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Algumas considerações sobre a abordagem adotada: polissemia na sala de aula de ciências

LISTA DE GRÁFICOS

MOMENTOS DA PESQUISA

4.6. Algumas considerações sobre a abordagem adotada: polissemia na sala de aula de ciências

187 Na escolha dos textos e da forma de abordagem dos temas que compuseram as unidades de ensino, optamos por realizar uma abordagem que privilegiasse o trabalho com diferentes textos. Fizeram parte das aulas textos de divulgação científica (Ciência Hoje das Crianças), textos de diferentes livros didáticos e paradidáticos de ciências, textos literários (O mundo de Sofia, Perdido em um planeta chamado Terra), vídeos (documentário sobre o acidente radioativo de Goiânia, propaganda veiculada na televisão, vídeos produzidos por organizações como WWF, animações sobre fissão nuclear), imagens (usinas de produção de energia, imagens de material radioativo descartado em usinas de produção de energia, imagens que remetem a segunda guerra mundial), músicas, enfim, textos que apresentavam os temas de diferentes formas, numa abordagem que podemos considerar polissêmica14. Por exemplo, o tema radioatividade foi abordado em seus diferentes sentidos: produção de energia elétrica, tratamento de saúde em alguns casos, riscos à saúde provocados pela exposição, produção de armas. Nossas fontes foram: acervo da biblioteca da escola, acervo do Laboratório de Educação em Ciências (LEC/CED/UFSC)15, sitio da revista Ciência Hoje das Crianças16, sitio da WWF Brasil17 e acervo pessoal da pesquisadora. Falaremos mais detalhadamente dos textos ao longo das

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Ver referências completas em: Bibliografia utilizada nas aulas.

15http://www.nadec.ufsc.br/gepecisc.html 16

http://chc.cienciahoje.uol.com.br/revista

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análises, onde relacionamos leituras e produções escritas dos estudantes. Alguns critérios de escolha dos mesmos foram:

A possibilidade de intertextualidade: o trabalho com textos que circulam socialmente e que abordam os temas estudados em sala de aula;

O uso de diferentes linguagens: trabalhamos com textos escritos, imagéticos e fílmicos, o que contribui para a constituição de diferentes formas de relação entre sujeitos-leitores e textos;

Abordagem polissêmica: foram selecionados textos que tratavam de diferentes modos os temas estudados, possibilitando a produção de sentidos diferenciados sobre um mesmo assunto.

Por que trabalhar com uma abordagem polissêmica? O que estamos chamando de abordagem polissêmica? É possível ensinar ciências, objetivo da escola, dentro desse tipo de abordagem?

Ao propormos uma abordagem polissêmica partimos das premissas: a) o caráter heterogêneo dos discursos tecnocientíficos que circulam socialmente; b) a consideração de que no ensino de ciências escolar deve-se trabalhar em uma perspectiva que contribua para que os estudantes produzam novos olhares sobre a realidade histórico-social em que vivem, partindo do pressuposto da necessidade de maior abertura à interpretação e menos censura.

De acordo com a perspectiva discursiva de linguagem, todo discurso é produzido em uma relação de tensão entre dizer

189 o mesmo e dizer o diferente, ou seja, entre paráfrase e polissemia. No ensino de ciências escolar podemos dizer que há uma tendência a produção de discursos que visam conter a polissemia, há uma estabilização de sentidos, na medida em que existem alguns previstos (desejados). Não se pode dizer qualquer coisa, nem todos os sentidos são válidos. Esse movimento discursivo em que há contenção da polissemia é chamado por Orlandi (1996a) de discurso autoritário e, segundo a autora, é característica do discurso pedagógico, este definido como “um discurso circular, isto é, um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantindo a instituição em que se origina e para a qual tende: a escola.” (p.28). No entanto assim como Almeida (2004), entendemos que o que caracteriza o discurso pedagógico está presente em discursos que circulam em diversos outros lugares, não apenas na escola.

Por outro lado, fora da escola existe uma heterogeneidade de discursos com seus sentidos circulando entre a paráfrase e a polissemia. Atualmente os discursos sobre ciências e tecnologias estão cada vez mais tomando parte dos espaços discursivos sociais (conversas, telejornais, revistas, noticiários, etc). Esses diferentes dizeres sobre ciências não são homogêneos, pelo contrário, nos falam de diferentes ciências e tecnologias e de diferentes sentidos para os temas tecnocientíficos. Por exemplo, a engenharia genética ora é abordada como grande dádiva que possibilita muitos avanços na cura de doenças, ora como tecnologia perigosa e até assustadora. Os diversos sentidos que ciência e tecnologia

podem assumir nos discursos são delimitados pelos contextos de sua produção e de leitura desses discursos, ficando silenciados os outros sentidos possíveis.

Temos como pressuposto que no contexto histórico- social atual, os sujeitos tomam contato diariamente (fora da escola) com discursos sobre ciências e sua heterogeneidade de sentidos. Se é assim, tendo em vista o papel da escola na formação para a cidadania, podemos dizer que atualmente é parte de tornar-se cidadão a tomada de posição diante de temas tecnocientíficos. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais:

Mais do que em qualquer época do passado, seja para o consumo, seja para o trabalho, cresce a necessidade de conhecimento a fim de interpretar e avaliar informações, até mesmo para poder participar e julgar decisões políticas ou divulgações científicas na mídia. A falta de informação científico- tecnológica pode comprometer a própria cidadania, deixada à mercê do mercado e da publicidade. (PCNs, p.22)

Entendemos que na atualidade não nos falta informações

científico-tecnológicas. Somos bombardeados por elas todos os

dias, em diversos espaços. Notícias que nos falam sobre questões que vão da vacinação ao enriquecimento de urânio, da destruição de florestas ao projeto de milhões de reais para instalação de hidrelétricas, de curas a guerras. O que falta é o estabelecimento de relações, o posicionamento dos sujeitos (cidadãos) como interlocutores críticos desses discursos, a compreensão de que essas informações têm importância para nossas vidas, para o desenvolvimento social, para a produção e encaminhamentos de políticas públicas.

191 Desde uma perspectiva CTS na educação em ciências propõe-se a formação de sujeitos que concebam a ciência e tecnologia como atividades sociais, e, portanto também políticas, econômicas, culturais. Nessa perspectiva, assumindo um ensino de ciências comprometido com o estabelecimento de interlocuções entre sujeitos e conhecimentos tecnocientíficos, Linsingen (2007) aponta que:

Se esse é um sentido assumido como norteador de nossas ações no mundo e em sociedade, como professores, consumidores, cidadãos, então a educação em qualquer nível e modalidade, e a educação em ciências em particular, não pode prescindir de considerar os aspectos mais particulares daquelas atividades cujos produtos insinuam- se de maneira quase imperceptível, mas decisiva nos mais íntimos espaços de nossas vidas, de nossos pensamentos e modos de ser que, de tão próximos, parecem naturais e inquestionáveis. (LINSINGEN, 2007, p.17) Tendo em vista esse contexto e indo ao encontro da perspectiva discursiva de educação CTS, na elaboração das propostas de leitura e escrita buscamos evidenciar questões sociais. Como já apontamos, o trabalho foi construído partindo do currículo de ciências da escola e dos planejamentos anuais dos professores de ciências. Ao nos determos sobre os temas que deveriam ser abordados segundo o planejamento: radioatividade e energia, procuramos selecionar textos que apresentavam diferentes abordagens para os temas.

Ao abrir espaço para a polissemia em sala de aula buscamos instaurar um discurso que se aproxima do que Orlandi denomina de polêmico, que é aquele em que ocorre disputa de

sentidos no jogo entre a paráfrase e a polissemia. Segundo a autora, tornar o discurso pedagógico um discurso polêmico pode ser um caminho para a tomada de posição crítica diante das características do discurso pedagógico (DP):

A minha proposta atual é a de buscarmos, professores e alunos, um DP que seja pelo menos polêmico e que não nos obrigue a nos despirmos de tudo que é vida lá fora ao atravessarmos a soleira da porta da escola. (ORLANDI, 1996a, p.37).

Nos capítulos que seguem, apresentamos as análises realizadas acerca da leitura e da escrita na escola, tanto aquelas vinculadas à nossa proposta de trabalho nos nonos anos, quanto ao modo como a leitura e a escrita eram colocadas em funcionamento nas diferentes séries do Ensino Fundamental por parte dos dois professores colaboradores.

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