espontâneo das obrigações assumidas. É que, ao não compreender efetivamente o resultado de uma demanda judicial, o interessado possivelmente buscará a interpretação possível que lhe seja mais favorável, por ventura estabelecendo uma probabilidade subjetiva de sucesso da ação judicial superior ao efetivamente observado, contexto em que, ainda que o demandado faça uma aferição mais próxima da realidade, a realização de uma composição resultará mais difícil.

Não é só. Indivíduos que sequer planejavam levar uma questão ao Judiciário podem fazê-lo na expectativa de um resultado mais benéfico que o resultante da barganha privada, atuando, pois, como incentivadora de litígios. Nesse contexto, o Poder Judiciário, ao proferir decisões que não sejam claras, acaba por distorcer as análises realizadas pelas partes privadas e estimular o litígio.

Com efeito, se a partir de uma decisão, os jurisdicionados forem capazes de extrair múltiplas interpretações, a parte irá filiar-se àquela que lhe é mais benéfica e, possivelmente, adotará aquele entendimento no trato das suas obrigações civis. Por outro lado, a outra parte, potencialmente prejudicada por aquele entendimento, terá incentivos para buscar a solução do litígio no Judiciário, atuando, pois, a falta de clareza das decisões como incentivadora do litígio.

Registre-se que essa situação decorre, não da legislação, mas da atuação dos próprios magistrados nos casos que lhes são submetidos. Não existe regramento na legislação, salvo a necessidade de a decisão ser proferida no vernáculo português, acerca do rebuscamento da decisão. Dessa forma, tem-se que decisões claras poderiam também definir com clareza os direitos e reduzir a margem de atuação da interpretação subjetiva sob a escolha realizada pelo Judiciário na alocação daquele determinado direito e, dessa forma, alinhar as probabilidades subjetivas atribuídas por autor e réu para o sucesso daquela demanda.

A clareza, portanto, na alocação de direitos pelo Poder Judiciário poderia incentivar o cumprimento espontâneo das obrigações assumidas e a realização de atos negociais que não venham a suscitar questionamentos a posteriori, quando da necessidade de cumprimento do que foi assumido pelas partes.